1.26.2009

Nº 1694 - Sexta-Feira 2 de Janeiro de 2009

Comunidade portuguesa "adaptada" à nova realidade

Sampaio comenta sucesso de Macau

Nove anos após Macau ter passado para administração chinesa, Jorge Sampaio diz notar “mudanças flagrantes” na relação do território com a China e desta com o resto do mundo, em entrevista ao programa "Três Dimensões", da Rádio Renascença.
O antigo Presidente da República explicou que, nos últimos anos, Macau especializou-se numa indústria – a do jogo. Sampaio diz que há outras indústrias em que o território aposta, mas nenhuma cresceu tão rapidamente como o número de casinos no território.
Este tipo de entretenimento tem criado um “tráfego permanente” de pessoas a entrar e sair de Macau, não só vindas da China mas também “magnatas de todo o Mundo”. “Pode-se dizer, portanto, que o lema 'Um País, Dois Sistemas' funciona”, concluiu o ex-governante.
O antigo Presidente da República esteve recentemente em Macau, onde teve oportunidade para falar com vários elementos da comunidade portuguesa.
“Parecem-me perfeitamente adaptados à nova realidade”, referiu, acrescentando que a presença portuguesa, apesar de nunca ter sido uma marca muito presente no território, deixou lá “um sistema jurídico, e as leis básicas fundamentais, que continuam a funcionar, mas com dificuldades”.

Mais interesse pelo Português

De acordo com Jorge Sampaio, existe, hoje em dia, “um interesse pela aprendizagem do português mais até do que haveria no tempo da administração portuguesa”.
Jorge Sampaio acredita que o lema 'Um País, Dois Sistemas' está a funcionar em Macau e que o território pode ser usado pela China como um exemplo. “É uma demonstração para o Mundo, uma justificação ou uma forma de perspectivar uma solução possível para Taiwan”, explicou.
Mas estas mudanças podem não aparecer apenas em relação a Taiwan. Na sua opinião, a comunidade internacional deve olhar com olhos diferentes para Pequim, esperando um “papel diferente do que tem tido até agora no Darfur, no que respeita à dificuldade extrema que é a relação entre o Paquistão e a Índia”, por exemplo.
“Tudo isto são zonas onde uma China moderna e interessada pode jogar um papel de grande importância”, considera.
O facto de o país estar a crescer não leva obrigatoriamente a uma diminuição das desigualdades no país nem à democracia, sublinhou Jorge Sampaio.
A fechar, o antigo Presidente lembrou que a comunidade internacional também tem alguma responsabilidade no crescimento chinês porque “muitos europeus e americanos têm lá instaladas as suas multinacionais”.

Edmundo Ho optimista quanto ao impacto da crise

Ano de 2009 será "crucial" para Macau


O ano de 2009 será “crucial” em termos políticos e sócio-económicos para Macau, afirmou o chefe do Executivo ao salientar os dois actos eleitorais do próximo ano e o impacto da crise financeira na Região, na sua habitual mensagem de Ano Novo.
2009 “vai ser muito importante” devido às eleições do terceiro Chefe do Executivo e da quarta Assembleia Legislativa e Edmund Ho defende que a “participação activa da população nestes acontecimentos irá promover o prosseguimento com maior êxito dos princípios 'um País, dois sistemas' e 'Macau governado pelas suas gentes' com alto grau de autonomia”.
Já no campo sócio-económico, o líder do Governo recordou que a crise financeira mundial “tem vindo a trazer impactos negativos cada vez mais relevantes ao processo de desenvolvimento de Macau”, pelo que Governo e população “devem manter um elevado sentido de alerta em relação aos riscos que advirão desta crise para Macau e estar mais bem preparados para os desafios do presente ano”.
No entanto, disse Edmund Ho, o Executivo acredita que o trabalho desenvolvido nos últimos anos tem vindo a consolidar as bases da economia “reforçando assim a capacidade dos cidadãos para vencer as dificuldades” e, apesar dos tempos difíceis em todo o mundo, o Governo Central chinês já anunciou várias medidas de apoio ao território que considera “eficazes para ajudar Macau a ultrapassar” a crise.
Na sua última mensagem de Ano Novo à cidade, Edmund Ho, que abandona as funções de líder do Governo em Dezembro de 2009 depois de dois mandatos, recordou a maior participação popular nas decisões do Governo e apelou também ao reforço da confiança no futuro “mantendo o espírito pragmático, optimista, de entreajuda e coragem para vencer as dificuldades”.
“Devemos cumprir, activamente, a nossa missão para não decepcionar o Governo Central e a população da nossa Pátria e perante as dificuldades que se perspectivam, poderemos passar por provações difíceis, mas devemos aproveitar esta situação para elevar a qualidade e o nível de desenvolvimento de Macau”, concluiu.

Macau entra em 2009 com cenário político indefinido

O ano do novo Chefe e de uma Assembleia (talvez) diferente

São factos incontornáveis. Quando se pensa no ano que ainda agora começou, imagina-se um ano de mudança. É em 2009 que vai acontecer a primeira transferência de poderes no âmbito da RAEM. E é também durante este ano que se vai colocar à prova o amadurecimento político da população, na escolha dos seus deputados. Para o politólogo Eric Sautede, tudo indica que Chui Sai On vai suceder a Edmund Ho. Na Assembleia deverão entrar novos rostos.

Isabel Castro

É o ano de todas as mudanças mas, em simultâneo e também um pouco paradoxalmente, serão quase doze meses de mera gestão política. 2009 representa alterações profundas ao nível dos poderes executivo e legislativo, mas estas só entrarão efectivamente em vigor quando se estiver já em contagem decrescente para 2010. Até lá, serão muitas as jogadas no xadrez político: umas mais visíveis, outras nem por isso, e daí talvez surpreendentes.
“As mudanças mais importantes não vão acontecer em 2009, mas sim em 2010”, começa por dizer o politólogo Éric Sautede, professor do Instituto Inter-Universitário de Macau (IIUM), desafiado pelo PONTO FINAL para um exercício de perspectiva do que será 2009.
Antes de se discutirem possibilidades, convém olhar para o que já existe. Para o docente de Estudos Governamentais, há uma grande ausência de debate. Existe uma explicação para a situação que, ainda assim, não deixa de ser “estranha”: a ausência de envolvimento da população na escolha do principal responsável político da RAEM. “O Chefe do Executivo reunirá grande parte do poder, incluindo poderes legislativos. Este homem é seleccionado por 300 pessoas e por Pequim. Talvez as autoridades já saibam, talvez não.” A grande maioria dos residentes tem a condição de mero espectador.
Acabámos de entrar num ano de “grandes incertezas”, mas Eric Sautede não acredita em “surpresas de maior”. Pequim não irá, por certo, apresentar um nome que esteja fora da lista dos eventuais candidatos. Entre estes, acredita o politólogo, Chui Sai On é aquele que está mais bem posicionado.
O actual secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, com formação académica na área da Saúde e oriundo de uma das mais influentes famílias de Macau, parece ser também o nome mais consensual, aponta Sautede. No contacto com os seus alunos, é isso que sente: quando lhes pergunta qual o palpite que têm em relação ao futuro líder político da RAEM, é raro aquele que surge com um nome alternativo.
O próprio enfoque que a imprensa em língua chinesa tem feito às actividades protagonizadas por Chui revela que, além de ser o candidato de eleição de algumas forças sociais e políticas do território, existe uma convicção generalizada de que, depois de dez anos de governação de Ho, será ele o escolhido de Pequim. “A atenção que lhe dão é muito maior do que em relação a outros secretários do Governo”, aponta o professor. Porém, tal não quer dizer que não haja outras possibilidades. Até mesmo dentro da equipa de Edmund Ho.

Chan de fora, Tam talvez

Em 1999 – esse sim, o ano de todas as mudanças – a escolha de Edmund Ho não surpreendeu ninguém. Era o candidato natural, responsável por uma herança de entendimento entre comunidades chinesa e portuguesa. Deputado e vice-presidente da Assembleia Legislativa, reunia os atributos para ser o primeiro Chefe do Executivo da Macau entregue às suas gentes. E assim foi.
Dez anos volvidos desta escolha natural, não há um sucessor lógico. “Estamos a apenas uns meses e não sabemos quem vai ser. Até mesmo em Hong Kong, quando Tung Chee-wa foi substituído, em 2005, sabíamos que ia ser Donald Tsang”, recorda Eric Sautede.
Para o politólogo, a inexistência de um sucessor natural deve-se ao facto de ninguém ter sido preparado, pelo menos em termos públicos, para o cargo. A opção mais lógica seria a subida do número dois do Governo ao lugar cimeiro. Ou seja, Florinda Chan. Mas não só não é visível qualquer posicionamento da secretária para a Administração e Justiça nesse sentido, como não reunirá os atributos exigidos pelas autoridades chinesas.
“Se tivesse feito um bom trabalho, porque não? Mas a verdade é que é muito criticada, não criou unidade dentro da Administração”, analisa Sautede. E há mais: “Está muito na sombra de Edmund Ho e terá outras desvantagens aos olhos de Pequim. É preciso que seja alguém um pouco distinto de Edmund Ho.”
Seguindo esta lógica de diferença em relação ao actual Chefe do Executivo, mas com a continuidade em mente, o professor do IIUM aponta Francis Tam como aquele que deveria ser o sucessor natural, dentro das condições algo peculiares em que Macau se encontra. “Não é dos mais próximos da esfera de Edmund Ho, seria uma mudança na continuidade”, afirma. “Talvez haja uma surpresa, mas não existe qualquer pista que aponte para ele.”
Eric Sautede entende que, não existindo uma linha de sucessão definida, o “herdeiro” de Ho deveria ser o membro do Governo que mais trabalho mostrou durante estes últimos dez anos. “O melhor candidato seria Francis Tam, que foi quem teve que lidar com a liberalização do jogo que deu origem a este grande desenvolvimento e ao orgulho que as pessoas de Macau agora têm em relação à sua terra.” Mas o politólogo não acredita que esta opção se concretize, embora, claro está, no xadrez político haja sempre margem de manobra para jogadas inesperadas.

Ho parecido a Ho

Quando se começou a falar da questão da sucessão, foram colocados dois nomes em cima da mesa que parecem ter perdido terreno nos últimos meses. Ho Chio Meng e Ho Iat Seng integraram a lista das possibilidades de quem achou que, após o escândalo Ao Man Long, Pequim tentaria constituir um governo totalmente de raiz. Poderá não ser esse o caso.
As alternativas aos dois membros do Executivo que, neste momento, terão mais possibilidades (com Chui bastante mais perto do xeque-mate do que Tam) não reunirão as características necessárias para o exercício do cargo.
Ho Iat Seng é um nome de que já se fala há algum tempo. Muito próximo de Pequim, o desempenho político do empresário tem vindo a evoluir bastante – isto tanto quanto se sabe, porque fá-lo a muitos quilómetros de Macau. O irmão da deputada Tina Ho é bastante mais popular junto das autoridades centrais do que da população de Macau.
Em Janeiro passado, Ho Iat Seng perdeu ainda terreno nas eleições para os delegados de Macau à Assembleia Popular Nacional (APN), tendo sido ultrapassado por um “novato” na matéria, o empresário Lionel Leong Vai Tac. Para alguns, o facto de a elite política de Macau, responsável pela escolha dos representantes do território no grande órgão consultivo chinês, o ter deixado em quinto lugar na classificação geral significou que a sua posição na RAEM não está suficientemente consolidada para ocupar o lugar do Chefe.
Eric Sautede opta por outra análise. Embora constate que o empresário é aquele que mais se parece a Edmund Ho nalguns aspectos – ambos com posições de força na Associação Comercial e na Associação Industrial, ambos empresários – há diferenças substanciais que deverão afastar (se é que não o fizeram já) Ho Iat Seng da corrida. “O facto de não ter qualquer experiência na Administração é um problema. É membro do Conselho Executivo e conhecedor das decisões políticas que são tomadas, mas não tem experiência ao nível da Administração.” Edmund Ho também não tinha – mas era muito mais visível na sua actividade política.

Procurador pouco popular

Ho Chio Meng foi o outro nome que surgiu como forte candidato a candidato. “Reúne vários prós e contras. Há quem diga que é mais útil no seu cargo actual, enquanto Procurador da RAEM”, observa o politólogo. “A ideia foi alimentada também por José Pereira Coutinho, ao falar de alguém com formação jurídica, que desse a sensação de estar acima de todos os outros e que fosse capaz de lidar com a confusão gerada pelo escândalo de corrupção de Ao Man Long.”
Os créditos ganhos por Ho Chio Meng com o processo Ao não terão bastado para que possa desempenhar um cargo político de relevo como é o de Chefe do Executivo. Não é uma figura muito consensual, diz ainda Sautede. “Não sei porquê, mas não vejo isso a acontecer.” O jogo deverá ser entre os cinco secretários, que na realidade são quatro (Lao Si Io não tem impressionado do ponto de vista da postura política), e que “acabam por ser apenas dois”. Chui ou Tam.

Alves depois de Chou

A discussão em torno de quem será o próximo Chefe do Executivo não conta com muitos interessados, sente o docente do Inter-Universitário. Isto deve-se ao facto de serem muito poucos aqueles que têm uma palavra a dizer sobre a matéria. Já no caso da Assembleia Legislativa (AL), a história é outra: há doze lugares para ocupar que resultam das escolhas de toda a população residente permanente.
Eric Sautede acredita que das eleições legislativas de 2009 sairá uma Assembleia ligeiramente renovada, com novos rostos, representantes de dinâmicas diferentes. É ainda bem provável que a Associação Novo Macau Democrático consiga eleger mais do que os seus dois habituais deputados, Au Kam San e Ng Kuok Cheong.
Embora, na maioria dos casos, as estratégias e intenções dos actuais deputados continuem no segredo dos deuses, sabe-se já que algumas figuras bem conhecidas da AL vão sair. Logo a começar, a própria presidente. Susana Chou vai deixar o cargo e tudo aponta para que seja Leonel Alves o seu sucessor.
O também membro do Conselho Executivo e advogado é a única figura do cenário político de que se fala para o cargo e Sautede entende que “parece estar a posicionar-se para que tal se verifique”. Seria uma escolha, aí sim, bastante natural. O docente considera que o grau de criticismo demonstrado, há um par de anos, em relação às questões sociais, faria de Alves um bom sucessor de Chou. “Na realidade, terá ainda mais qualificações do que a própria Susana Chou, dada a sua formação em Direito.” Não que “seja imprescindível a formação jurídica que, aliás, a actual presidente não tem”. No entanto, é um aspecto que tem a sua importância.
O docente realça o facto de “Susana Chou ser forte nos princípios” como uma característica importante na gestão da Assembleia. E exemplifica: “Mostrou essa força recentemente quando na Assembleia se ouviram comentários ridículos sobre as pessoas que vêm de fora. Chou insistiu que não há diferenças entre os cidadãos de Macau.” Alves teve um discurso semelhante em termos de conteúdo político quando, também há cerca de um mês, apelou ao fim de certos patriotismos desmesurados.
Ainda sobre a hipótese Alves, pesa a seu favor a experiência legislativa. O advogado de 52 anos é deputado há 25. Eleito inicialmente por sufrágio directo, nas últimas legislaturas concorreu pela via indirecta, em representação dos interesses profissionais. Ocupa actualmente o cargo de 1º secretário da Assembleia.

Kaifong tremidos

À semelhança da presidente, também o vice-presidente, Lau Cheok Va, deverá deixar este ano a Assembleia Legislativa. Eleito por sufrágio indirecto, o deputado, vice-presidente da Associação Geral dos Operários, deixará um lugar vazio na equipa que faz com Lee Chong Cheng, um dos novos deputados das eleições de 2005.
A estratégia dos Operários ainda não é conhecida, bem como a dos Kaifong. Certo é que carecem ambos de novos rostos em termos de tecido associativo político. Os Kaifong estão em piores circunstâncias: nas últimas eleições, a lista pela qual concorre a União Geral das Associações de Moradores de Macau teve grandes dificuldades em eleger dois deputados. Iong Weng Ian, da Associação das Mulheres de Macau, foi a última deputada a ser eleita entre os doze escolhidos por sufrágio directo e universal.
“Os Kaifong têm a sua importância, embora tenham uma forma bastante tradicional de gerir determinados aspectos. Se forem capazes de evoluir, isso poderá ser bom, porque há alturas – e pode-se ver isso na Assembleia Legislativa – que estão ao lado de quem mais precisa. Têm uma função social importante”, pensa Eric Sautede. Resta agora saber até que ponto vai funcionar o trabalho de renovação que estão a fazer e como se vai traduzir em termos políticos. Leong Heng Teng ainda não confirmou sequer se avança como candidato às legislativas.

Democratas em duas frentes

Já o caso da Associação Novo Macau Democrático é bem diferente. Os grandes vencedores das eleições de 2005 não só não deverão ter dificuldades em reeleger os actuais dois deputados, como é bem provável que consigam ocupar mais assentos. Ng Kuok Cheong e Au Kam San deverão concorrer em listas separadas, fazendo assim uma melhor gestão dos votos “desperdiçados”.
A RAEM utiliza um método bastante peculiar de conversão de votos em mandatos. Não emprega o tradicional método de Hont, mas sim um sistema que cria um grande desafio a qualquer lista que ambicione a eleição de mais do que dois deputados. É quem em vez de se dividirem os votos por um, dois, três, quatro e os restantes múltiplos de um, utilizam-se os divisores um e dois, tal como no método de Hont, mas depois emprega-se o divisor quatro, seguindo-se o oito e demais potências de dois.
Assim sendo, se Au e Ng encabeçarem duas listas diferentes, poderão duplicar o número de presenças ou, pelo menos, conquistarem mais um lugar. Esta estratégia funcionou, por exemplo, em Taiwan, que tem um sistema eleitoral com algumas semelhanças ao de Macau no que toca à contagem de votos.

Agnes Lam talvez deputada

Eric Sautede acredita que, este ano, haverá espaço para novos movimentos políticos e rostos diferentes. Recordando o estabelecimento da Associação de Energia Cívica de Macau (AECM) e o trabalho público que tem vindo a fazer desde Setembro último, o professor entende que Agnes Lam é uma séria candidata a deputada. “A AECM tem encontros regulares, tem-se pronunciado. É óbvio que se está a posicionar para as eleições”, afirma, embora tenha ficado surpreendido por não ver ninguém da associação de Lam na manifestação do passado dia 20 de Dezembro.
“São pessoas que querem que a população esteja mais envolvida, debata mais. Não obstante Agnes Lam ser muito patriótica e ter muito respeito pelas autoridades, tenta demonstrar que há problemas e que é importante que as pessoas se expressem acerca deles.”
O politólogo acha que faz falta gente nova na Assembleia e com capacidade de debate. Para Sautede, o mais importante é que haja “deputados que possam mesmo representar a população”. Considera que “o facto de haver cinco deputados em apenas 29 a representar casinos é muito”. Assim como demonstra preocupação com os números obtidos pelos deputados de Fujien nas últimas eleições.
Chan Meng Kam e Ung Choi Kun ficaram logo atrás de Ng e Au. “Conseguirem quase tantos votos como a lista dos democratas é um problema. Presumo que tudo isto tem a ver com a maturidade do eleitorado.”
A maturidade dos eleitores vai ser posta à prova mas vai-se ver também se Macau foi capaz, em dez anos de governação, de criar políticos entre a sua gente. É importante que este ano termine com “deputados que tenham princípios fortes, defendam os direitos fundamentais das pessoas e corporizem a elevada autonomia da RAEM, porque estes 12 são os únicos eleitos pela população.” Ou seja, acrescenta o politólogo, “que não sejam pessoas que estão ali só para escreverem o cargo nos seus cartões de visita e estarem ausentes durante grande parte dos debates”. Há então que esperar para ver se, no balanço de 2009, os novos nomes e factos da política da Macau são efectivamente sinónimo da mudança.

Hanói, a cidade em torno do rio

Os contrastes de uma cidade asiática

Um misto de Ásia com Europa. É talvez a melhor definição para Hanói, a capital do Vietname. Cidade pujante, caótica e turística, conta, ao mesmo tempo, com alguns aromas franceses e com a calma parisiense.

Luciana Leitão

Confusão. Caos. Motociclos que invadem a estrada – e os passeios -, quase não deixando espaço para o peão. Cheiros de comida. Diferentes. Intensos. Pessoas sentadas na rua, em bancos rasteiros, em volta de uma mesa. Dezenas de comerciantes ansiosos por vender o seu produto ao turista que por ali passa. Centenas de taxistas, motociclistas ou condutores de bicicleta, ansiosos por usufruir dos dólares norte-americanos, em troca de uma corrida até aos pontos mais emblemáticos da cidade. É este o cenário que se vislumbra, assim que se chega a Hanói, capital do Vietname. Ao mesmo tempo, o cheiro da baguette francesa, o pão fresquinho, dezenas de cafés, casas tipicamente coloniais, acabam por confundir o turista, que não se consegue bem posicionar no mapa mundi. Será Ásia ou Europa?
Hanói conta com mais de dois milhões de habitantes e situa-se no centro da planície do Delta do Rio Vermelho, a 88 quilómetros do golfo de Tonquim. Remontando as suas origens ao século V, foi a capital do Império Vietnamita até 1802, altura em que foi substituída por Hué. Hoje em dia, continua a ser a capital do Vietname, o local onde se situam todos os edifícios oficiais, administrativos, militares e do Partido Comunista.
Uma visita por Hanói tem de começar pelo Bairro Antigo, repleto de prédios estreitos de dois ou três andares. Onde o caos de Hanói se sente com mais intensidade, onde as motas invadem os passeios, deixando os transeuntes sem saber por onde se deslocar, onde existem turistas em cada dez metros, pensões, tascas, lojas que vendem recordações, galerias, sapatos. E é fácil orientar-se no Bairro Antigo, já que todas as ruas têm no seu nome o produto que é mais vendido, encontrando-se uma rua do peixe, das escovas, das sandálias, ou mesmo, da galinha.
Circulando pelas tascas de cerveja e lojas, e ignorando os inúmeros apelos – por vezes, algo intrusivos – dos comerciantes, vale a pena continuar a caminhar rumo ao lago Hoan Kiem. Reza a lenda que, em pleno século XV, foi enviada uma espada mágica dos céus para o imperador Ly Thai To, que viria a ser utilizada para expulsar os chineses do Vietname. Terminada a guerra, enquanto passeava perto do lago, o imperador avistou uma tartaruga gigante, que lhe roubou a espada e desapareceu nas profundezas do lago. Desde então, o lago é conhecido por Hoan Kiem – que, em Vietnamita, significa o Lago da Espada Devolvida. Aliás, a lenda vai ainda mais longe, sendo que ainda se encontram muitas pessoas que garantem que moram no fundo do lago algumas tartarugas gigantes que, raras vezes, vêm à tona. Aliás, aquele que conseguir avistar um destes animais terá sorte para o resto da vida.
Para quem anda pelas redondezas do lago, vale a pena atravessar a pequena ponte rumo ao Templo Ngoc Son. Um pequeno pagode, com vista para Thap Rua – ou Torre da Tartaruga –, que conta ainda com um exemplar de uma tartaruga gigante avistada em 1968.
Saindo da ponte, não se fica indiferente à estátua que se encontra em plena praça junto ao lago, que constitui o Monumento aos Mártires da luta pela independência. No fundo, o que se observa é o símbolo do trabalho e da guerra. Símbolos de um país governado pelo Partido Comunista, cujo herói nacional é Ho Chi Minh, sendo frequente vislumbrar dentro de casas particulares imagens daquele a quem chamam de o “Tio Ho”, ou mesmo de Marx. Aliás, sinal da presença comunista em Hanói, são os cartazes com slogans e símbolos proletários que se encontram espalhados por toda a cidade.

O centro de Hanói

A ocidente do Bairro Antigo, situa-se o Mausoléu de Ho Chi Minh, protegido por guardas. Seguindo a tradição de Lenine e Estaline, este é o local onde o ex-líder comunista está enterrado, estando aberto ao público poucas vezes por semana. Ali perto, encontra-se o Museu de Ho Chi Minh, um espaço concebido, um pouco ao estilo futurista, onde histórias, objectos, ideias, cartas e discursos do antigo líder estão expostos para que o visitante possa ter uma ideia bastante clara da vida do ex-dirigente.
Ao lado do Museu, encontra-se o Pagode de Um Pilar, cujas origens remontam ao longínquo ano de 1049. Construído em madeira, assente num pilar de pedra, foi concebido para ser semelhante a uma flor de lótus. A escassos metros das escadas do Pagode de Um Pilar, situa-se o Pagode Dien Huu, rodeado por um jardim, onde, por vezes, se pode encontrar um monge a praticar acupunctura.
Na zona que rodeia o Mausoléu, destaque ainda para o Palácio Presidencial, um edifício colonial restaurado que, em 1906, era o Palácio do Governador-Geral da Indochina.
A dois quilómetros do Lago Hoan Kiem, para relaxar e fugir ao caos de Hanói, vale a pena visitar o Templo da Literatura, cujas origens remontam a 1070. Foi então construído para homenagear Confúcio e outros académicos pelos feitos literários. Seis anos depois, foi aqui estabelecida a primeira Universidade do Vietname, frequentada pelos filhos dos mandarins. Hoje em dia, quem por lá passa arrisca-se a encontrar estudantes de arquitectura, que rabiscam numa folha de papel, servindo-se do templo para ganhar a sua inspiração, sendo também espaço para a realização de casamentos vietnamitas.
Entre os vários museus que povoam a cidade, apesar da sua distância do centro da cidade, é de destacar o Museu Etnográfico, onde se pode encontrar vários objectos e casas pertencentes ao Vietname em toda a sua diversidade étnica.
Por outro lado, vale a pena uma visita ao Museu das Belas Artes, onde se encontram inúmeros trabalhos de lacre, pinturas em seda ou em óleo, da autoria de artistas locais. Obras que, na sua maioria, abordam temas como a guerra contra os americanos ou contra os franceses, ou mesmo o trabalho no campo.

A comida e descontracção

Em Hanói, são inúmeras as ofertas gastronómicas, e a comida vietnamita acaba por fugir ao padrão tipicamente asiático, sendo bem mais simples e menos condimentada.
É frequente também encontrar senhoras que circulam a pé pela cidade, vendendo frutas, que podem estar cobertas de leite condensado ou de iogurte, além de diferentes doces que permitem fazer uma pausa durante o dia.
Em cada cinco metros, encontra-se um café para tomar um expresso ou cappuccino, recuperar energias e desfrutar a cidade. E fugir ao caos, encontrando-se, junto à confusão, a harmonia. Contrastes que caracterizam a capital de um dos países mais emblemáticos do Sudeste Asiático.

A força do regime

Sentado num café a registar algumas notas estava um investigador, natural de Hanói, que já contava com mais de 60 anos. “O Vietname não está bom agora”, dizia ele, atribuindo a culpa ao regime comunista, explicando que “actualmente, o povo não tem liberdade”. Olhando para as fotografias da cidade, ia dizendo: “Isto já não é Hanói”, tendo sido raras as ocasiões em que afirmou, com assertividade, que se tratava de um momento ou cena característicos da cidade onde nasceu. Revolucionário de gema, foi elogiando Ho Chi Minh, ao mesmo tempo em que afirmava que o actual regime não corresponde aos ideais preconizados pelo ex-líder. E, até, deixou fugir que quase preferia os tempos em que o Vietname era colónia da França aos que se vivem hoje em dia.
Hoje em dia, a presença do Partido Comunista é bastante perceptível para quem passeia pela cidade. Encontram-se inúmeras bandeiras nacionais, cartazes com propaganda, e o vemelho parece ser a cor que impera naquela região.
Uma das medidas impostas pelo Governo – e que tem sofrido alguma tímida contestação -, passa por, às 00h00, todos os estabelecimentos terem de estar encerrados, sendo assombroso o contraste entre o dia e noite. Os resquícios de vida, esses, durante a noite, encontram-se, principalmente, junto ao lago, com alguns corajosos a manterem-se à conversa até horas mais tardias.
Circulando pelas ruas da capital, ainda se encontra, contudo, alguma vida nocturna. “Ainda há um bar aberto”, diziam alguns taxistas. “Está aberto a noite toda”, replicava o dono de um destes estabelecimentos. São bares que fogem às regras do encerramento obrigatório e que se mantêm abertos, fechando, apenas, as portas, e diminuindo o barulho, garantindo, assim, uma boa relação com os agentes da autoridade.
Seja como for, até às 00h00, a noite é bastante agitada, havendo restaurantes e cafés para todos os gostos, bares de jazz, grunge, rock, reggae. E as lojas, tascas, mercearias, mercados nocturnos mantêm-se abertos tão tarde quanto possível. A não perder também, o espectáculo de marionetas da água, em que, aliadas a uma música tradicional e vozes potentes, se passa um belo serão.

L.L.

Nos arredores da capital

As misteriosas grutas

São milhares de ilhas que se vislumbram no Golfo de Tonquim, que garantem ao visitante uma sensação de imponência e magnificência. Pequenos ilhéus dotados de praias ou de grutas criadas pela erosão do vento e das ondas e que garantiram, em 1994, o título de Património Mundial da UNESCO. A Baía de Halong é um destino obrigatório para quem passa por Hanói.
Além da paisagem natural, os visitantes podem passear pelas grutas e vislumbrar as formações de calcário e a iluminação – nalgumas mais natural do que noutras. Reza a lenda que as ilhas foram criadas por um grande dragão que vivia nas montanhas e que, enquanto corria para a costa, a sua cauda ia varrendo e definindo novos contornos na paisagem.
A Baía de Halong é dotada de várias grutas, de diferentes feitios e tamanhos, algumas das quais só são acessíveis por barco. Aliás, uma das suas maiores atracções é a possibilidade de, através do caiaque, circular pela baía.

O Pagode do Perfume

Situado a 60 quilómetros de Hanói, o Pagode do Perfume é um complexo de pagodes e templos budistas nos rochedos da montanha Huong Tich, acessível apenas depois de uma viagem de piroga de uma hora. O cenário compensa, mas é melhor confirmar se o clima é favorável. Caso contrário, corre o risco de ter de fazer a viagem com um impermeável. Seja como for, a paisagem merece. São 60 minutos a avistar montanhas, plantas e diferentes espécies de pássaros, sentindo uma aragem suave na cara.
Escondidos em grutas, são pagodes repletos de imagens budistas para onde se deslocam, todos os anos, milhares de peregrinos. Locais que, para os não crentes, acabam por proporcionar uma sensação de relaxamento, tal é a doçura dos cânticos entoados. Quase como se fosse um refúgio.
L.L.

Editorial

Acordo

Desde ontem, 1 de Janeiro de 2009, que tenho algumas dúvidas acerca do ótimo e não sei de o dia, amanhã, estará húmido ou úmido. Pelo que leio na Net, os brasileiros lamentam a perda do trema, aqueles dois pontinhos que se colocavam por cima da letra "u", mas aceitam como prático o facto de deixarem de acentuar tudo o que era "assembléia".
Não sei se os angolanos vão riscar do seu vocabulário o célebre "desconsegui" e presumo que o Mia Couto continuará a abrir novos caminhos para a língua portuguesa, na senda do que Luandino Vieira já tinha feito, uma décadas antes.
Entre o que aprendi, na escola primária e a ortografia que agora passa a ser norma, através da entrada em vigo do Acordo Ortográfico, vai uma distância substancial. Pior, só mesmo aquela gatafunhada ininteligível que os mais novos usam, nos telemóveis, mistura de abreviações e sinais esquisitos a requerer tradução especializada.
Mas de nada valem as lamentações. Os tempos mudam e com eles mudam as coisas a que estávamos habituados (e aqui acho que se mantém o "h"...) A minha geração já cresceu com as farmácias a serem escritas sem "ph", coisa que, nos tempos dos meus pais, ainda se via com frequência.
Nada mais nos resta que a simples resignação, perante a vivacidade da língua e a sua capacidade para evoluir e adquirir novas tonalidades, pela voz de outros povos e outras culturas. O número, nestas coisas da língua, também conta.
E não vale a pena trepar pelas paredes, como aconteceu a alguns ilustres académicos portugueses, irritados com a influência brasileira num quintal que julgavam exclusivamente seu. Até porque esse trepar podia resultar nalgum malentendido (o hífen aqui não se usa, certo?) do outro lado do Atlântico.

Paulo Reis

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