10.28.2008

O homem que sabe de Singapura

É, certamente, o português mais conhecedor da realidade económica de Singapura e Malásia. Esteve, está e quer continuar a estar em diversos negócios. Uma embaixada dava muito jeito.

João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com

Numa altura em que se assinala o primeiro ano de funcionamento do Centro de Negócios portugueses em Singapura, promovido pelo AICEP (antigo ICEP), importa contar a história da pessoa que, antes do governo e privados pensarem em Singapura, mais se interessou por levar empresas portuguesas para esse país e, como veremos adiante, com sucesso, empresas de Singapura para Portugal.
Há vários anos que João Santos Lucas é o "embaixador" dos negócios portugueses em Singapura, tendo começado por interesse próprio e sem apoios. Santos Lucas recorda que, quando se iniciou, através do vinho português, "aproveitando todas as oportunidades desde feiras, provas de vinhos em clubes, promoções de eventos", organizou "uma quinzena de Portugal num muito conhecido hotel com a participação de um chefe e um enólogo vindos de Portugal que orientaram seminários sobre vinhos e culinária portuguesa e deram entrevistas na rádio e televisão. Iniciativas que não tiveram quaisquer apoios financeiros por parte do Estado português".
Alguns anos passaram e Singapura (tal como a Malásia) é hoje um mercado muito mais importante. Mas onde Portugal não tem embaixada.
A abertura, há um ano, de um Centro de Negócios, que se preocupa com os mercados de Singapura, Japão, Coreia do Sul e Malásia (além de procurar acompanhar de perto a evolução no Vietname e Tailândia bem como de outros países do sudeste asiático) é um sinal de que as coisas estão a mudar.
Ainda assim, são raras as empresas portuguesas presentes realmente em Singapura, mas um dos grandes negócios realizados em Portugal nos últimos anos tem uma empresa de Singapura: o envolvimento da Port of Singapore Authority (PSA) no Porto de Sines.

Sensibilizar as elites

João Santos Lucas, que vive em Singapura desde meados desta década, é gestor e conselheiro para os Assuntos do Sudeste Asiático. Trabalha com empresas e instituições portuguesas mas também aconselha clientes da região que tenham interesses em Portugal.
AO PONTO FINAL Santos Lucas explica que "a minha acção na Ásia tem-se desdobrado em muitas outras direcções. Dei apoio à AEP na organização de missões de empresas portuguesas a Singapura e de empresas de Singapura e da Malásia a Portugal. Tenho desenvolvido projectos com empresas locais para introduzir produtos portugueses na China. Tenho levado a cabo a pesquisa de produtos para empresas portuguesas e dos PALOP. Identifiquei oportunidades de investimento para empresas portuguesas. Uma das mais importantes empresas de Singapura veio a interessar-se por um importante projecto nacional".
Além desta actividade, o economista mantém uma ‘frenética’ iniciativa na blogosfera, onde alimenta blogues sobre as relações de Portugal com os diversos países da região ("o objectivo consiste em contribuir para a tomada de consciência das elites portuguesas face ao desenvolvimento das ásias bem como a promover as relações políticas, económica s e culturais entre Portugal e os países asiáticos" e assina, há dois anos, crónicas regulares no Diário Económico, sobre, precisamente, a realidade do Sudeste Asiático, em concreto Singapura e Malásia. Num desses artigos podia ler-se que "as exportações para a Malásia tiveram um crescimento de 660%, em relação a igual período do ano passado, e seguem um padrão de exportações semelhante ao de Singapura, já que 87% são produtos electrónicos, entre estes circuitos integrados. A exploração de outros mercados, por parte das empresas portuguesas, só teria a ganhar com a abertura duma Embaixada nestes países e com o desenvolvimento duma forte articulação com a nossa diplomacia".

Do vinho ao software

No princípio foi realmente o vinho. Santos Lucas recorda que, na região onde opera, no início desta década, "a imagem de Portugal em Singapura era ténue e negativa, associada em larga medida ao processo de independência de Timor Leste a que a ASEAN se opunha por solidariedade com a Indonésia. Havia o passado colonial e Malaca e tudo o que de positivo e negativo a imaginação popular se lhes associa".
Para tentar mudar esta realidade, havia que "introduzir o nosso país pela positiva, com algo que despertasse a curiosidade, o interesse e o prazer em partilhar algo português". O vinho, portanto. Santos Lucas começou então a mostrar o vinho português em feiras, exposições e pequenas mostras realizadas com o seu empenho e o de alguns produtores portugueses. "Esta estratégia manteve-se com a participação nas competições e nas feiras do sector como a Wine for Asia e a Food Hotel Asia. O pavilhão de Portugal na Wine for Asia 2007 mereceu tal destaque que a empresa local que o concebeu e produziu veio a adquirir o próprio certame".
Hoje já outras empresas portuguesas em Singapura e Malásia, com destaque para a Altitude Software, que abriu um escritório no primeiro desses países, virado para a região Ásia-Pacífico. Há também negócios com a Efacec, com construtoras ou com software de saúde. Mas o vinho continua a ser o mais dinâmico.
Num recente relatório do Instituto Nacional de Estatística, sobre comércio extra-comunitário, podia ler-se que "Singapura, permanece como o mais importante país de destino na sub-região e o 3º em termos globais, apenas ultrapassado pelos Estados Unidos e Angola". Já a "Malásia tornou-se o 4º principal país de destino extra-UE para os bens nacionais, em termos globais, e o Japão o 5º país de destino" (dados relativos a 2007).

Viver em
Singapura

A ligação de João Santos Lucas à região começou, de forma indirecta, quando fez estudos pós graduados na Universidade de Minnesota, no princípio dos anos 80. "Os meus amigos mais chegados eram do Japão, Coreia do Sul, Singapura, Malásia, Índia e Paquistão. Alguns norte-americanos também. Algumas dessas amizades mantiveram-se activas, com potenciais benefícios para Portugal". Depois, em 1983, visitou Singapura "e fiquei rendido. A Ásia passou a deter uma importante parte das minhas leituras e análises comparativas".
Santos Lucas regressou a Portugal, onde desenvolveu actividades em empresas e deu aulas, mas "há cerca de dez anos os laços com a Ásia estreitaram-se por casamento com uma cidadã de Singapura. Passei a fazer parte de uma família numerosa cujos membros são de origem indiana, chinesa e malaia. Desde então fui fazendo a minha integração nas sociedades de Singapura e da Malásia, nas diversas culturas, nas redes de amigos, de profissionais e de empresários. E, apesar da distância e das limitações físicas, fui tomando iniciativas promovendo em Singapura quer a imagem de Portugal quer a dos produtos portugueses de qualidade, potenciando ao máximo o período de férias de que dispunha com o apoio local". Em 2002, no âmbito do Trade and Development Board (hoje denominado International Entreprise Singapore) "fui co-organizador da primeira missão comercial de Singapura a Portugal, em 2002, tendo já então envolvido a AEP".
Em meados de 2003, já liberto dos compromissos na Universidade Nova de Lisboa e já sem a ligação ao grupo económico onde desempenhava funções executivas, "considerei que fazia mais sentido contribuir para o relançamento das relações políticas, económicas e culturais entre Portugal e a Ásia, particularmente com Singapura e a Malásia, do que fazer mais do mesmo em Portugal. Em Janeiro de 2006, dei mesmo a conhecer ao MNE, e à então denominada API, a minha disponibilidade para apoiar iniciativas portuguesas nestas paragens". E passou a viver em Singapura.
João Santos Lucas não visita Macau desde os anos 80, mas lembra-se que apresentou ao governo de então "um programa que exigia uma liderança público-privada a qual nunca pôde ser posta em prática".

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