1.27.2009

Nº 1704 - Sexta-Feira 16 de Janeiro de 2009

Deputado invoca lucros das operadoras de jogo

Coutinho contesta cortes salariais


O deputado à Assembleia Legislativa de Macau José Pereira Coutinho questionou ontem o Executivo local sobre a razão de despedimentos e redução de salários nos operadores de jogo, quando as receitas dos casinos aumentaram 31 por cento em 2008.
Numa interpelação escrita, Pereira Coutinho recordou os números avançados pela Agência Lusa, que apontam para receitas brutas em 2008 de 108.700 milhões de patacas nos casinos, mais 31 por cento do que os 83.022 milhões de patacas de 2007.
O deputado lembra também que houve cortes nos vencimentos do hotel/casino Crown, na Venetian e já foram apresentadas propostas idênticas para o Jockey Club e para a Galaxy, além da Venetian ter despedido 11.000 pessoas ligadas a obras, entretanto suspensas, e mais 580 das suas operações, enquanto a Galaxy despediu 270 pessoas.
“Relativamente às reduções das remunerações pelas operadoras dos casinos, o Governo, através do Director dos Serviços de Assuntos Laborais, tem aceite estas reduções e argumenta que é melhor do que despedir residentes”, disse.
Pereira Coutinho questiona a razão dos despedimentos e reduções de vencimentos, tendo em conta a subida das receitas e nem mesmo a crise financeira convence o deputado para a legitimidade da atitude dos operadores.
“Por outro lado, Macau não tem uma bolsa de valores e até à data não há registo de problemas nos bancos locais”, afirmou.
Perante os dados apresentados, Pereira Coutinho quer saber do Governo as “razões de facto” que levaram as operadoras a suspenderem obras e a despedir trabalhadores, se o Governo considera existir justificação para tal e se a economia local será afectada pela crise financeira mundial, quando não existe bolsa de valores e os bancos não aparentam dificuldades.


CEM investe 900 milhões de patacas

Preços da energia eléctrica vão descer

A Companhia de Electricidade de Macau, participada da EDP, vai investir cerca de 900 milhões de patacas em 2009, parte do quais na construção de uma quarta interligação com a China que fornece 66 por cento da energia ao território.
Em declarações aos jornalistas por ocasião do encontro de Ano Novo Lunar com a comunicação social, Franklin Willemyns, administrador-executivo da empresa, lembrou que o investimento do corrente ano é “mais do dobro” dos lucros da companhia que deverão manter-se a um nível “idêntico” ao de 2007 – cerca de 430 milhões de patacas.
Franklin Willemyns explicou também que actualmente a companhia “está a produzir mais electricidade” no território e a importar menos do continente chinês devido à descida do preço do petróleo, mas recordou que “toda a produção e importação é decidida tendo em conta as variáveis do momento” e com o “objectivo de manter estáveis os preços”.
Com um contrato de concessão até ao final de 2010, Franklin Willemyns escusa-se a falar sobre as negociações da renovação do acordo e defendeu “mais investimento” na produção de energia com recurso ao gás natural que representa actualmente 10 por cento e mantendo os actuais geradores a fuelóleo e a gasóleo “apenas para situações de emergência”.
Em termos de consumo, 2008 registou um aumento de 12 por cento, mas Franklin Willemyns diz que nos últimos meses os consumos ficaram “abaixo do esperado”.
Nos próximos dias, acrescentou ainda o mesmo responsável, serão conhecidos os novos indicadores da cláusula de “ajustamento do preço do combustível” aplicado no tarifário da companhia que, devido à diminuição do preço do petróleo, irá provocar descidas na factura dos consumidores.


Suspeitos acusados de crime organizado

Polícias ameaçavam colegas de trabalho

A Polícia Judiciária de Macau entregou ontem ao Ministério Público quatro homens residentes em Macau, três dos quais agentes policiais, acusados de crime organizado, posse de armas proibidas e vandalismo.
Os quatro homens - dois agentes da Polícia de Segurança Pública, um agente da Polícia Judiciária e um croupier de casino - foram detidos na madrugada de terça-feira.
Durante as buscas às residências dos suspeitos foram encontradas várias armas de pressão de ar, entre as quais algumas “proibidas”, revelou um porta-voz da Judiciária.
Os suspeitos, todos residentes em Macau e entre os 27 e 31 anos, eram “amigos de infância” e “desde Setembro do ano passado até ao dia da detenção ameaçaram colegas das corporações” por estarem descontentes com a organização do trabalho.
Os elementos fornecidos pela Polícia Judiciária indicam que terão sido feitas ameaças a quatro agentes da corporação e a outros agentes da PSP e que para os investigadores da PJ foram realizadas durante o tempo das ameaças pelo menos “quatro mil chamadas” e enviadas “mensagens escritas”.
A Polícia Judiciária “desconfia também” que as armas apreendidas era usadas para “partir vidros de carros particulares” de terceiros com quem os quatro detidos “tinham conflitos” e que os elementos do grupo “danificaram várias fechaduras de estabelecimentos comerciais”.
O quarto detido entregue ao Ministério Público era croupier de um casino local e segundo a Polícia Judiciária terá sido um dos autores dos telefonemas de ameaça aos agentes.
Em caso de julgamento e se forem condenados por crime organizado, os quatro suspeitos podem incorrer numa pena até 15 anos de cadeia que no caso dos agentes pode ser agravada por se tratarem de polícias.


Comissão de Apoio à Reconstrução em Chengdu

Delegação de Macau visita Sichuan

O presidente da Comissão Coordenadora da RAEM para o Apoio à Reconstrução das Zonas Afectadas Pós Terramoto em Sichuan e secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Chui Sai On, desloca-se hoje a Chengdu, para uma visita de cinco dias.
A delegação integra todos os membros da Comissão e, também, o chefe do departamento de promoção e cultura do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM, Liu Xiaohang.
O governo da RAEM participa, desde Agosto do ano passado, nos trabalhos de recuperação em zonas da província de Sichuan mais afectadas pelo terramoto ocorrido há mais de seis meses.
As novas directivas do Governo Central, entretanto anunciadas, prevêem que os trabalhos de reconstrução possam ficar concluídos dentro de três anos e não cinco, com antes fora estimado, inplicando a alteração do calendário de aplicação das verbas de apoio do governo da Região Administrativa Especial e da Fundação de Macau à reconstrução na província de Sichuan, de cinco mil milhões e 500 milhões de patacas, respectivamente.
A Comissão vai fazer um balanço dos trabalhos desenvolvidos em 2008 e estudar as tarefas futuras com a parte de Sichuan, durante a próxima visita à província.
Dos 17 projectos assumidos pelo Governo da RAEM para a cidade de Guang Yuan, além do projecto de construção de casas com verbas já concedidas, foram concluídos os trabalhos de observação e avaliação técnica bilateral em relação a mais seis.
O secretário Chui Sai On, em nome do governo de Macau, vai agora assinar acordos com o governo provincial, sobre os referidos projectos, que incluem a construção de três escolas, um centro de saúde mental e apoio psicológico, um centro de idosos e um centro de reabilitação.

Alteração à lei sobre acesso ao direito e aos tribunais aprovada com uma abstenção

As convicções jurídicas de Cheang Chi Keong

Nada fazia prever que a discussão se alongasse. O projecto de lei de alteração ao diploma que define o acesso ao direito e aos tribunais era simples e aparentemente pacífico. Mas não foi. Cheang Chi Keong decidiu mostrar que sabe de leis mas Leonel Alves corrigiu-o. Ficou por se perceber qual a intenção política de Cheang, que se absteve na votação.

Isabel Castro

O projecto de lei foi aprovado na generalidade por unanimidade e sem que tivessem sido levantadas grandes questões, dada a natureza da alteração proposta: garantir que, perante as autoridades de Macau, em qualquer fase do processo e independentemente do estatuto, os cidadãos possam fazer-se acompanhar por advogado, mesmo que não tenham tratado de deixar uma procuração passada.
Ontem, no debate na Assembleia Legislativa (AL) que serviu para aprovar o projecto na especialidade, Cheang Chi Keong começou por colocar um problema de redacção para, de imediato, protestar contra o facto de os proponentes utilizarem a palavra "todos" para definirem o âmbito de aplicação da lei.
O termo foi utilizado propositadamente para clarificar que não há quem fique excluído do direito fundamental de acesso à Justiça, seja residente de Macau ou não.
Ora, para Cheang Chi Keong, a utilização da expressão "todos" não está de acordo com o artigo da Lei Básica que assegura o acesso aos tribunais (Artigo 36º), porque nesta norma do diploma constitucional - invocada, aliás, no preâmbulo do projecto de lei pelos proponentes – diz-se que os destinatários deste direito são os "residentes". Ou seja, alegou Cheang, se se chama à colação o artigo da Lei Básica, "então a redacção tem que ser alterada para residentes".
Parece que Cheang não passou do Artigo 36º na sua leitura da Lei Básica. É que, um pouco mais à frente e ainda no mesmo capítulo, no Artigo 43º, diz o diploma que "as pessoas que não sejam residentes de Macau, mas se encontrem na RAEM, gozam, em conformidade com a lei, dos direitos e liberdades dos residentes de Macau, previstos neste capítulo."

A aula de Alves

Foi esta a explicação jurídica que Leonel Alves deu a Cheang Chi Keong, não sem antes defender ser necessário "ter uma posição filosófica sobre o que deve ser a nossa sociedade". E deu o exemplo "caricato" de dois indivíduos, "um residente e o outro compatriota de Xangai, na mesma situação," sendo que um poderia invocar direito a assistência judiciária e o outro não.
Alves referiu que a questão foi "profundamente analisada" em sede de comissão. "E chegámos à conclusão de que não havia fundamento para esta discriminação." Nem do ponto de vista filosófico nem na perspectiva legal. Fazendo referência ao Artigo 43º, sustentou que "temos a obrigação de cumprir a Lei Básica e cabe à lei regulamentar esta matéria".
Susana Chou interveio para deixar uma sugestão: além de se mencionar o Artigo 36º, devia fazer-se também uma referência ao Artigo 43º no preâmbulo da lei.
Cheang Chi Keong insistiu na sua teoria de "precisão" jurídica e a discussão prolongou-se, com David Chow a usar da palavra para tentar pôr um ponto final na situação. "Estamos aqui a insistir numa expressão, parece que não temos capacidade para produzir uma lei", lançou.
A presidente da AL insistiu na introdução do Artigo 43º e Leonel Alves deixou várias sugestões à comissão de redacção final, alertando, porém, que a introdução do Artigo 43º pode dar azo a que, um dia, alguém se esqueça de fazer a mesma referência e haja problemas na interpretação.
Cheang fez finca-pé e avisou que, perante a redacção colocada a votação, se iria abster, por ter "a sensação que há uma certa imperfeição". E assim fez, sem qualquer efeito prático. Todos os outros deputados votaram a favor.
Assim, a partir do momento em que a lei for publicada em Boletim Oficial, residentes e não residentes têm direito à assistência por advogado em qualquer processo e em qualquer fase desse processo, independentemente da sua condição – testemunha, declarante ou arguido.
Além disso, prevê esta alteração, o direito a um advogado não depende da existência e exibição prévia de procuração – situação que muitas vezes faz com que pessoas chamadas a depor enquanto testemunhas saiam das instalações dos órgãos criminais na condição de arguidos, sem terem podido ser apoiadas por um defensor.

Deputados pedem reforma do regime fiscal da RAEM

Alterações ao imposto do selo aprovadas com críticas

É bem provável que a proposta de lei dê que falar em sede de comissão. Foi ontem aprovado na generalidade o diploma que prevê que o imposto do selo na aquisição de habitação diminua de três por cento para um por cento do valor do imóvel. Os deputados votaram todos a favor, mas foram muitas as dúvidas colocadas ao secretário para a Economia e Finanças.
Esta redução fiscal foi anunciada por Edmund Ho aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2009. Ontem, Francis Tam reiterou que o objectivo desta medida é “apoiar os cidadãos na aquisição de imóveis, atenuando os seus encargos”. Caso a proposta de lei seja aprovada, disse ainda o secretário, o Governo deixará de encaixar nos seus cofres 273 milhões de patacas.
A boa intenção do Executivo não é clara para Kwan Tsui Hang, que foi a primeira de uma série de deputados a usar da palavra para fazer reparos à proposta governativa. Kwan não vê necessidade nesta redução, mais a mais porque, para casas com valor inferior a três milhões de patacas, vai manter-se a isenção do pagamento do imposto do selo.
Assim sendo, quis saber se o secretário ponderou a medida atendendo à actual crise financeira – que se vai traduzir numa descida dos impostos cobrados pelo Governo – e se ponderou a possibilidade de criar um critério para esta iniciativa, através da introdução de escalões.
Tam fez referência ao valor relativo deste tipo de taxas no bolo fiscal e recordou que, em Macau, o imposto sobre o selo é muito mais elevado do que nas regiões vizinhas. Quanto à redução generalizada e sem escalões, fundamentou a decisão alegando não haver grandes discrepâncias no mercado imobiliário em termos de preços.
Porém, não obstante não se mostrar muito convencido com a solução apontada por Kwan (e por outros deputados que defenderam a mesma ideia), o governante deixou a porta aberta para alterações em sede de comissão.
Já Ung Choi Kun preferiu chamar a atenção do Governo para o facto de o mercado imobiliário estar “estagnado” à espera das medidas fiscais anunciadas nas LAG. O deputado da “bancada” de Fujien pediu ainda que simplifiquem os procedimentos na transmissão de imóveis e se diminuam as despesas nas escrituras, com Chui Sai Cheong a fazer apelo semelhante no que toca à contribuição predial.
David Chow não se mostrou convencido de que esta medida vá ter repercussões significativas nas poupanças da população. Sugeriu a Francis Tam que pense na reforma do sistema fiscal. “Os países todos estão a debater esta questão. Se o secretário conseguir fazer-nos sair desta crise, poderá contar com os nossos agradecimentos.”
O governante foi anotando as sugestões e reafirmou a disponibilidade para acolher eventuais alterações em sede de comissão. Muitos deputados falaram, mas ninguém mostrou estar verdadeiramente contra a alteração à tabela geral do imposto do selo. O diploma vai agora ser analisado em sede de comissão.

I.C.

Ng Kuok Cheong critica Tsui Wai Kwan por ataques verbais aos democratas

“Parecia que tínhamos voltado à escola”

É caso para dizer que “enfiou a carapuça” ou, se preferimos outra perspectiva, que “quem não se sente não é filho de boa gente”. Ng Kuok Cheong não gostou dos reparos feitos na passada semana por Tsui Wai Kwan a propósito de democratas e de democracia. Ontem, fez questão de responder ao “colega”.

Isabel Castro

O deputado da Associação Novo Macau Democrático (ANDM) não fez uma única referência ao nome de Tsui Wai Kwan, mas não era difícil adivinhar o destinatário da veemente intervenção que ontem fez no período de antes da ordem do dia.
Na passada semana, o deputado nomeado pelo Chefe do Executivo criticou os defensores da revisão do sistema político, alertando para o “perigo” que constituem para a sociedade e para o facto de não serem credíveis. Tsui tentou ainda desmontar os perigos dos sistemas democráticos.
Ontem, foi a vez de ouvir a resposta, dada por Ng Kuok Cheong. “Parecia que tínhamos voltado à escola quando um colega se digladiava contra o sistema de eleição directa e universal, advogando que este sistema mais facilmente contribuía para servir de berço à corrupção e à perversão”, começou o deputado da ANDM.
Depois, o tom endureceu: “As afirmações do colega pecam, em primeiro lugar, por erro crasso e baixos conhecimentos”. Ng admite que a democracia não é perfeita nem garante que a corrupção não apareça mas, sublinhou, “é um dos sistemas políticos que menos deficiências regista na história da Humanidade”.
O deputado tentou demonstrar as vantagens do sistema democrático indo buscar um exemplo aqui ao lado: a Taiwan e a Chen Shui-bian. “A democracia em Taiwan deu oportunidade aos seus cidadãos de rectificarem o erro, ou seja, de elegerem outro governante”. Ao contrário do que acontece em locais onde não há um regime democrático, prosseguiu, “assim que terminou o seu mandato foi sujeito a julgamento, aberto ao público, onde todas as vergonhas praticadas foram expostas”.
Ng Kuok Cheong confessou “estar a aprender, tal como um estudante, sobre o sistema político democrático”, para reiterar o seu desejo de que, no futuro, os 29 deputados da AL sejam eleitos gradualmente por sufrágio directo.

Ponham-se à prova

“A implementação de um sistema político [democrático] não significa que se substituam todos os colegas que integram o actual sistema e que não foram eleitos por sufrágio directo”, afirmou. “Antes pelo contrário”, defendeu, “a maioria deles deve pôr de lado o seu actual estatuto, sujeitar-se à fiscalização da população e lutar pelo apoio desta.”
Ng deixou ainda mais um recado: “Se de entre esses colegas alguém puder dar o seu apoio técnico mas não quiser candidatar-se a uma eleição por sufrágio directo, poderá dar o seu contributo através da integração nos diversos mecanismos estabelecidos pelo Governo da RAEM”. Convém é que sejam escolhidos para esses cargos também por eleições directas, rematou.
Recorde-se que Tsui Wai Kwan criticou aqueles que defendem a alteração do sistema eleitoral local. Fazendo referência ao incidente ocorrido no passado dia 20 de Dezembro, disse que “um grupo de pessoas que se manifestava pacificamente no terminal marítimo contra a intervenção maliciosa de forças do exterior nos assuntos de Macau” tenha sido “atacado por outro grupo de pessoas alegadamente protectoras da democracia e liberdade, que puxou e rasgou os cartazes dos manifestantes”.
Para Tsui, o facto destas pessoas não aceitarem “opiniões divergentes” significa que “desconhecem o que é a democracia, apesar de andarem sempre a dizer que lutam por ela”. Posto isto, apelou, “devemos pensar como será o regime de democracia e as eleições que este grupo ou os seus aliados querem implementar”.

Acordo Ortográfico entra em vigor no Brasil

As crises de identidade

Do lado de Portugal, desaparecem os “c” antes dos “t” ou dos “ç”. Do lado do gigante sul-americano, são menos as alterações a fazer, bem como dos restantes países lusófonos. O ano de 2009 arrancou com a entrada em vigor, no Brasil, do acordo ortográfico. O que pensam os brasileiros e os portugueses do território sobre o assunto? E os cidadãos naturais dos países de matriz lusófona?

Luciana Leitão

Vamos escrever AIDS, ao invés de SIDA? Perguntam alguns portugueses, indignados. Cai o trema? Questionam uns quantos brasileiros enfurecidos. É necessário uma grafia comum para que haja um maior encontro entre a língua portuguesa, comentam outros. Há quem apregoe as vantagens em termos económicos e científicos. Outros há que concordam com o acordo ortográfico, mas discordam da forma como foi feito. Basta navegar pela internet para perceber que existem diferentes opiniões. Uma semana depois de ter entrado em vigor no Brasil o tão falado e temido acordo ortográfico – e que, até, já está a ser implementado, por exemplo, em Portugal, pelo diário desportivo Record ou pelo jornal mais antigo de Coimbra, o Despertar -, o PONTO FINAL foi falar com as pessoas ligadas a Macau e saber a sua opinião.
Autor de algumas obras literárias sobre Macau, João Aguiar é “a um milhão por cento contra a reforma ortográfica”, só encontrando “desvantagens”, no que toca aos portugueses. “Neste momento, já temos um sério problema de ortografia. Ora, graças à reforma, a confusão será ainda maior”, salienta.
Referindo-se ao acordo como o “Aborto Ortográfico”, João Aguiar explica o recurso a esta expressão. “Não tem em conta a evolução histórica da ortografia portuguesa nem, o que é muito mais importante, a nossa fonia. Daí, aliás, todos os casos de grafia dupla”, critica.
Apesar de assegurar que, quando o acordo ortográfico entrar em vigor em Portugal, “nunca” irá alterar o seu modo de escrita, João Aguiar reconhece que, em termos de publicação, “levanta-se um problema sério: admitindo que nem autores nem editores serão presos se ignorarem o Aborto, é mais do que provável que, por exemplo, os professores não possam recomendar aos alunos livros escritos na actual - e não atual - ortografia. Nesse caso, o escritor promete “estudar” o assunto.

“Mutilações”

Para a poetisa Fernanda Dias, a língua “evolui” naturalmente, sendo que “esta reforma comporta inúteis mutilações não só na escrita como na oralidade”.
Estando em absoluto desacordo em relação à adopção de Portugal deste acordo ortográfico, apenas vê uma vantagem: “Não me desagrada a inclusão das letras K, W, Y. de qualquer modo, já as usávamos de pleno direito, nem que fosse... no W.C... no kilo das mercearias de aldeia.”
Assim que for uma realidade em Portugal, Fernanda Dias irá alterar o seu modo de escrita, “só com grande pesar, se for obrigada, em documentos oficiais”. E desabafa: “Será que um dia teremos que escrever ‘pato’ em vez de pacto? Assim como já há quem escreva que tem um cágado no quintal... sem acento? Ou os cágados serão todos promovidos a tartarugas? Pondo de o lado o factor (fator?) anedótico inevitável, não há como negar todo o desconforto que este tipo de mudanças artificiais provoca nos utentes da escrita, sejam leitores ou escritores”.

A era da globalização

Por seu turno, o escritor Rodrigo Leal de Carvalho assume-se como “naturalmente conservador”, ou não fosse já “septuagenário”, sendo, por isso, “em princípio, não favorável” a este acordo. “Afigura-se-me que a presente ortografia portuguesa serve suficientemente as nossas actuais necessidades linguísticas; e, uma vez que a linguagem é uma realidade viva em constante mutação, o tempo e a evolução das coisas encarregar-se-ão de ir introduzindo o novo vocabulário relevante. Não concordo, por isso, com uma alteração significativa imposta por decreto”, afirma.
Na sua opinião, as desvantagens são superiores aos benefícios. “Parece-me de difícil realização prática pelo que obrigará a uma ampla revisão de práticas linguísticas a nível escolar, jornalístico, literário, etc., com os correspondentes custos financeiros e emocionais”, esclarece.

Manter a identidade da língua

Também o artista plástico José Drummond discorda do presente acordo ortográfica. “Compreendo a necessidade de unificar a língua portuguesa à luz de uma sensibilidade que se pretende mais global e mais contemporânea. No entanto, esta reforma parece-me desajustada e revela fragilidades”, afirma.
Estabelecer um modelo de ortografia para “ser usado como referência” parece, ao invés, “uma ideia redutora e ultrapassada, que revela um espírito antiquado característico do final do século XX”. Até porque, “a língua torna-se naturalmente mais forte quando tem a capacidade de absorver e conferir autoridade aos subdialectos, ao crioulo, à gíria, à linguagem de rua, ao fenómeno da Internet e por aí em diante”.

A simplificação

Para o jornalista José Manuel Simões, o acordo ortográfico será uma vantagem, até porque “a escrita será simplificada, o que ajudará a unificar a língua”. A sua aprovação “só peca por tardia”.
Sobre as principais vantagens, o também professor de português do Instituto Inter-Universitário declara que irá “aproximar os 50 milhões que falam português”, além de “simplificar a língua”. Por seu turno, no que toca às desvantagens assinala que “ainda vai levar alguns anos até que o acordo seja colocado em prática”.


Quanto ao argumento esgrimido por alguns dos críticos mais fervorosos de que assinar o acordo ortográfico acaba por levar à perda da identidade de Portugal, José Manuel Simões considera “um disparate”. Assim, se não se perdeu “quando o escudo desapareceu”, não vê por que tal iria suceder com este acordo, que, inclusivamente “vai acabar por simplificar o uso da língua”.

Pouco convencido

Por seu turno, António Falcão ainda não está convencido da necessidade desta reforma. “Para um acordo que vai a caminho do seu vigésimo ano de existência parece-me muito uma questão política, que visa aproximar, no fracasso de outras acordos de união, países que seguem caminhos distintos e histórias diferentes”, explica. E, acrescenta, não lhe parece que “as mudanças sejam de todo as mais acertadas”. Aliás, a própria eventual existência de uma dupla grafia facultativa parece-lhe um “contra-senso”.
Para o dono da livraria Bloom, existirão “claras vantagens no ensino do português como língua estrangeira”. Contudo, sendo clara a “necessidade de adaptação de todo o panorama escrito e de todas as publicações existentes e de todo o programa de ensino”, em tempos de crise, “implica esforços e verbas avultadas que poderiam ser canalizadas para outras necessidades mais prementes”.
Para o também escritor, a relutância de Portugal em adoptar o acordo reflecte que “vive muito mais apegado à língua do que os outros países lusófonos, que, retirando talvez o Brasil, têm no português mais um complemento da sua identidade”. No caso dos países africanos, “a maioria dos países africanos tem mais com que se preocupar”.

As regras comuns

Manifestando-se a favor do acordo ortográfico, a sub-directora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Maria Antónia Espadinha, afirma que a sua maior vantagem passa por ser “mais um passo na procura de regras comuns às variantes do português”.
E salienta que, se se quiser continuar a “agitar a bandeira da sexta língua mais falada do mundo”, há que ter em conta que Portugal “não é dono da língua”, mas que, ao invés, "ela é património dos tais 220 milhões”.

Pressão das editoras?

Já Luís Sá Cunha, responsável do Instituto Internacional de Macau – e pela publicação de várias obras -, “não se incomoda muito” com o acordo, apesar de achar “saudável” a polémica.
Em termos políticos, percebe a adopção deste acordo ortográfico. Porém, destaca, do ponto de vista cultural, “a língua portuguesa é um império em crescimento”, sendo que “ninguém” pode controlá-lo.
Assim, quando essas regras entrarem em vigor, Luís Sá Cunha “não pretende alterar nada da sua maneira de escrever”. Enquanto editor, pretende deixar a decisão de adopção ao acordo ortográfico ao próprio autor. No geral, considera que não traduz “alterações significativas”, sendo que se trata “mais de uma questão política”.
Recorde-se que o acordo não podia entrar em vigor sem ser ratificado por, pelo menos, três parlamentos de países de língua portuguesa. Portugal, Brasil, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde já o fizeram, faltando Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste. No caso de Portugal, prevê-se um prazo de seis anos até que as alterações propostas estejam em vigor.


O que dizem as comunidades lusófonas

São meras palavras

“Parece-me sensato, lógico e racional que, no mundo globalizado e conectado em tempo real, as palavras de uma língua tenham a mesma ortografia, a despeito do lugar em que estejam sendo escritas”, afirma a professora de português da Universidade de Macau, Denise Pacheco, natural do Brasil. Contudo, contrapõe, há que ser adoptado este acordo de forma “paulatina”.
De acordo com esta docente, trata-se de um mero acordo “ortográfico”, que exclui “outros aspectos estruturais da língua, que marcam diferença entre as variantes, notadamente em nível lexical e sintático”. E exemplifica: “Durante o inverno em Macau, os falantes da variante europeia vão continuar tomando um autocarro para chegar a casa e tomar um duche relaxante em sua casa de banho. Enquanto isso, os brasileiros estarão curtindo o verão e vão pegar um ônibus para chegar em casa e tomar uma ducha no banheiro”. Isso não irá mudar.
Denise assume que as desvantagens serão “inúmeras”, algumas das quais se apercebeu enquanto respondia, por e-mail, à entrevista do PONTO FINAL. “Descobri que vamos ter que reconfigurar nossos computadores, pois os atuais programas, avançados como “devem” ser, possuem eficientes corretores ortográficos que cismam em corrigir automaticamente as palavras. Para digitar esse texto tive dificuldade em adotar a reforma e eliminar os tremas e alguns acentos. Meu eficiente e moderno processador de texto cismava em “corrigir” minha ortografia. A tarefa foi mais demorada e de certa forma estressante”, diz.
Sendo natural do Brasil, apesar de estar a trabalhar no território, Denise garante que já começou a adoptar a nova grafia. “Inicialmente, fiquei em dúvida se deveria adotá-la para essa entrevista dado o fato de minha entrevistadora e do público leitor fazerem uso da variante europeia. Como já uso a variante brasileira, falada por quase 190 entre os 220 milhões de falantes de português, considerei que essa escolha indiretamente já seria uma resposta a esta pergunta”, responde.
No que toca especificamente à grafia brasileira, a professora afirma que não são muitas as alterações. “É importante destacar, sobretudo, o fato de que o Brasil já viveu reformas anteriores e elas foram bem assimiladas. Na verdade, as mudanças mais efetivas vão ser feitas na variante européia - ou europeia de acordo com as novas regras”, esclarece.

Falta rigor

O professor auxiliar de português da Universidade de Macau, Roberval Teixeira e Silva, natural do Brasil, também concorda com a reforma ortográfica. Contudo, afirma, por e-mail, que “falta ao documento o rigor que poderia ter alcançado caso tivesse sido debatido amplamente pelos diferentes segmentos a que a questão interessa”. No geral, porém, não constitui “uma unificação completa da escrita do Português, mas as discrepâncias mais salientes vão diminuir significativamente”.
Porém, este docente considera que “muitas das questões que se levantam” acabam por se desviar daquele que é “o seu ponto mais importante”. Assim, na sua opinião, “as línguas portuguesas, tenham a grafia que tiverem - vão continuar movimentando, sustentando, mantendo, renovando e produzindo cultura, seja a portuguesa, seja a cabo-verdiana, seja a brasileira, a angolana”. E não é em função da ortografia que “se definem os rumos de uma língua nacional”, sendo que esta funciona apenas como “uma busca de facilitação da impressão escrita de ideias”.
Radicado em Macau há quatro anos, Roberval tem vindo a “acompanhar de longe o que ocorre no Brasil”, não tendo, por isso, alterado a sua forma de escrita em função do novo acordo. Contudo, assume que “as mudanças na norma do Brasil são três vezes menores em comparação com as ocorridas na norma europeia”.
Contudo, levanta outra questão: “Neste ano de 2009, devemos começar a implementar o acordo em Macau?”. De acordo com o académico, falta um esclarecimento por parte “das instituições do Governo, que ainda não se manifestaram oficialmente sobre o assunto”.

Evitar o desperdício

Por seu turno, o vice-presidente da Associação dos Amigos de Moçambique, Carlos Barreto, está inteiramente de acordo com a adopção do acordo ortográfico. Os motivos são simples: “Tempo é dinheiro – estar a escrever coisas sem utilidade é um desperdício.” Considerando que o acordo apenas vem “simplificar” a língua, este moçambicano apenas vê vantagens. E, acredita, “com o tempo as pessoas habituam-se e ultrapassam todas as dificuldades”.
E, realça, o mais importante é que se está a “falar da língua portuguesa”, que pode ter um dado sotaque nos diferentes países. Do seu contacto com moçambicanos, Carlos Barreto apercebe-se que o português, naquele país africano, teve uma evolução, tornando-se “mais parecido com o brasileiro”, o que, talvez, seja reflexo da “política comercial”.
E, mais importante do que a identidade, na opinião deste engenheiro de produção industrial, colocam-se questões de ordem prática. “Quem compra? Quem lê?”, interroga. Assim, acha normal que o modelo adoptado para o acordo ortográfico seja o brasileiro.
Já o estudante de Direito, natural de Portugal, mas de origem guineense, Taylor Gomes, discorda da adopção deste acordo. “Portugal não deve ceder ao Brasil”, afirma, acrescentando que se “pode perder a identidade portuguesa” cedendo à “pressão das massas”.
Para Taylor Gomes, é de louvar a aproximação entre os dois países, apesar de discordar da fórmula utilizada. “O português de matriz de Portugal é que devia prevalecer”, realça.

L.L.


Editorial

Luxos

No tempo em que os portugueses ainda davam importância ao que o actual primeiro-ministro dizia, o fascínio de José Sócrates em relação ao sistema de ensino finlandês mereceu páginas e mais páginas nos jornais, com especialistas a dissecarem as razões do sucesso daquele país nórdico.
Na altura, Sócrates elegeu o modelo finlandês como exemplo, prometendo aplicar em Portugal medidas que permitissem tornar o sistema de ensino mais moderno e eficaz. Passados cerca de três anos, o resultado está muito longe de ser satisfatório.
Não será inteiramente culpa do primeiro-ministro, até porque a área da Educação, em Portugal, há muito que é dominada por estruturas sindicais controladas por militantes comunistas, que confundem o interesse dos alunos com os objectivos da força partidária que servem.
Mas se não conseguimos chegar aos calcanhares da Finlândia, no que diz respeito à capacidade do sistema de ensino formar alunos que saibam um pouco mais do que somar e subtrair, há outras áreas em que estamos ombro a ombro com aquele país nórdico.
Enquanto por toda a Europa as vendas de automóveis novos desceram a pique, no canteiro lusitano à beira-mar plantado aumentaram, com o número de novas viaturas em circulação a crescer quase 40 por cento, no espaço de um ano. E aqui, fazemos sombra aos nossos parceiros nórdicos, porque apenas na Finlândia se verificou o mesmo fenómeno.
José Sócrates pode dar-se por moderadamente satisfeito. Ainda não conseguimos imitar o sucesso do sistema de ensino finlandês, mas para lá caminhamos. Ou melhor, conduzimos, porque ao volante de um carro novo é mais confortável.

Paulo Reis


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DIRECTOR Paulo Reis REDACÇÃO Isabel Castro, Rui Cid, João Paulo Meneses (Portugal); COLABORADORES Cristina Lobo; Paulo A. Azevedo; Luciana Leitão; Vítor Rebelo DESIGN Inês de Campos Alves PAGINAÇÃO José Figueiredo; Maria Soares FOTOGRAFIA Carmo Correia; Frank Regourd AGÊNCIA Lusa PUBLICIDADE Karen Leong PROPRIEDADE, ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Praia Grande Edições, Lda IMPRESSÃO Tipografia Welfare, Ltd MORADA Alameda Dr Carlos d'Assumpção 263, edf China Civil Plaza, 7º andar I, Macau TELEFONE 28339566/28338583 FAX 28339563 E-MAIL pontofinalmacau@gmail.com