1.27.2009

Nº 1707 - Quarta-Feira 21 de Janeiro de 2009

Exposição de fotografias inaugurada ontem

Instantâneos (também) lusófonos

O Carmo recebe, desde ontem, uma exposição de fotografias alusivas ao último Festival da Lusofonia. Uma oportunidade para rever alguns dos melhores momentos do verdadeiro encontro de culturas que ocorreu junto às Casa-Museu da Taipa.

Rui Cid

Mais do fazer uma retrospectiva da festa lusófona de Novembro, através de instantâneos de alguns dos melhores momentos vividos no Carmo ao longo de uma semana, a exposição de fotografias alusivas ao Festival da Lusofonia, ontem inaugurada, é, nas palavras de Rita Santos, uma forma de "transmitir a mistura de culturas que existe em Macau".
Discursando perante uma mais de vintena de convidados, nas instalações da Casa Museu, no Carmo, a coordenadora do Gabinete de Apoio ao Secretariado Permanente do Fórum de Macau enalteceu o trabalho dos fotógrafos que "souberam expressar a alegria, amizade e união entre as comunidades participantes no Festival, incluindo a chinesa, que espelham Macau como plataforma das relações culturais entre a China e os Países de Língua Portuguesa".
Na origem da exposição esteve um desafio, em forma de concurso, lançado em conjunto pelo Secretariado Permanente do Fórum de Macau, IACM e Associação de Fotografia Digital, com o objectivo de envolver a população do território no Festival da Lusofonia.
Na mostra estão patentes 43 fotografias, seleccionadas entre as mais de 250 que chegaram às mão do júri. Destas, 14 obras mereceram destaque, tendo o júri atribuído, além dos prémios para os três melhores trabalhos, 10 menções honrosas. Paralelamente, a Associação de Fotografia Digital distinguiu a melhor obra entre todas as que foram apresentadas pelos seus associados.
A grande maioria dos fotógrafos optou por captar instantâneos dos diversos concertos realizados entre 3 e 9 de Novembro no Carmo, mas os momentos de convívio entre as diferentes comunidades, lusófonas e chinesa, proporcionaram igualmente fotografias de belo efeito. O grande vencedor acabou por ser Kong Chan Vai, com uma fotografia da actuação do grupo português Xaile.
Aos jornalistas, depois de ter recebido das mãos de Rita Santos um cheque de 4 mil patacas, "que será investido em equipamento", o fotógrafo salientou a importância deste tipo de eventos, considerando que são "um incentivo para o futuro".
As fotografias estarão em exibição nas Casa-Museu da Taipa, na zona do Carmo, até 15 de Fevereiro, das 10 às 18 horas, de terça a domingo, de forma a aproveitar a presença no território de milhares de turistas devido às festividades do novo ano lunar.

Deputados e Florinda Chan debatem regulamentação do Artigo 23º em sede de comissão

Governo vai ponderar reduzir a pena mínima

É uma das questões que mais polémica tem gerado na sensível regulamentação do Artigo 23º da Lei Básica. Há quem ache curta a moldura penal para os crimes mais gravosos previstos na lei. Ontem, o Governo prometeu pensar numa diminuição da pena mínima. Fong Chi Keong não ficou por aí além convencido.

Isabel Castro

Foram três horas e trinta minutos para debater os primeiros quatro artigos do diploma sobre a defesa da segurança do Estado. Pelas palavras do presidente da comissão que está a estudar a proposta de lei, Fong Chi Keong, não deverá ter sido uma reunião fácil. Alguns deputados insistiram nas críticas; o Executivo defendeu a sua dama.
“Quanto às opiniões transmitidas pelos deputados, a resposta do Governo não variou muito daquelas que estão no relatório sobre a consulta pública”, explicou Fong, instado a comentar a postura de Florinda Chan. “A postura do Governo consiste em insistir na sua posição”, continuou. “Prestou muitos esclarecimentos, dizendo que as normas estão em conformidade com os princípios do Código Penal.”
Da discussão da tarde de ontem, disse ainda o deputado, ficou ainda “a impressão de que o Governo não vai introduzir grandes alterações”. Mais directo seria difícil: “Se Executivo cedesse às nossas sugestões, não teríamos que despender três horas e meia para discutir quatro artigos”.
A maior vitória dos deputados que estão preocupados com alguns detalhes do articulado (grupo onde Fong Chi Keong não parece estar incluído) terá sido mesmo a promessa feita por Florinda Chan relativamente à possibilidade de se diminuir a pena mínima para os três crimes mais gravosos contemplados pela lei.
De acordo com a proposta em cima da mesa, a pena mínima de prisão é de 15 anos (e a máxima de 25) para três das condutas criminosas contempladas pelo diploma: traição à pátria, secessão e subversão contra o Governo Central.
Há deputados que entendem que esta moldura penal não dá ao aplicador grande flexibilidade. E outros argumentam que até na China, onde a pena máxima é perpétua para este tipo de crimes, a mínima é de 10 anos, ou seja, menos cinco do que aquela que se quer fazer vigorar em Macau.
“O Governo concorda em ponderar baixar o limite mínimo para os 10 anos. Vai pensar, mas não há ainda uma decisão concreta”, realçou o presidente da segunda comissão da Assembleia.

Deputados participativos

Além dos artigos que criminalizam a traição à pátria, a secessão e a subversão contra o Governo Central, a longa reunião serviu apenas para analisar a norma respeitante ao crime de sedição.
De um modo geral, explicou Fong Chi Keong, “há deputados que entendem que a redacção não é clara”. Depois há divisões mais profundas entre os membros da Assembleia Legislativa, e que já se prendem com questões de filosofia penal.
“A maioria dos deputados concorda com as normas, mas há outros que têm uma posição contrária por entenderem que viola direitos fundamentais, nomeadamente o direito à liberdade de expressão.” Fong garante que todos estes receios constarão do parecer a enviar ao plenário.
Quanto ao Governo, “esclareceu a sua intenção legislativa”, apoiou-se nas normas já em vigor em Macau (quer as do Código Penal, quer de leis de natureza semelhante em termos de gravidade penal, como o diploma de combate ao terrorismo), e reiterou que os direitos fundamentais não são postos em causa pela regulamentação do Artigo 23º.
Da discussão em pormenor fez parte a expressão “outros meios ilícitos graves”, e isto porque há deputados que entendem que no rol de punições devem deixar de constar “actos que destruam meios de transporte”. “O Governo não parece ter intenção de o fazer”, declarou Fong.
Falou-se ainda dos actos preparatórios e “o Governo deu vários exemplos para explicar o que são.”
Já no artigo sobre os actos de sedição, que se aplicará a quem “pública e directamente incitar” à pratica dos três crimes mais gravosos, alguns deputados exigiram explicações sobre a expressão que constitui requisito para aplicação da lei. “O Governo disse que essa norma está em conformidade com os crimes de incitamento e de instigação do Código Penal”, relatou o presidente da comissão.
Para hoje está marcada nova reunião e Fong acredita que será possível concluir o debate com o Executivo, pelo menos nesta fase preliminar de negociações com o proponente. “Tudo o que for discutido vai constar do nosso parecer”, prometeu.
No encontro de ontem participaram seis deputados que não pertencem à segunda comissão, sendo que a presidente da Assembleia, Susana Chou, também esteve presente. Diz Fong Chi Keong que a reunião foi animada e os deputados muito participativos.

Eleição do Chefe do Executivo cada vez mais presente na imprensa em língua chinesa

Ho Chio Meng não revela vontades

Desde a visita do vice-presidente da China a Macau que o assunto tem vindo a ser abordado com maior insistência na comunicação social da RAEM. Depois de ter feito uma análise à duração dos apertos de mão Xi Jinping para chegar à conclusão de que o barómetro nada revelou sobre o preferido de Pequim, o jornal Ou Mun voltou ontem a escrever sobre o mistério político do ano.

Isabel Castro

Parece que finalmente a questão começa a estar presente com regularidade na imprensa em língua chinesa do território. Dizia o Ou Mun na sua edição de ontem que a questão “quem vai ser o próximo Chefe do Executivo” se transformou num tema “quente” na cidade nos últimos tempos.
Explica ainda o matutino editado em Macau com maior número de leitores que os jornalistas locais não desperdiçam as oportunidades que têm quando se depararam com um candidato a candidato. Os microfones e gravadores são de imediato encostados aos “preferidos”.
Depois de Chui Sai On ter sorrido perante a perspectiva e ter preferido não tecer comentários sobre a matéria, durante a sua deslocação a Sichuan, esta semana chegou também a vez de Ho Chio Meng ser confrontado com a hipótese.
O encontro da comunicação social com o Procurador da RAEM aconteceu durante a recepção de Primavera oferecida pelo Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM e não foi muito produtiva em termos de pistas. Ho evitou os jornalistas e contornou a questão.
A ocasião serviu para juntar no mesmo espaço muitas personalidades políticas mas todas elas, realça o matutino, se mantiveram caladas em relação ao assunto. “Não há mais nada a fazer do que continuar a adivinhar”, constata o Ou Mun.
A abordagem a Ho Chio Meng parece não ter surtido grande efeito. O procurador da RAEM limitou-se a indicar que pretende fazer um bom trabalho (não precisou em que campo, se no judiciário, se no político) e desejou aos jornalistas que o rodeavam um bom ano novo.
Sem sucesso foi também a investida feita a Bai Zhijian, responsável máximo do Gabinete de Ligação. Os seguranças protegeram-no do contacto mais próximo com os jornalistas e ele nada disse sobre a incógnita política de Macau, relata ainda o Ou Mun.
Dificilmente Bai se pronunciaria sobre uma matéria que, em termos muito práticos, está dependente de Pequim, mas que na perspectiva política e constitucional diz respeito, antes de tudo, a Macau enquanto região administrativa especial.
Mas, para a comentadora política Agnes Lam, que em declarações recentes a este jornal se pronunciou sobre o assunto, é bem provável que Pequim seja o responsável por este silêncio. “Talvez o Governo Central não queira que os nomes sejam conhecidos publicamente cedo, porque ainda existe um ano para gerir e não é desejável ter um Governo que nada faça e fique a observar quem vem a seguir”, disse.
O nome de Ho Chio Meng para candidato a Chefe do Executivo foi uma das apostas feitas pelo jornal Va Kio no ano passado, num artigo assinado por Ng Chan, um dos mais influentes analistas da imprensa local.
O procurador da RAEM granjeou importância política com a bem sucedida acusação contra o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, sendo visto por muitos como uma garantia de sociedade “íntegra” e correcta”.
Desconhecem-se apoiantes seus que demonstrem essa posição em público, à excepção do deputado Pereira Coutinho, que deixou já transparecer que a ideia de Ho suceder a Edmund Ho não lhe desagrada, principalmente por se tratar de uma figura com um enquadramento académico na área do Direito.
Ho Chio Meng nasceu em 1955 e é procurador da RAEM desde a transferência de administração. Natural de Macau, Ho foi viver para a China com a família em 1958. No Continente, ocupou vários postos governamentais.
Estudou Direito na Universidade de Ciência Política e Direito na província de Guangdong entre 1979 e 1983 e, mais tarde, foi para Pequim fazer o doutoramento.
Ho foi juiz no Tribunal Superior Provincial de Guangdong de 1987 a 1990, ano em que regressou a Macau, para pouco tempo depois ir para Coimbra estudar Direito português. Regressou ao território em 1993.


Apoio à província de Sichuan

Trabalhos de reconstrução vão ser acelerados

O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Chui Sai On, reuniu ontem com o secretário do comité de Sichuan, Liu Qibao, num encontro onde foi feito o ponto da situação em relação ao apoio de Macau às obras de reconstrução daquela província, afectada pelo tremor de terra de Maio do ano passado.
Durante a reunião, Liu Qibao referiu que o governo deseja imprimir maior rapidez aos trabalhos de reconstrução, sem prejuízo da segurança, de forma a que 80 por cento dos projectos fiquem concluídos nos próximos dois anos. As propriedades actuais, de acordo com aquele responsável, estão dirigidas para a recuperação de escolas, hospitais, redes de abastecimento de água e energia eléctrica, entre outros.
Chui Sai On, por seu lado, referiu que todos os 17 projectos da primeira fase de apoio à reconstrução por parte da RAEM se concentram na zona de Guangyuan, tendo sido assinados agora mais seis acordos. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura afirmou ainda que a comissão de apoio à reconstrução das zonas afectadas irá convocar uma reunião, após o seu regresso a Macau, de forma a optimizar o plano de reconstrução e acelerar o processo.

Michael Roskin, politólogo norte-americano radicado em Macau, analisa tomada de posse de Obama

“A cultura de Washington vai ser mais civilizada”

A crise ajudou-o a chegar à Casa Branca. A crise é a pedra mais difícil de tirar do sapato. No primeiro dia de Barack Obama à frente do destino dos Estados Unidos da América, o PONTO FINAL pergunta ao politólogo norte-americano Michael Roskin de que forma vai o seu país mudar.

Isabel Castro

Foram umas eleições vividas com expectativas que muitos entenderam ser desmesuradas. Agora chegou a hora de se ver até que ponto a esperança Obama vai ter efeitos práticos visíveis. Os Estados Unidos da América empossaram o seu primeiro Presidente negro. O homem que prometeu mudança terá muito com que se ocupar durante os seus próximos tempos na Casa Branca.
Para Michael Roskin - norte-americano residente em Macau que até já foi republicano mas que, em Novembro passado, votou no democrata -, a crise financeira que entretanto se agudizou será o principal obstáculo a um comando sereno do novo Presidente. Foi a crise que lhe abriu as portas, mas agora terá que saber lidar com ela.
“As expectativas em torno de Obama foram potenciadas pela crise económica, e foi isto que lhe permitiu ter aquela margem de vitória. McCain não foi capaz de se distanciar o suficiente dos fracassos de Bush”, recorda o professor de Ciência Política, em declarações ao PONTO FINAL.
Roskin vinca que “os americanos têm razões concretas para estarem assustados e temerem perder os empregos, as casas, as pensões”. E aqui surge o primeiro problema de Obama: “O problema é que os americanos podem estar à espera de mais do novo Presidente do que deviam. Com certeza que as expectativas vão diminuir.”
Para que tal não aconteça, pelo menos de forma dramática, Michael Roskin aconselha Obama a dar grande importância à saúde da banca, no que às prioridades de política interna diz respeito.
“A prioridade deverá ser fazer com que o bancos voltem a conceder empréstimos. Muitos deles olham para os clientes como sendo pessoas nas quais não podem confiar; os bancos temem perder ainda mais dinheiro.”
O professor defende que a nova legislação sobre a matéria deve exigir aos bancos que declarem os empréstimos não devolvidos, “mesmo que tal signifique admitir prejuízos terríveis”. Roskin dá o Japão como exemplo: “Hesitou durante anos antes de obrigar os bancos a adoptarem este procedimento, e desperdiçou uma década em recessão económica”.
Este tipo de medida deve servir para que “os bancos fracos possam ser nacionalizados e serem gradualmente vendidos ao sector privado”. Quanto aos “bancos razoavelmente saudáveis”, diz o professor da Universidade de Macau, “podem levar uma injecção de capital público de modo a que voltem a conceder empréstimos”.

Feitiço contra ao feiticeiro?

Quanto à postura dos Estados Unidos para o exterior, Michael Roskin entende que “sair do Iraque, como prometido”, deve ser o primeiro passo a dar por Barack Obama. Para que o feitiço não se vire contra o feiticeiro.
Embora numa fase final da campanha tenha sido a crise financeira o grande motor de obtenção de votos, a verdade é que a postura do candidato democrata em relação ao conflito no país que um dia foi de Saddam Hussein contribuiu em muito para a popularidade do recém-empossado Presidente, entre certos grupos da sociedade norte-americana.
“Ficar no Iraque pode transformar-se na guerra de Obama. Ao general David Petreaus devem ser dados dois anos para pôr em prática as suas estratégias no Afeganistão, e depois devemo-nos retirar mesmo se a situação continuar instável.” É que, realça o politólogo, “o Afeganistão está agora a transformar-se numa situação pior do que o Iraque”.
As expectativas em torno do reinado Obama são grandes, mas afinal o que vai mudar? “Várias políticas vão ser alteradas, mas não de forma drástica.” Ou seja, amanhã o dia vai ser mais ou menos igual ao de hoje. Mas com o passar do tempo as mudanças vão começar a fazer-se sentir, assegura Roskin.
“A cultura de Washington vai ser mais civilizada e polida. Os americanos têm agora um presidente inteligente, educado e eloquente, que eleva o tom do discurso público. Muita da força de Obama é psicológica, ao escolher o tom certo. É mais isso do que quaisquer políticas especiais”, conclui.

Teses para reformular

Para a Ciência Política, a eleição de Barack Obama é, por si só, um verdadeiro “case study”, cujos efeitos já se fazem sentir. Há teses e teorias para refazer, perante o contexto da eleição do primeiro Presidente afro-americano. “Era algo impossível há 20 ou 30 anos”, salienta Michael Roskin que, ainda antes do dia das eleições, se começou a debruçar sobre a influência da raça no comportamento do eleitorado norte-americano.
“Os académicos da Ciência Política devem reavaliar as teorias que indicam que a raça tem um papel determinante na política norte-americana. Os eleitores mais jovens deram início a uma nova era.” Não que o racismo no país tenha desaparecido. “Continua a haver, agora concentrado no Partido Republicano, mas cada vez menos.”
A maioria dos norte-americanos diz que “a raça interessa menos do que o carácter, o intelecto e a capacidade de tomar decisões”, indica o politólgo. As eleições demonstraram que este discurso se traduz em termos práticos.
Posto isto, há que esperar para ver do que o novo Presidente é capaz. “O meu grande medo é o de que Obama seja assassinado”, remata o docente.

César Nuñez, investigador do Instituto Ricci, em entrevista ao PONTO FINAL

“Os velhos edifícios de Macau têm maior significado para a comunidade”

Em 1835, um violento incêndio foi responsável pela destruição, quase na íntegra, da Igreja de São Paulo. O que restou foi uma fachada, recuperada, então, por artistas chineses e japoneses. E que hoje acolhe milhares de visitantes, além de figurar em todos os livros e sites da Internet sobre o território. Detentora de uma aura de romantismo, inerente a todas as ruínas, a fachada acaba por contagiar hordas de turistas. E o edifício inicial, como era? Da autoria de César Nuñez, é hoje apresentado, às 18h30, no Instituto Ricci, o livro “A Igreja de São Paulo: Um Resquício da Arquitectura Barroca na China”. A introdução está a cabo do arquitecto Francisco Vizeu Pinheiro, e versa sobre “Os Três Encontros Históricos entre o Ocidente e o Oriente”.

Luciana Leitão

PONTO FINAL - Pode dizer-se que as Ruínas de São Paulo são o único exemplo de arquitectura barroca na China?
César Nuñez – É, pelo menos, o único exemplo que ainda existe de arquitectura barroca. E não é muito, pois não? É apenas uma fachada e umas ruínas que foram desenterradas do Colégio, ali perto. É o único exemplo e, na minha opinião, o mais importante alguma vez construído na China. Havia outra igreja em Pequim, de Adam Schall, que, segundo as fontes, se tratava de um exemplo do estilo Barroco. Na realidade, foi completamente destruída e não sabemos como se parecia. Pode, inclusivamente, ter sofrido uma maior influência do Maneirismo tardio.
- Que características são essas que lhe permitem afirmar que a Igreja da Madre de Deus – ou de São Paulo - constituía um exemplo da arquitectura barroca?
C.N. - Para um historiador de arte, o Barroco surge depois do Maneirismo do século XVI. Os historiadores de arte estudam esta mudança há já muitos anos – alguns aceitaram imediatamente, outros nem tanto. Contudo, acho que nesta altura, já está praticamente assente que houve um estilo Barroco. Se formos a Itália, o seu berço, encontramos as características do Barroco. No caso da Igreja de São Paulo, atente-se ao grande luxo da decoração. Aliás, a fachada é um bom início do estudo do que a Igreja de São Paulo tinha de Barroco. E, possivelmente, algumas partes do Colégio. Vemos uma rica e esplêndida decoração – muito diferente do Maneirismo, do século XVI, mais austero. Aliás, a fachada é uma ruína, não vemos tudo – temos de estudar através das fontes. É por isso que podemos dizer que aquele tipo de decoração fazia parte do desejo de construir algo rico, luxuoso e emocional, só para impressionar. Se olharmos para um edifício maneirista em Portugal e em Espanha, é bastante discreto. O Barroco é o oposto – é um edifício que grita para ser visto. Toda a gente fica espantada com o esplendor. Se for à Basílica de São Pedro, em Roma, fica espantada. E é isso que os arquitectos pretendiam. Parece-me que a Igreja de São Paulo tinha tais qualidades, apesar de datar de uma fase inicial do estilo Barroco.
- Tendo em conta que foi construída em Macau, a Igreja de São Paulo devia ter algumas características asiáticas. Quais?
C.N. - Até há bem pouco tempo, as pessoas olhavam para o território como se fosse um pedaço do Ocidente – uma parte de Portugal -, e quando se falava sobre as igrejas da China não se incluía Macau. Porém, mudámos a nossa perspectiva. As escolas de artistas que se encontravam aqui eram oriundas da China – algumas vinham, inclusivamente, do Japão. E isso é visível no estilo da fachada. Ali pode ver-se o trabalho destes artistas chineses e japoneses.
- Depois do incêndio que ocorreu em 1835, apenas sobrou a fachada do edifício, que foi alvo de algum trabalho de restauração. De acordo com o que estudou, a própria fachada ficou muito diferente do que inicialmente era?
C.N. - É autêntica. Claro que algumas coisas desapareceram – sabemos, por exemplo, que a Virgem estava junto à lua. Onde está a lua? Já olhei com muito cuidado para lá e estive à sua procura. É difícil ver, mas estava lá. E devem existir outras coisas que foram destruídas com o incêndio. Porém, o que resta é bastante autêntico. Claro que, por detrás da fachada, já nada existe. O que me espanta é que, em todas as fontes que já li, há pouca descrição do que lá existia. Todos dizem que foi muito trágico, mas poucos descrevem o que é que foi destruído com o fogo. Não descrevem. Por isso, temos de pesquisar bastante, junto das fontes.
- Tendo em conta que a Igreja foi, quase na totalidade, destruída, também teve de recorrer à imaginação na sua investigação. Foi um processo difícil?
C.N. - Na realidade, a imaginação tem um papel residual. Procurei, em tudo o que digo, qualificar, referenciando uma fonte. De preferência, primária. Mas também há fontes secundárias de muito valor. As fontes primárias são documentos redigidos na mesma época do edifício. Quanto às secundárias, são escritos que datam de um período mais tardio - inclusivamente, dos dias de hoje -, que olham para esta construção, estudam-na e preenchem as lacunas.
- Sendo actualmente um local de peregrinação de milhares de turistas, teme que estas circunstâncias possam contribuir para a degradação da fachada?
C.N. - Pode dizer-se que essa questão não se coloca, por ser no exterior. Alguns edifícios históricos têm um problema – se for, dentro de portas, o hálito de milhares de turistas pode afectar a construção. A humidade que o corpo cria pode também afectar. Contudo, a fachada do edifício pode ter mais problemas com a natureza. Há pássaros em cima da estátua da Virgem Maria – não saem. Parece que gostam da estátua da Virgem Maria e de um dos santos. Dada a afluência de turistas, o que poderia estar mais em risco é o museu das Ruínas de São Paulo. É muito pequeno para as hordas de turistas, pode afectar as pinturas. Mas não a fachada. Claro que um restaurador poderá dizer-lhe o contrário, mas esta é a minha opinião.
- Depois do incêndio de 1835, não havia qualquer possibilidade de reconstrução do edifício?
C.N. - É muito difícil regressar ao passado e conseguir captar a imagem, especialmente num edifício tão especial como aquele. Por vezes, conseguem-no. Por exemplo, a Alemanha está cheia de edifícios que foram destruídos durante a Guerra – muitos datavam do século XIX. Contudo, estavam bem registados, havia plantas, fotografias, tinham descrições completas. Dados que não existiam no caso da Igreja e do Colégio de São Paulo, o que torna difícil perceber como era o edifício. Não podemos inventar. Isso é muito perigoso. Talvez seja por isso que ninguém tentou fazê-lo. Vamos ter uma conferência no Instituto Ricci, e penso que o arquitecto Francisco Pinheiro vai mencionar o nome de alguém que tentou fazer uma nova igreja, usando a fachada. Contudo, penso: Um edifício tão único como aquele – como é que se pode recriar, usando apenas uma parte? Isso iria obliterar ainda mais a memória de como aquele edifício terá sido. Pelo menos, temos a memória.
- O que faz desta fachada tão única?
C.N. - Na minha opinião, o que a torna única é o facto de ser um primeiro exemplo daquilo a que chamo uma fachada-retábulo [construção que, normalmente, se eleva da parte posterior do altar e que encerra geralmente um quadro religioso]. Mas há outras coisas, que já mencionei, como o facto de marcar o início do estilo Barroco, na China, sendo que os Jesuítas, os europeus e os portugueses tiveram a confiança para construir uma igreja deste género. Isso torna-a muito especial.
- As ruínas da Igreja de São Paulo constituem hoje a imagem mais característica de Macau. Parece-lhe que, por ser o resquício de um incêndio, e por se tratar apenas da fachada, tornou-se, hoje em dia, ainda mais especial do que o edifício original?
C.N. - Pergunto-me se alguma vez conseguirá substituir o edifício original, que toda a gente diz que era incrível. Por exemplo, um inglês que se deslocou a Macau no século XVII, e que é bastante conhecido dos historiadores, declarou ter ficado perfeitamente extasiado com o que viu. O que a actual fachada possui é a aura romântica típica de quaisquer ruínas – que faz com que as pessoas contemplem e pensem quão triste e transitória é a vida. Algo que a verdadeira igreja nunca poderia ter. Se for um romântico, então talvez a fachada seja melhor do que o edifício verdadeiro.
- A Igreja de São Paulo é o último símbolo de poder dos Jesuítas em Macau?
C.N. - Sim. Ainda bem que usou a palavra poder, de forma tão aberta. Foi realmente um símbolo de poder dos Jesuítas e da Igreja. Eles estavam muito convencidos de que estavam a trazer a verdadeira fé ao Extremo Oriente. Mas não devemos exagerar... Está mais relacionado com o triunfo da Igreja Católica Romana.
- Enquanto historiador de arte, como vê a evolução das construções de Macau?
C.N. - Não estou propriamente muito qualificado para falar sobre isso, porque não sou um historiador de arte moderna. Contudo, é um período diferente, que diz muito pouco do que Macau foi um dia. Aliás, pode tirar qualquer um dos casinos e inseri-los, por exemplo, no Tibete. Continuariam a ser edifícios importantes, mas não teriam qualquer carácter. O mesmo sucede em Macau – não dizem muito sobre o território, apenas que tem muito dinheiro e que se tornou um destino turístico. Mas não é a mesma coisa – os velhos edifícios de Macau são mais autênticos, têm maior significado para a comunidade e em termos de arquitectura.


Pais de crianças contaminadas apresentam queixa

Escândalo da melamina em tribunal

Mais de 200 famílias cujos bebés adoeceram depois da ingestão de leite tóxico, contaminado com melamina, anunciaram que vão levar o caso ao Supremo Tribunal por terem sido ignoradas por tribunais de primeira instância.
A acção nos tribunais, que envolve 213 famílias, desafia as tentativas do governo chinês de pôr fim a uma das piores crises de segurança alimentar do país e a um dos maiores escândalos mundiais com produtos "made in China".
O escândalo do leite contaminado com melamina, um químico industrial, causou a morte a seis crianças e intoxicou cerca de 300 mil.
No conjunto, cerca de 294 mil crianças tiveram de receber tratamento hospitalar por complicações urinárias, incluindo pedras no rim.
As 22 empresas lácteas implicadas no escândalo do leite adulterado com melamina propuseram um plano de compensações de 1.1 mil milhões de yuan (160 milhóes de dólares) mas muitos pais querem indemnizações mais elevadas e assistência médica a longo prazo para os filhos.
"A razão porque levo este caso a tribunal não é por causa do dinheiro mas pensando no futuro do meu filho", disse Zhang Ge, uma mãe solteira em Pequim que deixou o trabalho para tratar do filho doente.
O procurador-geral de Pequim, Xu Zhiyong, disse que os advogados das famílias enviaram hoje o caso ao Supremo para processar as empresas de lacticínios.
Mas parece pouco provável que o Supremo julgue o processo, uma vez que os tribunais de pequena instância recusaram até agora uma dúzia de acções sobre este escândalo com repercussões políticas tão sensíveis.
O governo e as companhias lácteas tinham esperança de que o esquema de pagamentos abrandasse a ira pública mas tal não sucedeu.
Xu disse que o processo enviado ao Supremo pede uma compensação de 36 milhões de yuan (5.3 milhões de dólares) para as famílias, além do pagamento das despesas médicas ligadas aos problemas de saúde que as vítimas terão para o resto das suas vidas.
A melamina, um químico usado para fabricar plásticos e fertilizantes, pode causar complicações urinárias, pedras no rim e paragem renal.
Pelo menos três das mortes ocorreram entre Maio e Agosto, nas províncias de Gansu e Zhejiang.
Foi um dos maiores escândalos do género na China e alem de ter afectado a reputação de toda a indústria chinesa de lacticínios, evidenciou as debilidades do país em matéria de controlo alimentar.
"A recente questão de segurança dos produtos lácteos mostra que o país ainda é fraco em matéria de controlo da produção", disse no início de Dezembro o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao.
Três altos funcionários de Shijiazhuang, entre os quais o primeiro secretário do Partido Comunista e o presidente da Câmara, foram entretanto demitidos e o líder da Administração Central do Controle de Qualidade e Supervisão, Li Changjiang, pediu também a demissão.

Editorial

Festa


Poucas vezes, ao longo da História recente, tanta esperança foi depositada num homem só. Barak Obama é, desde hoje, o líder da mais poderosa nação de um mundo mergulhado numa crise económica que se adivinha uma das piores de sempre e dilacerado por uma guerra de contornos religiosos sem fim à vista.
A tomada de posse, no entanto, marca também o início da contagem decrescente para o fim do "estado de graça" de que todos os políticos usufruem, no início dos seus mandatos.
Com o passar dos dias, que rapidamente se transformarão em semanas e meses, a necessidade de corresponder às expectativas criadas e, ao mesmo tempo, tomar decisões que requerem tempo e reflexão, será um dos principais desafios do novo presidente.
Daqui a seis meses, quando começarem a ser feitos os primeiros balanços, já a realidade se terá sobreposto a algumas das boas intenções expressas durante a campanha eleitoral.
Mesmo assim, o capital de esperança, simpatia e boa-vontade que o novo presidente conseguiu suscitar, tanto entre os seus concidadãos como por esse mundo fora, talvez permita que o tal "estado de graça" seja mais longo do que o habitual.
Para além disso, é um facto que a eleição de Obama revitalizou uma América cansada e algo gasta, trazendo consigo um forte desejo de mudança. E uma das qualidades mais marcantes do novo presidente americano é, sem dúvida, a sua capacidade para transmitir uma sólida convicção de que essa mudança é possível.
Não obstante a dimensão e complexidade das tarefas que o esperam, Obama tem, para já, um aliado importante: o povo americano, que sempre mostrou estar à altura dos desafios que a História lhe colocou pela frente.

Paulo Reis


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