10.29.2008

Deputados duvidam da necessidade de agravamento das penas

Lei da droga não convence

É mais um diploma apresentado pelo Governo que deixa muitas dúvidas à Assembleia Legislativa. Começaram ontem os trabalhos em sede de comissão da chamada lei da droga, proposta que vem endurecer as penas de prisão para consumidores e traficantes de estupefacientes. Os deputados querem razões plausíveis para deixarem o articulado seguir. É que a prisão “só faz mal”.

Isabel Castro

É o espírito ressocializante a ser chamado à colação, em detrimento da punição que pode ser gratuita, por excessiva. A 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL) tem sérias dúvidas acerca das razões que fizeram o Governo avançar com uma proposta de lei de combate aos estupefacientes que contempla molduras penais bastante mais duras do que as vigentes.
Os deputados entendem não existir uma correspondência entre a realidade e as justificações apresentadas pelo proponente. Por isso, vão ouvir o Governo, numa reunião que deverá acontecer já para a semana. Querem ainda saber o que têm a dizer as associações que trabalham no quotidiano com os toxicodependentes e que conhecem bem a realidade local.
“Verificámos nesta proposta que houve uma significativa alteração em termos de política criminal”, começou por explicar Fong Chi Keong, presidente da comissão encarregue de analisar a proposta de lei que dá pelo nome de “proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”. “Na nota justificativa, refere-se que as actividades relacionadas com a droga tendem a subir. Mas trata-se essencialmente do tráfico de quantidades diminutas por indivíduos de passagem por Macau”, sustentou o deputado.
A Assembleia quer dados que lhe permitam decidir da necessidade real do aumento das molduras penais. “Será que a situação é assim tão grave?”, perguntou o presidente da comissão, dando a entender não acreditar na seriedade da situação, pelo menos tal qual ela é descrita na proposta elaborada pelo Governo.
Fong aposta mais na via ressocializante pela qual se rege o Direito Penal de Macau, até porque a lei em causa poderá ter consequências relevantes para os jovens do território: “Há muitas razões que levam os jovens a consumir drogas. Às vezes é só para experimentar... Temos que dar oportunidades aos jovens, reforçar a educação e a sensibilização. A proposta de lei não contempla nada disto.”
O articulado em causa termina com o tipo legal do traficante de quantidades diminutas e coloca todos os acusados de tráfico no mesmo saco, ou seja, dentro de uma só moldura penal. Na lei em vigor, o traficante de quantidades diminutas (aquele que vende apenas para poder consumir) não pode ser condenado a mais de dois anos de prisão. O novo diploma, a ser aprovado tal como está, coloca este traficante ao mesmo nível daqueles que o são com outros objectivos e quantidades de estupefacientes. Caberá ao juízes encontrar a pena adequada em molduras que a proposta de lei aumenta significativamente.
Para Fong Chi Keong, “a lei deve ser clara” nesta matéria: “As molduras penais são excessivas, vão de três a 12 anos e de um a oito. Fica, assim, ao critério dos juízes. Porque há esta diferença tão grande?”, questionou, reflectindo assim mais um dúvida da comissão. Na conferência de imprensa depois da reunião da comissão, o deputado fez ainda comparações com outros crimes e respectivas penas, para concluir que é necessária uma “harmonia” entre os diferentes delitos e respectivas punições dentro do mesmo ordenamento jurídico.

Nas mãos da polícia

Embora tenha afastado a hipótese de descriminalização das chamadas drogas leves, porque as “organizações internacionais indicam que o consumo prologando faz mal”, o presidente da Comissão Permanente relativizou a seriedade do consumo de estupefacientes em Macau, defendendo que “a pena de prisão só traz malefícios”. “Não é um crime grave, está classificado em 10º ou em 11º lugar na tabela de crimes”, sublinhou. “Tenho amigos no Canadá que fumam haxixe como se fosse um medicamento, em pequenas quantidades. Ninguém liga”, contou. Ora, a realidade local demonstra que o Governo de Macau tem outra percepção da questão: quer aumentar a pena de prisão dos actuais três meses para meio ano.
Para o deputado, no actual decreto-lei sobre a matéria “as penas não são leves”. No estilo que lhe é bem característico, Fong deixou uma sugestão à polícia – “Faça mais diligências, investigue mais, aplique a lei em vigor”. Pelos vistos, até os deputados sabem onde anda este tipo de crime. “É nos estabelecimentos nocturnos que se consomem drogas.”
A Assembleia Legislativa parece assim ir ao encontro de quem lida de perto com os toxicodependentes de Macau. Desde que a proposta de lei em causa foi apresentada, foram já algumas as vozes que se manifestaram contra o endurecimento da lei. Alegam que a actual já é demasiado punitiva e defendem que os esforços governativos se deveriam concentrar na prevenção.
Noutra perspectiva, as dúvidas dos deputados surgem numa óptica bem distinta da do Gabinete do Procurador da RAEM, que já afirmou publicamente ser favorável a uma revisão da lei vigente. Ho Chio Meng não faz a mesma leitura de Fong Chi Keong, pois considera preocupante a situação actual de Macau no que à droga diz respeito.

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