12.01.2008

Arguidos do processo conexo ao de Ao Man Long continuam à espera da decisão final

Recurso do MP ainda não chegou à Última Instância

Ainda não há qualquer indicação de que o recurso apresentado pelo Ministério Público sobre o processo dos familiares de Ao Man Long, Frederico Nolasco e Chan Tong Sang tenha chegado ao Tribunal de Última Instância. Os cinco arguidos continuam, deste modo, à espera da decisão final da Justiça. Que lhes poderá ser muito desfavorável caso o TUI aceite o recurso e dê razão à procuradora-adjunta responsável pelo caso.

Isabel Castro

É um processo que pode conhecer o desfecho de um dia para o outro. Ou não – ainda pode arrastar-se por mais algum tempo. Tudo depende do Tribunal de Última Instância (TUI) e da interpretação que fizer acerca das disposições do Código de Processo Penal (CPP) em relação à admissibilidade do recurso e das condições que os seus juízes têm para julgar o caso em questão. Mas para que o TUI se pronuncie sobre a argumentação do Ministério Público (MP), é preciso que esta lhe chegue às mãos. O que ainda não aconteceu.
De acordo com o que PONTO FINAL apurou, o recurso interposto pelo MP encontra-se ainda no Tribunal de Segunda Instância (TSI). Nos últimos dias, os advogados dos arguidos apresentaram contra-alegações. Compete agora ao juiz relator do processo fazer com que o processo suba de instância. Quando der entrada no tribunal presidido por Sam Hou Fai, não há qualquer prazo formal para que a instância se pronuncie sobre a sua admissibilidade.
Recorde-se que existem sérias dúvidas de que o MP possa levar avante a sua pretensão. E isto porque o CPP não admite recursos de acórdãos proferidos, em sede de recurso, pelo TSI, em processos por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos. Ou seja, o que conta é a medida abstracta de cada crime e não a medida concreta da pena. Esta situação aplica-se a todos os arguidos.

O que quer o MP?

O recurso interposto pelo Ministério Público causou alguma surpresa. A procuradora-adjunta tinha-se mostrado favorável a uma redução das medidas das penas aplicadas pelo Tribunal Judicial de Base (TJB), o que veio a acontecer. O TSI diminuiu, e em muito, as penas aplicadas a Ao Veng Kong, Ao Man Fu e Ao Chan Wai Choi (pai, irmão e cunhada do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, respectivamente), por entender que deveria ser feita a qualificação de crime continuado em relação à prática delituosa dos arguidos. Os familiares de Ao Man Long tinham sido condenados por vários crimes de branqueamento capitais em cúmulo jurídico.
Ao que o PONTO FINAL apurou, a qualificação de crime continuado (que possibilitou a redução da medida concreta das penas) não convence o MP, que entende que não se verificam todos os requisitos determinados na lei, nomeadamente a existência de uma situação exterior facilitadora da execução dos crimes que demonstre a diminuição da culpa. Dos três familiares, Ao Man Fu foi o mais beneficiado pela nova avaliação do processo: tinha sido condenado pelo colectivo presidido por Alice Costa a 18 anos, mas a Segunda Instância diminuiu a pena de prisão efectiva para cinco anos.
O casal Ao Man Fu e Ao Chan Wai Choi continuam em prisão preventiva, no Estabelecimento Prisional de Coloane. O mesmo sucede com Ao Veng Kong que está, no entanto, detido na cela prisional do Centro Hospitalar Conde de São Januário, por se encontrar doente - o octogenário sofre de cancro há alguns anos.

A favor das indemnizações

O recurso interposto pelo MP também tem como objecto parte da decisão do TSI em relação aos empresários envolvidos – Frederico Nolasco da Silva e Chan Tong Sang. O administrador da CSR – Macau é o mais visado: não só o Ministério Público não concorda com a absolvição, pelo TSI, de um crime de branqueamento de capitais pelo qual Nolasco da Silva tinha sido condenado (absolvição esta que permitiu, em parte, reduzir a pena de prisão de dez para seis anos), como defende que o empresário deve pagar uma indemnização à RAEM. Neste ponto entra também Chan Tong Sang: o MP alega danos morais para pedir ao TUI que determine o pagamento de uma indemnização pelos crimes cometidos pelo patrão da Chong Tit.
Na decisão proferida no passado dia 30, a Segunda Instância decidiu absolver os dois empresários das indemnizações determinadas pelo TJB: Frederico Nolasco da Silva tinha sido condenado ao pagamento de 30 milhões de patacas e Chan Tong Sang a 20 milhões. O TSI não encontrou fundamentação suficiente para justificar os valores. Agora, o MP pretende que esse cálculo seja feito pelo Tribunal de Última Instância.
Com os efeitos suspensivos do recurso apresentado pelo MP, os empresários continuam em liberdade. Chan Tong Sang, que viu a sua pena reduzida de sete anos de prisão para cinco anos e três meses, não chegou a comparecer em tribunal, uma vez que, ao abrigo do CPP, deu autorização para que o julgamento decorresse sem a sua presença. Nolasco da Silva não pode ausentar-se do território.

A versão do Va Kio

Na edição do passado domingo, o Va Kio fez um artigo sobre o caso em que deu a conhecer a posição do Ministério Público. Porém, o entendimento que o Va Kio faz do recurso é diferente. Fazendo referência a fonte do Ministério Público, o jornal esclarece que em causa não estão as reduções das penas de prisão do acórdão do TSI. “O MP respeita a decisão do tribunal”, lia-se no artigo.
O que levou, então, à interposição do recurso? “As diferenças entre os dois tribunais [TJB e TUI] fazem com que o Ministério Público tenha a responsabilidade de recorrer para a Última Instância”, continua o texto. “Espera-se uma clarificação das questões apresentadas”, refere ainda.
Ora, o MP não pediu uma aclaração do acórdão da Segunda Instância – essa pretensão foi manifestada pelos arguidos e recusada pelo TSI. De acordo com fontes deste jornal, no recurso pretende-se, efectivamente, uma reavaliação da decisão da Segunda Instância, nos três aspectos focados.
Como o PONTO FINAL noticiou, o TUI poderá não considerar admissível o recurso do MP – e, se assim for, o caso é dado por concluído. Mas o desfecho deste processo poderá também acontecer caso os três juízes da Última Instância se considerem impedidos para julgar, uma vez que já tomaram uma decisão num processo conexo. Recorde-se que foi a Última Instância a julgar e a condenar a 27 anos de prisão o antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas.
O colectivo que julgou o ex-governante contou com a presença de um juiz do Tribunal de Segunda Instância, Lai Kin Hong, uma vez que Chu Kin, magistrado judicial do TUI, tinha participado na fase de instrução.
A questão voltou a colocar-se mais recentemente: para o julgamento em sede de recurso do processo dos familiares de Ao Man Long, o presidente do TSI, Lai Kin Hong, terá invocado impedimento, pelo que o processo foi reavaliado por José Maria Dias Azedo, o juiz relator, Chan Kuong Seng e Choi Mou Pan. Ou seja, Lai Kin Hong terá sentido que, por ter julgado Ao Man Long, já tinha assumido uma posição em relação ao caso.
O CPP determina o impedimento por participação em processo, explicando que “nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido”. Refere ainda a mesma codificação que “os actos praticados por juiz impedido são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo”. A declaração de impedimento pode ser requerida pelos arguidos.

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