10.28.2008

Seminário sobre as eleições norte-americanas na Universidade de Macau

Obama, a cor da pele e os eleitores mentirosos

As presidenciais norte-americanas do próximo mês podem ter consequências importantes para a ciência política. Vai ser testado pela primeira vez, a nível nacional, o grau de sinceridade dos eleitores em relação aos preconceitos raciais. Isto num momento em que a economia preocupa e o país se encontra dividido.

Isabel Castro

É um teste único ao grau de honestidade dos eleitores em relação à tendência de voto manifestada nas sondagens. Pela primeira vez a nível nacional, os académicos das Ciências Políticas vão ter a oportunidade de perceber se a América continua a ser afectada por preconceitos raciais. Barack Obama, o primeiro candidato negro a presidente dos EUA, tem vindo a distanciar-se do republicano John McCain. Resta saber se esta margem confortável se traduzirá em votos reais no próximo dia 4 de Novembro.
A este fenómeno da discrepância entre sondagens e resultados das eleições quando, na corrida, está um candidato “afro-americano”, chama-se “efeito Bradley”. A questão foi abordada na passada sexta-feira por Michael Roskin, professor de Ciências Políticas, orador de um seminário sobre as eleições norte-americanas e as suas especificidades.
“Julgo que o efeito Bradley ainda está vivo e a liderança de Obama nas sondagens, com cinco por cento ou mais, irá desaparecer no dia das eleições”, afirma Roskin. “A questão racial continua a ser forte nos Estados Unidos. Muitos americanos continuam a ter sentimentos racistas, uns de forma inconsciente, sendo que outros preferem não falar sobre o assunto”, explica o professor. “Mas existe de forma enraizada e é esta a origem do efeito Bradley.”
O conceito surgiu em 1982, ano em que o “afro-americano” Tom Bradley, à altura “mayor” de Los Angeles, concorreu a Governador da Califórnia, contra o republicano branco George Deukmejian. As sondagens dos dias anteriores às eleições e mesmo as feitas à boca das urnas davam a vitória confortável a Bradley. No entanto, o democrata perdeu. Estudos posteriores apontam a razão principal: muitas das respostas dadas nos inquéritos sobre o sentido de voto, especialmente pelos indecisos, foram condicionadas pela noção do que é politicamente correcto. No momento do voto secreto, finda a necessidade de pruridos de tal ordem.
As grandes preocupações em relação à economia poderão dissipar o efeito Bradley, alerta Michael Roskin. “E por isso é que será um teste tão interessante. O efeito Bradley aplica-se essencialmente no contexto dos valores não económicos”, ou seja, quando o eleitor escolhe o candidato mais pelos valores que defende (como a importância da família ou o posicionamento em relação ao aborto) e menos pela relevância que dá aos assuntos de índole económica.
Numa campanha que adquiriu contornos e prioridades distintas desde que a crise financeira começou a estar na ordem do dia, com assuntos como a presença no Iraque a serem menos abordados, a questão reside agora no grau de “susto” do eleitorado. “Tudo dependerá do quão assustados vão estar os americanos no dia das eleições em relação aos seus empregos, poupanças e pensões de reforma. Talvez isso seja suficiente para dissipar o efeito Bradley”, refere o professor de Ciências Políticas.

A China e a mudança de discurso

No actual contexto económico, o candidato democrata sai favorecido. “Quanto pior estiver a situação económica, melhor será para Obama”, constata Roskin. “Repare-se, contudo, que ele tem muito cuidado em mostrar-se optimista. É uma regra das eleições norte-americanas: o vencedor é sempre o candidato mais optimista, aquele que diz que as coisas vão melhorar, que é como quem diz, é ele que as vai tornar melhores.”
Durante o seminário da Universidade de Macau, o docente chamou ainda a atenção para outro fenómeno que afecta, neste momento, o país onde nasceu: a grande divisão do eleitorado. Esta oposição extrema não é um bom indicador, considera Michael Roskin. Na curva do eleitorado, a zona central encontra-se dividida numa nova curva. “De certa forma, estamos perante uma situação como a que se vivia durante a guerra civil espanhola e os tempos de Franco”, compara o professor. “Há uma bipolarização grande que faz com que metade da América nem sequer fale com a outra metade”, ironiza.
É com alguma ironia também que Roskin analisa a postura dos candidatos à presidência norte-americana no que a Pequim diz respeito. “Existe algo muito interessante no que toca às relações com a China: os candidatos eleitos assumem funções dizendo que vão ser duros com Pequim, em questões como a paridade da moeda, protecção da propriedade intelectual, direitos humanos e preparação militar em relação a Taiwan.” Uma verdade que se aplica tanto a republicanos como aos democratas.
“Todos eles prometem intransigência. No entanto, na primeira semana de exercício do mandato, o discurso muda. Alguém lhes explica a quantidade de dinheiro chinês que há nos Estados Unidos e as consequências do desinvestimento.” É uma perspectiva da China “mais interna, menos internacional”. Tendo em conta esta inclinação na postura dos diferentes candidatos e presidentes, as eleições de 4 de Novembro não deverão trazer grandes novidades para as relações sino-americanas, conclui o professor.

Macau e os intelectuais

Entre a “inexperiência” de Barack Obama e a o “feitio duro” de John McCain, Michael Roskin confessa a sua preferência pelo democrata, dizendo ser “o candidato menos mau”. “Obama talvez possa ser inexperiente, mas parece ser uma pessoa calma e ponderada, enquanto McCain é conhecido pelas suas explosões de raiva, o que é assustador tanto do ponto de vista da economia, como das relações internacionais.”
No acto eleitoral do próximo mês, prossegue, será ainda interessante observar um outro efeito - o Palin. “Será que Sarah Palin [candidata à vice-presidência pelo Partido Republicano] vai buscar os votos de muitas mulheres, algumas delas antigas apoiantes de Hillary Clinton? Ou só conseguiu convencer mulheres republicanas conservadoras?”, lança. “As feministas não gostam dela, entendem que os seus valores conservadores vão contra o feminismo. A escolha de Palin poderá ter como efeito algumas mulheres feministas republicanas votarem em Obama”, prevê.
Quanto ao posicionamento político da comunidade norte-americana de Macau, Michael Roskin, residente na RAEM, confessa não ser capaz de traçar um quadro geral acurado. “Os americanos que conheço, especialmente aqui na Universidade, são intelectuais, pelo que são, previsivelmente, pró Obama. Não se trata de uma boa amostra. Acredito que, no caso dos empresários, o cenário seja mais equilibrado.”

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