2.08.2009

Nº 1717 - Segunda-Feira 9 de Fevereiro de 2009

Jornal Ou Mun está preocupado com relações sexuais em público

O amor está em toda a parte

É uma perspectiva de análise que apela à moral e aos bons costumes. O jornal Ou Mun fez a sua primeira página de ontem sobre a actividade sexual de parte da população de Macau – ao que parece, há quem procure os recantos escuros do território em busca de prazer e de alguma excitação. O pior de tudo é que, condena o matutino, os amantes deixam por aí os vestígios das suas práticas.

Isabel Castro

“Os tempos mudaram. O sexo deixou de ser um assunto tabú.” É assim que o jornal Ou Mun dá início a uma série de artigos publicados na edição de ontem – com direito a primeira página – sobre as práticas sexuais de algumas pessoas de Macau.
Em traços gerais, o jornal condena o facto de os recantos mais escuros da cidade (sobretudo as ilhas) serem aproveitados pelos amantes para a prática sexual. Lamenta o matutino mais lido na RAEM que não haja legislação que puna este tipo de conduta e que haja vestígios destas actividades – o Ou Mun parece ter encontrado preservativos usados que sustentam a sua observação de carácter sociológico.
Começa então por explicar o jornal que, “com o objectivo de terem mais excitação”, há quem procure lugares escondidos para ter relações sexuais. As montanhas e os trilhos das ilhas são os locais mais procurados por estes casais em busca de algo novo.
“Alguns usaram preservativos, conseguem-se encontrar lenços por toda a parte das estradas das montanhas. Há pessoas que dizem que podem fazer aquilo que entenderem; no entanto, as suas condutas são públicas, o que não é aceitável do ponto de vista moral”, realça o Oumun.
O matutino aponta a inexistência de mecanismos legais para condenar “condutas impróprias”, o que faz com “as pessoas deixem preservativos usados e lenços em toda a parte e afectem a higiene pública”.
Aparentemente, o Ou Mun terá passado em revista algumas das zonas apontadas como sendo as escolhidas pelos amantes prevaricadores. Afirma a publicação que junto ao reservatório de Ka-Ho é fácil encontrar preservativos e lenços de papel usados. Pelas marcas de pneus no chão, presume-se que os amantes parem os carros ali e tenham relações sexuais durante a noite, continua o jornal.
Já no espaço junto ao terreno onde será edificado o novo estabelecimento prisional, também em Coloane, há um caixote do lixo: e garante o Ou Mun que o seu conteúdo é dominado por preservativos usados.
No Alto de Coloane, podem-se observar os faróis de várias viaturas durante a noite. Um praticante de jogging mencionou ao matutino que é comum encontrar naquele lugar lenços sujos e preservativos, o que é “bastante incómodo”.
No mesmo artigo recorda-se que, há alguns anos, vários amantes foram assaltados nos trilhos, uma situação que não chegou a ser apurada porque, dada a natureza das circunstâncias em que se encontravam na altura em que foram vítimas, coibiram-se de relatar o sucedido às autoridades policiais.
Concluindo e resumindo: por ser uma prática que pode acarretar perigos incluindo para os seus protagonistas, trata-se de algo que “não deve crescer”.

Preservativos sem crise

O Ou Mun ouviu um assistente social, não identificado, para tentar perceber o fenómeno. Explica então o especialista que alguns jovens escolhem ter relações sexuais em carros em busca de excitação. Correm o risco de serem descobertos e observados. “Embora não seja ilegal, de qualquer forma é contra a moral.” Para o assistente social, existem em Macau problemas em torno da sexualidade.
O jornal falou ainda com um proprietário de uma loja que relatou que, durante as férias, a venda de preservativos aumentou entre 20 a 30 por cento quando comparando com o resto do ano.
Este tipo de objecto é procurado não só pelos jovens residentes mas também pelos turistas da China Continental – e, neste caso, pesa o facto de haver mais variedade e da qualidade ser garantida, explicou o vendedor.
Um outro lojista, responsável por um estabelecimento comercial no centro de Macau, contou que um cliente comprou dez caixas de uma só vez. Quanto aos principais compradores, são turistas do Continente, jovens e adolescentes em idade escolar que, acrescentou, recorrem a este tipo de aquisição principalmente durante as férias escolares.
O mesmo entrevistado assegurou que, não obstante o menor poder de compra, tal não se reflecte no número de preservativos vendidos.

Investimentos em vinhos, imobiliário e no jornal "O Independente"

A curiosa Fundação de Stanley Ho em Lisboa


Há dez anos Stanley Ho criou uma fundação com o seu nome com a ajuda da Fundação Oriente. Serve, entre outras coisas, para garantir o futuro de oito filhos menores. Por causa disso, as Finanças recusaram-lhe a isenção de IRC. A Fundação aposta muito nos vinhos.

João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com

Não há uma estatística, pelo menos pública, de quantas fundações, já com o estatuto de utilidade pública atribuído pelo Estado Português, viram o pedido de isenções fiscais recusado posteriormente pelo Ministério das Finanças.
A Fundação Stanley Ho (FSH), depois de ter obtido o estatuto de utilidade pública em 1999, pediu a isenção fiscal de IRC em 2000. Esperou sete anos por uma resposta. Em 2007 o Ministério das Finanças respondeu finalmente e de uma forma negativa.
Na base da resposta do governo português está aquela que é uma das principais idiossincrasias desta Fundação que esta semana assinala 10 anos: como se lê no relatório respeitante a 2007, que a Fundação Stanley Ho forneceu ao PONTO FINAL, "embora a Fundação tenha adquirido o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública, por prosseguir fins de carácter social, cultural, educativo, filantrópico, situação que poderia determinar um regime fiscal mais favorável, foi considerado pelo Ministério das Finanças que as doações realizadas nos termos dos estatutos da Fundação pelo seu Presidente, com ónus constituído a favor de herdeiros menores por si nomeados numa percentagem de 25% do respectivo rendimento anual, impedem a verificação da inexistência de qualquer interesse directo ou indirecto dos membros dos órgãos estatutários, por si mesmos ou por interposta pessoa, nos resultados de exploração das actividades económicas prosseguidas pela Fundação".
Ou seja, o Ministério das Finanças "penalizou" o facto de Stanley Ho ter criado esta Fundação (também) para proteger financeiramente oito filhos menores. Assim, o presidente da FSH acaba por ter interesse, pelo menos indirecto, nos resultados da Fundação. Ao negar o pedido, Teixeira dos Santos impediu a Fundação de usufruir de um sistema mais amplo de isenções fiscais.
Ao PONTO FINAL, o administrador da FSH, Mário Brandão reconheceu que "o Conselho de Administração da Fundação decidiu não recorrer da decisão do Ministério das Finanças sobre o pedido de isenção do IRC, por considerar justificada a posição do Ministério".

Com a ajuda da
Fundação Oriente

Todos os anos, 25% das receitas da Fundação são separadas tendo em vista a entrega, no futuro, a esses oito filhos de Stanley Ho. Em 2007 cada um dos herdeiros "recebeu" quase 23 mil euros, num total de 182 mil euros. No total, há já perto de um milhão de euros que serão entregues a "instituições financeiras indicadas pelo Conselho de Administração e que se constituirão como curadores destes valores pertencentes aos herdeiros do Fundador, até que estes indivíduos atinjam a maioridade ou se tornar manifesta a incapacidade dos seus familiares providenciarem a sua educação e alimentação".
Esta cláusula torna a FSH diferente da maioria das fundações que se conhecem.
Outro pormenor curioso nestes 10 anos de actividade é o facto de a Fundação viver das doações do fundador mas também de 10 milhões de patacas que a Fundação Oriente se comprometeu a doar no acto de criação.
Se os leitores têm presente os pormenores que ditaram a saída da Fundação Oriente do contrato de jogo, antes do tempo, lembrar-se-ão que a STDM entregou uma compensação financeira à instituição presidida por Carlos Monjardino; também nessa altura ficou decidido que a Fundação Oriente doaria 10 milhões à FSH.
Dos quase 18 milhões e meio de euros que constituem o total de doações, cerca de 17 milhões foram entregues pelo fundador e 1,4 milhões pela Fundação Oriente (8%). Carlos Monjardino explicou em 2003 ao PONTO FINAL que a doação se justificava para "ajudar a viabilizar mais rapidamente a Fundação, cuja existência é de interesse actual e futuro para Portugal".
O administrador Mário Brandão explicou que não existem compromissos regulares por parte do Dr. Stanley Ho ou da Fundação Oriente para efectuar doações. A ocorrência de novas doações depende da vontade dos doadores e a sua frequência tem sido em função da necessidade de consolidação financeira da Instituição para permitir desenvolver os seus projectos de investimento".

As perdas com o Independente

Todos os anos a FSH afecta uma parte das suas receitas para subsidiar actividades e instituições, principalmente nas zonas em que tem investimentos: Cascais, onde está o Casino Estoril, mas também outras localidades da Grande Lisboa (a plantação de vinho de Colares, por exemplo).
Aliás, nos objectivos da Fundação pode ler-se (apenas) que "tem por objecto a realização de acções de carácter social, cultural, educativo ou filantrópico, que visem a valorização do homem e a promoção dos valores humanistas."
Em 2007 a Fundação distribuiu subsídios de cerca de 35 mil euros (sendo que a AMI de Cascais, o Festival de Música do Estoril ou o filme Peregrinação foram os principais beneficiados, com verbas entre os 10 e os cinco mil euros), muito menos do que os 110 mil entregues no ano anterior, também porque as receitas foram menores (sobretudo as extraordinárias). Aliás, o saldo de receitas e despesas de 2007 foi negativo, em quase um milhão de euros, "muito superior ao prejuízo verificado em 2006, fundamentalmente devido às despesas extraordinárias, onde se destaca a verba de €300.000, correspondente à perda total de participação financeira na sociedade ‘O Independente Global – Edições de Publicações Periódicas’" (este resultado fez diminuir a situação líquida da Fundação de perto de 17 milhões de euros para pouco mais de 15 milhões).
O que isto quer dizer é que como a FSH detinha 10 por cento do capital da empresa proprietária do jornal "O Independente", e quando este foi à falência, a perda foi total.
Gerida no dia a dia pelos administradores da Fundação Oriente, não admira que as participações da FSH apareçam muitas vezes cruzadas com as da instituição liderada por Carlos Monjardino. A Fundação Oriente, por exemplo, criou o Banco Português de Gestão e a FSH chegou a ter sete por cento do capital; de acordo com o último relatório que o PONTO FINAL consultou, tem agora 3,6% deste banco.
No caso d'O Independente, não houve presença da Fundação Oriente, mas as duas fundações têm – em certa medida – um caminho muito próximo: um dos principais activos da FSH é uma propriedade de 400 hectares na margem sul do Tejo, onde Stanley Ho cultiva vinho e caça, próxima de uma outra propriedade de Carlos Monjardino (Canha, Montijo).
Isto não significa que a FSH não tenha as suas prioridades, fora dos interesses da Fundação Oriente: está, por exemplo, a promover um empreendimento imobiliário em Oeiras e tem activos imobiliários no Hospital Particular, além do vinho, "investimentos decorrentes de doações do Dr. Stanley Ho e os respectivos rendimentos [que] têm sido importantes para a cobertura das necessidades de funcionamento e desenvolvimento da Fundação", segundo explicou Mário Brandão.

Uma equipa de luxo

Stanley Ho é o presidente da Fundação, o presidente do Conselho Geral (idêntico ao Conselho de Curadores) e presidente do Conselho de Administração. Neste órgão há ainda um vice-presidente, Carlos Monjardino, e um vogal, Mário Brandão ("designado pela Fundação Oriente", como se lia no documento de 2007; entretanto Mário Brandão deixou a administração da Fundação Oriente, mas mantém-se como administrador da FSH).
No Conselho Geral destaque para o banqueiro Ricardo Salgado (BES), além de outras pessoas ligadas à banca, como Luís de Melo Champalimaud ou João Costa Pinto (que foi presidente do BNU). Ambrose So, Carlos Beja (ex-director do Turismo em Macau), Henrique Medina Carreira e Fraústo da Silva (este indicado pela Fundação Oriente) completam a equipa.
No final de 2007 a FSH tinha um activo líquido de perto de 18 milhões de euros, contra um passivo corrente de dois milhões (cerca de metade devida aos herdeiros e outra metade aos bancos que financiaram as intervenções imobiliárias).

Stanley branco e tinto

No relatório da FSH que temos estado a citar pode ler-se que "no exercício de 2008 perspectiva-se que a vendo do vinho proporcione um acréscimo significativo de proveitos". De acordo com o administrador Mário Brandão "as receitas decorrentes da venda de vinho e uvas são da ordem de 200.000 euros anuais, o que poderemos considerar como cerca de 30% das receitas correntes anuais da Fundação".
Stanley Ho tem vários vinhos no mercado, alguns deles com o seu nome, e já com prémios. Há um tinto, da zona das Terras do Sado, e um branco, da Estremadura (à base da casta chardonnay), que têm obtido boas classificações em concursos internacionais.
A FSH tem videiras em Colares e Canha e, nesta última propriedade, o terreno dedicado ao cultivo de vinhas atinge os 30 hectares.

Henry Lei, docente de Economia da Universidade de Macau, em entrevista ao PONTO FINAL

"Se a situação piorar vai haver mais despedimentos"

Se, por um lado, as receitas dos casinos da RAEM aumentaram e não se regista uma situação dramática ao nível do desemprego – segundo os números oficiais -, por outro, as empresas locais têm dificuldades no acesso ao crédito e os residentes que investiram na bolsa de valores já se começam a ressentir. São estes os principais efeitos da crise financeira internacional no território, defende o professor assistente de Economia da Universidade de Macau, Henry Lei. Quanto a culpados pela actual situação económica mundial, o académico não tem dúvidas: os Estados Unidos e um sistema financeiro sem qualquer controlo.

Luciana Leitão

- A crise internacional ainda vai durar?
Henry Lei – Estamos a meio da crise, se analisarmos factores como as taxas de desemprego dos Estados Unidos, os níveis de consumo, produção e de vendas de propriedade. De momento, não vemos sinais de recuperação. Pode, inclusivamente, piorar. Os jornais anunciaram que o Congresso está à procura de uma revisão do projecto de relançamento da economia dos EUA. Pode atrasar o processo de recuperação do país. No que toca à economia mundial, segundo as estatísticas da China, vemos que o desempenho ao nível das exportações caiu mais de 20 por cento. O Japão e a Coreia – que dependem muito dos EUA – também sofreram os seus efeitos, como se vê pelo nível de confiança no consumo. A crise não deverá terminar na primeira metade deste ano, a não ser que os americanos lancem um projecto que consiga aumentar a confiança dos consumidores.
- Os analistas dizem que ainda vai durar alguns anos.
H.L. - Na administração de Ronald Reagan, nos EUA, a taxa de desemprego manteve-se, durante dois anos sucessivos, em oito por cento. O Presidente tornou-se famoso pelo seu plano de corte nos impostos para estimular o investimento das empresas e as despesas dos consumidores. Mas, mesmo assim, a taxa de desemprego manteve-se naquele nível alto durante dois anos. Por isso, parece-me que ainda temos de esperar mais de um ano para melhorar esse índice. Em Dezembro, esse valor situava-se nos 7,2 por cento, mas suspeitamos que ainda vai subir – é o que irá suceder se algumas empresas não conseguirem apoio do Governo. Havendo uma taxa de desemprego tão alta, não se espera que os indivíduos gastem muito. Torna-se difícil retomar o nível de consumo do passado. Acredito que seja preciso mais um ou dois anos.
- A quem podemos atribuir a culpa?
H.L. - Aos EUA. Aliás, ao sistema bancário, à alavancagem financeira e investimentos de alto risco, sem qualquer controlo. As empresas de investimento encorajam as pessoas a recorrer ao crédito, para adquirir propriedades e vendê-las posteriormente, acabando por criar uma bolha no mercado imobiliário. Assim surge a oportunidade para que se criem novos instrumentos financeiros derivados, que visam obter mais dinheiro. Dinheiro esse que não é real. Utilizam a alavancagem para tornar os seus relatórios e contas mais apelativos, de forma a obter dividendos. Se não se puder culpabilizar o sistema pelo sucedido, então que se responsabilize os bancos de investimento. Aliás, muitos deles já foram castigados – é o caso do Lehman Brothers.
- Em Macau, apesar de o valor das acções das operadoras de jogo ter diminuído significativamente, ao longo de 2008, as suas receitas registaram um aumento de 31 por cento. São sinais contraditórios?
H. L. - Não há contradição. Há uma crise a atingir severamente os EUA, mas não Macau. Por cá, registamos um número crescente de turistas. No território, dado o apoio do Governo Central, os casinos ainda conseguem obter rendimentos. É verdade que as margens de lucro desceram bastante, devido às restrições impostas pelo Governo Central, mas, mesmo assim, o negócio para os operadores de jogo não está tão mau – ou encontra-se muito melhor do que os casinos norte-americanos. Aliás, ainda conseguem obter rendimentos de forma a cobrir os impostos que têm de pagar ao Executivo. Estamos a falar de um total de sete mil milhões de patacas mensais.
- Os EUA e a RAEM são dois mercados diferentes.
H.L. - No caso dos EUA, sujeito a uma fraca procura dos consumidores e a uma alta taxa de desemprego, não surpreende ver como reage o mercado. Em Macau, é diferente. No ano passado, conseguimos um nível de crescimento económico de dois dígitos. Claro que este ano não estamos tão optimistas mas, seja como for, a China não deverá entrar em recessão. O Governo Central está a tentar recorrer à procura interna para suportar o crescimento económico do país. Concluindo, as concessionárias de jogo de Macau podem não gozar de um crescimento tão rápido como nos anos anteriores, mas devem continuar a usufruir de um desenvolvimento estável.
- Se as condições não são tão negras no território, por que é que alguns casinos suspenderam projectos, reduziram salários e, inclusivamente, despediram trabalhadores?
H. L. - Em Macau, o Venetian é o casino que está a ser mais afectado pela crise. Investiu de mais no território e enfrenta problemas de liquidez. Tem maus negócios nos Estados Unidos, tal como os bancos. Por outro lado, no caso dos vizinhos, a Melco e a City of Dreams, o projecto continua e a grande abertura vai decorrer antes do último trimestre de 2009. Quanto às outras empresas do território, não enfrentam tantos problemas de liquidez como o Venetian. Vão enfrentar alguns desafios, mas os problemas por que tem passado o hotel-casino devem-se ao excesso de expansão. Na realidade, a maioria dos casinos continua a obter lucros. Alguns casinos não estão tão optimistas em relação aos seus negócios no futuro e já reduziram os salários dos trabalhadores. E, se a situação piorar, vai haver mais despedimentos. São medidas naturais, em tempos de crise, tendo em conta que o nível salarial dos funcionários dos casinos tem aumentado muito nos últimos anos.
- O facto de Macau não ter uma bolsa de valores, como dava a entender um deputado à Assembleia Legislativa, numa interpelação escrita ao Governo, pode desviar, de alguma forma, a crise do território?
H. L. - De modo algum. É verdade que a maioria dos residentes de Macau irá continuar a trabalhar normalmente e os seus salários não serão particularmente afectados pela crise financeira – é o caso dos funcionários públicos. Mas, muitas destas pessoas investem na bolsa de valores de Hong Kong, no mercado imobiliário, em fundos de pensões, ou através de empresas financeiras. O montante de riqueza detido por este grupo de investidores deverá ter caído por volta de 40 ou 50 por cento. E, apesar de possuírem um salário constante, podem sentir alguma relutância em gastar tanto como dantes. Em segundo lugar, muitas empresas locais utilizam as suas propriedades, como garantia, para obter financiamento dos bancos. Agora que os preços do mercado imobiliário têm vindo a diminuir, as firmas deverão ter maiores dificuldades no acesso ao crédito.
- Segundo estatísticas oficiais recentemente divulgadas, a taxa de desemprego diminuiu. Os problemas que existem parecem não estar a repercutir-se neste números.
H.L. - Deve levar muito tempo até que estes problemas se reflictam nos números de desemprego. Se observarmos o Índice de Preços no Consumidor, já vemos alguns sinais – no mês passado, desceu para 6,6 por cento, equivalendo a um ritmo de crescimento lento. Significa que há baixos valores no comércio, na procura de produtos. Mais tarde ou mais cedo, algumas empresas vão ter de despedir alguns trabalhadores e parar de crescer. Quando os recém-licenciados abandonarem as universidades poderão ter problemas em conseguir um emprego. Claro que a velocidade é, surpreendentemente, lenta, comparado com Hong Kong e China, devido, provavelmente, aos grandes lucros auferidos pelas empresas nos últimos anos. Têm capital suficiente para aguentar os tempos de crise. Além disso, sendo este ano o décimo aniversário da transferência de administração, muitos esperam que o Governo Central possa desencadear um mecanismo de auxílio à recuperação da economia. As empresas querem ser pacientes – esperam que se removam, por exemplo, parcialmente, as restrições na atribuição de vistos para a China.
- Recentemente, o vice-presidente da China, Xi Jinping, na visita a Macau, afirmou que a região tem de diversificar a economia. Sendo esta uma altura de crise, a dependência no jogo é mais perigosa?
H.L. - É uma lição. Concentrar esforços no sector do jogo não é saudável para o desenvolvimento a longo prazo da economia. Esta é uma boa altura para reconsiderar um rumo de desenvolvimento. Parece-me, porém, que esta diversificação é difícil de implementar, dada a falta de recursos. O Governo Central já nos deu alguns meios para impulsionar esta diversificação. Por exemplo, a imprensa noticiou que o Governo Central decidiu atribuir ao Executivo da RAEM parte da Ilha da Montanha – diz-se, inclusivamente, que a Universidade de Macau vai deslocar-se para lá, tornando-se um pólo de educação e treino. É já um passo rumo à diversificação. Apesar de a crise económica afectar o desempenho dos casinos de Macau, aparentemente, o Executivo local consegue arrecadar sete mil milhões de patacas, através dos impostos sobre o jogo. Um montante que já é suficiente para caminhar rumo à diversificação.
- Alguns analistas afirmam que deve ser criado um mecanismo de cooperação regional entre Hong Kong, Macau e o Continente para derrotar a crise. Concorda?
- Por um lado, sim. Mas admito que não seja muito fácil de implementar, tendo em conta que se tratam de regiões diferentes ao nível jurídico-administrativo. Actualmente, temos coordenação a níveis muito específicos. Pode ir-se mais longe, mas o Governo Central tem de supervisionar e dar o impulso às duas regiões administrativas.

É preciso um “novo equilíbrio” entre controlo e liberdade


- Niall Ferguson, da Universidade de Harvard, inventou a expressão 'Chimerica' para descrever as relações sino-americanas. O académico sustenta que a China exportou uma grande quantidade de produtos ao mesmo tempo em que financiou o défice externo norte-americano, levando a que as taxas de juro dos EUA se mantivessem baixas. No fundo, acusa a 'Chimerica' de ter sido responsável pela crise financeira. É uma tese plausível?
H. L. - Claro que não. Também há quem afirme que a China está a exportar o desemprego para os Estados Unidos ao praticar “dumping” ou que está a manipular a taxa de câmbio para poder vender os seus produtos. Em termos económicos, não faz sentido. Na realidade, está a ajudar os Estados Unidos a baixar a taxa de inflação, ao vender produtos baratos com qualidade aceitável. Pelo contrário, os EUA estão a tirar partido da posição do dólar para pedir empréstimos, de forma a financiar o seu actual défice externo. Claro que a China tem exportado muito para o país da América do Norte mas, em troca, investe muito nos seus títulos de tesouro e nas suas bolsas de valores. Os dois países estão, no fundo, a trocar as suas vantagens comparativas – no caso da China, exporta produtos baratos, enquanto os EUA, por seu turno, estão a exportar serviços financeiros.
- No Fórum de Davos, o primeiro-ministro da República Popular da China, Wen Jiabao, defendeu que não se deve recorrer a medidas proteccionistas. Ao mesmo tempo, culpou o sistema capitalista e liberal dos EUA e dos países europeus pela actual crise. Parece contraditório.
- Em termos económicos, o proteccionismo significa que se está a aproveitar do parceiro comercial. Deixa de se comprar produtos externos e apenas se adquirem produtos fabricados internamente. Pagam-se preços altos e obtém-se pior qualidade, ao mesmo tempo em que se perde o mercado externo. O proteccionismo não é a solução para a crise. Por seu turno, o sistema capitalista devia ser banido porque, por vezes, fica fora de controlo. A liberdade é total. De uma certa maneira, Wen Jiabao está certo. Se é contraditório? Não. Só significa que se tem de encontrar um novo equilíbrio entre o liberalismo e o controlo – um novo tipo de gestão do risco.
- Chegámos ao fim da era capitalista?
H.L. - Não, mas precisamos de um novo equilíbrio. É interessante ver que todos os países capitalistas tentam tirar partido das suas reservas e que o Governo passa a interferir – parece que estamos a regressar a regimes comunistas ou socialistas. Mas não é esse o caso. Daqui a sete anos, se a situação melhorar, devemos ver os Governos a vender as acções que possuem nos bancos e nas companhias de seguro. Precisamos de rever o sistema de gestão do risco. Precisamos de um novo equilíbrio entre o controlo e a liberdade.
- Que tipo de equilíbrio?
H.L. - Do ponto de vista microeconómico, devíamos começar pelos bancos de investimento. Devia existir um conjunto de linhas de orientação para estabelecer os limites. Mesmo que o Governo se recuse a criar um novo conjunto de regras, o mercado deverá ter aprendido com esta lição. Hoje, se alguém diz que existem produtos financeiros, do género dos que oferecia o Lehman Brothers, ninguém estará interessado. Sem mercado, este tipo de produtos desaparece. Todos os pequenos investidores aprenderam uma grande lição. Terão mais cautela na escolha de certos produtos financeiros e não devem optar pelos de alto risco.

L.L.

Advogado falou pela primeira vez à Rádio Macau sobre saída da Venetian

A “ambição desmedida” da Las Vegas Sands segundo Neto Valente

Foi uma entrevista em que se falou de tudo. O ex-administrador delegado da Las Vegas Sands acusou a concessionária do jogo de ambição desmedida e arrogância. À Rádio Macau, Jorge Neto Valente defendeu ainda a dificuldade de haver um forte consenso no seio da comunidade portuguesa nas próximas legislativas e deixou críticas ao curso de Direito em língua chinesa da Universidade de Macau.

Deixou de ser um tema tabu. Jorge Neto Valente falou pela primeira vez este fim-de-semana, numa entrevista à Rádio Macau, sobre a saída da operadora de Sheldon Adelson e o que pensa da concessionária de que foi administrador delegado.
“A ambição era desmedida, politicamente de uma insensibilidade total, não têm noção nenhuma, porque estão convencidos de que Macau tem tudo a aprender - que antes de terem chegado a Macau, Macau não existia. Pensar que a história começa no dia em que põe o pé em Macau e ‘vamos construir um mundo novo’, com a arrogância, com a ignorância da geografia, da história, de tudo que esta mentalidade implica”, disse.
Para Neto Valente, esta postura da Las Vegas Sands – “a ganância desmedida, a falta de interesse pelas coisas locais, o único objectivo é o dinheiro” - tem os seus resultados à vista. “Foi um dos factores decisivos, na minha opinião, para o facto de acções que estiveram a 150 dólares cada uma estarem, hoje, a quatro.”
Questionado sobre o que pensa de Sheldon Adelson, Neto Valente deu uma resposta concisa: “Não quero pensar.”
Na entrevista à estação de rádio, o advogado e ex-deputado à Assembleia Legislativa pronunciou-se ainda sobre a situação política, no que diz respeito à forma de combate da corrupção eleitoral, lamentando que o sistema tenha ficado aquém do que seria desejável.
“Há pessoas responsáveis que não foram sequer incomodadas. Como é que funcionou totalmente? Apanharam-se alguns sujeitos que andavam a comprar votos. Mas andavam a comprar votos para quem? Eles disseram para quem andaram a comprar votos. Não vi o sistema ir até ao fundo”, declarou.
Quanto à possibilidade de haver uma lista de consenso entre a comunidade portuguesa candidata às próximas eleições legislativas, Neto Valente entende que será difícil tal acontecer. E considera também irrealista que a presença portuguesa se traduza em termos legislativos.
“A comunidade portuguesa pode aspirar a ter alguns poucos milhares de votos”, sublinhou. “É muito difícil e pouco realista, a não ser que haja uma grande unidade à volta de uma personalidade - ou de duas, para preencher os dois primeiros lugares -, a não ser que se consiga um grande apoio e uma unidade de apoiantes à volta desse numero, não é possível, não é realista.”
Instado a pronunciar-se sobre a possibilidade de integrar uma lista, o antigo deputado afirmou que é ideia em que não pensou. “Nem me passou isso pela cabeça, até porque sei que não sou o tal candidato consensual que eu achava que devia encabeçar essa lista”, disse.

As responsabilidades do Governo

O estado da Justiça de Macau foi também um tema abordado na entrevista. O presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM), que anunciou a sua recandidatura recentemente, tem vindo a endurecer, nos últimos anos, o seu discurso em torno da forma como funciona o sistema judiciário.
Para Neto Valente, é necessário que o Governo actue e não se escude na independência dos tribunais, porque as matérias de índole meramente administrativa são da sua responsabilidade.
“O Governo, em nome da independência, deixa os tribunais resolverem o assunto. Os tribunais têm todas as condições para não resolverem o assunto, porque isto são decisões administrativas e o Governo, que é quem dá os fundos para sustentar a independência dos tribunais, devia insistir pela resolução dos problemas.”
Recorde-se que, de ano para ano, acumulam-se os processos nos tribunais e há falta de juízes em Macau. Embora sejam várias as vozes que defendem a contratação de magistrados a Portugal, não tem sido essa a opção do Governo, que prefere esperar pela formação dos juízes locais. Mas não é só a morosidade que é objecto de críticas do presidente da AAM - a qualidade de algumas decisões foi também já alvo de reparos.
Um dos principais problemas no sector da advocacia diz respeito à qualidade dos cursos leccionados no território. Neto Valente voltou a explicar o que se passa com os alunos da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (UCTM).
O facto destes licenciados não serem admitidos directamente pela AAM para o exercício da profissão tem sido condenado por alguns sectores, que parecem não olhar ao facto de a UCTM disponibilizar um curso com uma fraca componente de Direito de Macau, visando sobretudo do Direito chinês.
Acontece que, explicou o advogado, os licenciados pela UCTM nem sequer conseguem passar nos cursos feitos a nível nacional na China Continental.
Mas, desta feita, Neto Valente alargou as suas críticas ao curso de Direito leccionado em chinês da Universidade de Macau. “Para se ter profissionais competentes é essencial que o curso seja, se não de excelência, bom. O que se tem verificado é que hoje, em alguns cursos, há pior preparação do que havia anteriormente.”
Para o presidente da AAM, “o curso em língua portuguesa é bastante decente, é um curso aceitável e que prepara para várias actividades jurídicas.” Já o curso em língua chinesa “é, de uma maneira geral, de muito baixo nível.”

Passeio marítimo da zona sul em remodelação

Monumento das "Portas do Entendimento" vai ser recuperado

A orla costeira da zona sul de Macau vai ser alvo de um plano de reordenamento, revelou a Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes. O director destes serviços, Jaime Carion, explicou que, de forma a optimizar a utilização daquela zona, será construído um passeio marginal polivalente, que irá do Templo de A-má, na Barra, à estátua da Deusa Kun Iam, no NAPE.
Para a nova zona pedonal, que passará ainda pela Torre de Macau, o responsável máximo da DSSOPT promete vários motivos de atracão para turistas e cidadãos, como espaços de lazer ou equipamentos desportivos.
Em resposta a uma interpelação da deputada Iong Weng Ian, Jaime Carion referiu que ao mesmo tempo que avança para a remodelação desta zona costeira, a Administração analisa igualmente a situação do monumento das Portas do Entendimento, para o qual já está a ser delineado um projecto de reabilitação. Recentemente, por razões de segurança, relacionadas com o perigo de derrocada, a DSSOPT decidiu interditar o acesso ao monumento, bem como ao seu espaço envolvente.

Habitação em Mong-Há

O responsável máximo da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes aproveitou ainda para anunciar o inicio da primeira fase de construção do futuro complexo de habitação social de Mong Há, que será edificado na zona do antigo quartel militar. Nesta primeira fase, as obras irão incidir sobre um terreno situado entre a Rua Padre Eugénio Taverna e a Avenida de Venceslau de Morais, onde serão realojadas as pessoas que residem actualmente no Bairro Social de Mong Há.
Recorde-se que em Novembro, apesar da contestação de algumas associações que apelavam à manutenção de um edifício de valor histórico para Macau, a Administração decidiu avançar com a demolição o antigo quartel militar. Na altura, o Executivo justificou a opção com o estado de avançada degradação do quartel, bem como o interesse para a sociedade na implementação do Plano de Arrendamento de Habitação para as Famílias de Recém-casados, e "a falta de processos ou informações que comprovassem o singular valor histórico da construção".

Editorial

Responsabilidades

Na entrevista do presidente da Associação dos Advogados à Rádio Macau não ficam margem para dúvidas, quanto à avaliação que é feita do curso de Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia - uma, de entre muitas questões abordadas, especialmente na área da Justiça.
Dir-se-ia que estamos perante uma espécie de milagre: o tal curso, que era suposto ensinar o Direito vigente em Macau, não tendo materiais nem professores capazes de ministrar essas matérias, produz licenciados em Direito que querem ter acesso à advocacia, aqui no território, mas que nem sequer conseguem colocação em profissões jurídicas na China.
Recordando afirmações recentes de um responsável daquela universidade, que salientava o sucesso que os seus licenciados têm e a qualidade dos referidos professores, pessoas de prestígio e conhecedoras do Direito na China, é caso para perguntar se o Governo de Macau estava distraído, quando encomendou àquela Faculdade de Direito um estudo relacionado com a revisão do Código Penal de Macau.
Depois das afirmações de Jorge Neto Valente, espera-se que não haja apenas um pesado silêncio como resposta, por parte do Executivo. Se isso acontecesse, significaria uma opção clara em rejeitar a existência dos problemas que o presidente da Associação dos Advogados aponta, com todo o detalhe e de forma que pode ser classificada, no mínimo, como acutilante.
Fingir que os problemas não existem sempre foi a receita mais fácil de os encarar, com a desvantagem de ter um resultado que é antecipadamente conhecido. Em vez de desaparecerem, esses problemas crescem e acabam por não ter remédio. O que talvez acabe por ser uma solução.

Paulo Reis

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