A cidade das tentações
À porta da sede da Confraternidade Evangelístico Industrial, dezenas de pessoas jogam, descontraidamente, mahjong. “Vê? É este o problema de Macau. Tem demasiadas tentações”, diz Leung Ming Yan, apontando para as mesas.
Sendo uma das responsáveis por uma organização não governamental que actua no território para prevenir e reabilitar o jogador compulsivo, não tem mãos a medir. “Abrimos há sete anos em Hong Kong. Só depois viemos para Macau”, explica.
A actuação dá-se a três níveis. “Em primeiro lugar, temos uma linha telefónica de emergência, temos reuniões com assistentes sociais e, finalmente, terapia de grupo para os indivíduos viciados e seus familiares”, esclarece.
Para divulgar o trabalho, optam por distribuir brochuras, colar posters em casinos, ou então via Internet. Por vezes são os próprios indivíduos viciados que procuram os serviços deste organismo, outras vezes são os familiares. “Por exemplo, um filho preocupado que se encontra a residir no Canadá pediu aos pais para se deslocarem ao nosso centro”, conta.
Os motivos
Alguns aparecem nesta ONG apenas para “partilhar” histórias, outros “vêm em busca de ajuda”, enquanto alguns só “querem conselhos”. Neste último caso, normalmente são os familiares que precisam de uma orientação.
Quanto à linha telefónica de emergência, aqueles que a utilizam normalmente revelam “problemas emocionais, comportamentos impulsivos”, sendo, muitas vezes, ex-jogadores com medo de recair. Frequentemente, acabam por “passar da linha telefónica para as reuniões individuais” e, depois, para as reuniões de grupo.
Há quem não encare com bons olhos a terapia de grupo, apesar de Leung Ming Yan defender este método. “Quando ouvem histórias de antigos jogadores, com experiências semelhantes, acaba por servir de espelho para a sua própria experiência. E um incentivo extra para largar o vício”, defende.
Seja como for, independentemente do método utilizado, certo é que “abandonar” o vício do jogo é uma batalha que terá de ser travada durante toda a sua vida, especialmente em Macau, onde a “tentação é grande”. “Alguns deixam de jogar durante cinco anos e depois, de repente, retomam”, conta a responsável.
O pensamento chinês
Há quem apenas utilize a linha telefónica esporadicamente, enquanto outros optam por avançar para a segunda fase, escolhendo o método das reuniões regulares. E outros há ainda que das reuniões individuais passam para a terapia de grupo, preferindo a partilha de histórias.
O medo de “perder a face”, contando cara a cara a sua história, acaba por inibir muitas pessoas de se deslocarem à Confraternidade Evangelístico Industrial, ficando-se apenas pelos telefonemas esporádicos para a linha de emergência. “É o pensamento chinês. Não querem confrontar-se com ninguém. Têm medo que a sua história se espalhe para outras pessoas”, explica.
Os outros problemas
Na opinião de Leung Ming Yan, jogar é apenas “a ponta do icebergue” porque, na realidade, há todo um conjunto de problemas que advêm deste comportamento compulsivo. “Há um desequilíbrio emocional, uma deterioração de relacionamentos, a pressão no trabalho, um misto de situações humanas”, diz. No fundo, um círculo vicioso, até porque, quanto mais problemas tiverem, maior a vontade de jogar “para escapar”.
E só quando batem no fundo do poço é que procuram ajuda. “Podem decorrer anos até que isso aconteça”, explica.
Um padrão
Procurando encontrar um padrão nos casos que chegam diariamente à Confraternidade Evangelístico Industrial, Leung Ming Yan afirma que “mais de metade dos indivíduos têm empregos ligados aos casinos”. O motivo? “Observam os outros jogadores e aprendem as técnicas. Depois do trabalho, vão para outros casinos”, responde.
Na opinião de Leung Ming Yan, tal não significa que o problema seja apenas o emprego e que, para se libertar do vício, deverão abandonar o casino. “Por vezes, podem desenvolver este vício, mas o emprego é apenas parte do problema. O problema é o que não se vê – a comunicação com o marido, problemas familiares”, exemplifica.
Os restantes jogadores compulsivos pertencem a outros sectores da sociedade, tratando-se de agentes da polícia, oficiais, empresários, domésticas, cozinheiros, que normalmente “apenas completaram o ensino secundário”, contando-se também, entre estes, alguns trabalhadores da construção civil e de restaurantes.
Independentemente dos métodos de tratamento, o que é certo é que se deve apostar numa maior prevenção, sobretudo através da divulgação de mais informação. “O Governo deveria melhorar o conhecimento público sobre os problemas do jogo” e os diferentes organismos que proporcionam tratamento. “As pessoas precisam de ter conhecimento das tentações da vida. No caso dos casinos, deverão ser eles próprios a ter maiores responsabilidades em passar a informação”, acrescenta.
O “boom”
A funcionar em Macau desde 2004, a Confraternidade Evangelístico Industrial já seguiu um total de 134 casos, sendo que 43 deram entrada apenas este ano. O que não significa, necessariamente, que se tratem de casos recentes, já que muitos destes “só quando batem no fundo do poço é que procuram ajuda”. Esse “fundo do poço” pode passar por “pedir consecutivamente dinheiro emprestado a familiares, vender a própria casa, problemas de negócios”. Leung Ming Yan recorda-se, por exemplo, de um caso em que foi a mulher do jogador que veio pedir ajuda. “Ele já tinha perdido mais de quatro milhões de dólares de Hong Kong e ainda continuava a pedir dinheiro emprestado”, conta. Outros há que não ficam sem muito dinheiro, mas as suas perdas são de outra índole, como “um divórcio”.
E, alerta, há sinais a que amigos e familiares devem estar atentos para perceber que estão perante um caso de um jogador compulsivo. “Se continuam a pedir dinheiro emprestado sem devolver. Alguns, inclusivamente, tentam suicidar-se”, diz, explicando que, muitas vezes, ligam para a linha de emergência a avisar que estão a pensar em matar-se. Ao interlocutor resta-lhe impedir o pior e tentar convencê-lo a dirigir-se ao centro para um acompanhamento mais personalizado.
Além da Confraternidade Evangelístico Industrial, o Centro Yat On, o Gabinete Coordenador dos Serviços Sociais Sheng Kung Hui e a Associação Geral dos Operários de Macau são exemplos de outras ONG encarregues do trabalho de prevenção e reabilitação de jogadores compulsivos.
L.L.
À porta da sede da Confraternidade Evangelístico Industrial, dezenas de pessoas jogam, descontraidamente, mahjong. “Vê? É este o problema de Macau. Tem demasiadas tentações”, diz Leung Ming Yan, apontando para as mesas.
Sendo uma das responsáveis por uma organização não governamental que actua no território para prevenir e reabilitar o jogador compulsivo, não tem mãos a medir. “Abrimos há sete anos em Hong Kong. Só depois viemos para Macau”, explica.
A actuação dá-se a três níveis. “Em primeiro lugar, temos uma linha telefónica de emergência, temos reuniões com assistentes sociais e, finalmente, terapia de grupo para os indivíduos viciados e seus familiares”, esclarece.
Para divulgar o trabalho, optam por distribuir brochuras, colar posters em casinos, ou então via Internet. Por vezes são os próprios indivíduos viciados que procuram os serviços deste organismo, outras vezes são os familiares. “Por exemplo, um filho preocupado que se encontra a residir no Canadá pediu aos pais para se deslocarem ao nosso centro”, conta.
Os motivos
Alguns aparecem nesta ONG apenas para “partilhar” histórias, outros “vêm em busca de ajuda”, enquanto alguns só “querem conselhos”. Neste último caso, normalmente são os familiares que precisam de uma orientação.
Quanto à linha telefónica de emergência, aqueles que a utilizam normalmente revelam “problemas emocionais, comportamentos impulsivos”, sendo, muitas vezes, ex-jogadores com medo de recair. Frequentemente, acabam por “passar da linha telefónica para as reuniões individuais” e, depois, para as reuniões de grupo.
Há quem não encare com bons olhos a terapia de grupo, apesar de Leung Ming Yan defender este método. “Quando ouvem histórias de antigos jogadores, com experiências semelhantes, acaba por servir de espelho para a sua própria experiência. E um incentivo extra para largar o vício”, defende.
Seja como for, independentemente do método utilizado, certo é que “abandonar” o vício do jogo é uma batalha que terá de ser travada durante toda a sua vida, especialmente em Macau, onde a “tentação é grande”. “Alguns deixam de jogar durante cinco anos e depois, de repente, retomam”, conta a responsável.
O pensamento chinês
Há quem apenas utilize a linha telefónica esporadicamente, enquanto outros optam por avançar para a segunda fase, escolhendo o método das reuniões regulares. E outros há ainda que das reuniões individuais passam para a terapia de grupo, preferindo a partilha de histórias.
O medo de “perder a face”, contando cara a cara a sua história, acaba por inibir muitas pessoas de se deslocarem à Confraternidade Evangelístico Industrial, ficando-se apenas pelos telefonemas esporádicos para a linha de emergência. “É o pensamento chinês. Não querem confrontar-se com ninguém. Têm medo que a sua história se espalhe para outras pessoas”, explica.
Os outros problemas
Na opinião de Leung Ming Yan, jogar é apenas “a ponta do icebergue” porque, na realidade, há todo um conjunto de problemas que advêm deste comportamento compulsivo. “Há um desequilíbrio emocional, uma deterioração de relacionamentos, a pressão no trabalho, um misto de situações humanas”, diz. No fundo, um círculo vicioso, até porque, quanto mais problemas tiverem, maior a vontade de jogar “para escapar”.
E só quando batem no fundo do poço é que procuram ajuda. “Podem decorrer anos até que isso aconteça”, explica.
Um padrão
Procurando encontrar um padrão nos casos que chegam diariamente à Confraternidade Evangelístico Industrial, Leung Ming Yan afirma que “mais de metade dos indivíduos têm empregos ligados aos casinos”. O motivo? “Observam os outros jogadores e aprendem as técnicas. Depois do trabalho, vão para outros casinos”, responde.
Na opinião de Leung Ming Yan, tal não significa que o problema seja apenas o emprego e que, para se libertar do vício, deverão abandonar o casino. “Por vezes, podem desenvolver este vício, mas o emprego é apenas parte do problema. O problema é o que não se vê – a comunicação com o marido, problemas familiares”, exemplifica.
Os restantes jogadores compulsivos pertencem a outros sectores da sociedade, tratando-se de agentes da polícia, oficiais, empresários, domésticas, cozinheiros, que normalmente “apenas completaram o ensino secundário”, contando-se também, entre estes, alguns trabalhadores da construção civil e de restaurantes.
Independentemente dos métodos de tratamento, o que é certo é que se deve apostar numa maior prevenção, sobretudo através da divulgação de mais informação. “O Governo deveria melhorar o conhecimento público sobre os problemas do jogo” e os diferentes organismos que proporcionam tratamento. “As pessoas precisam de ter conhecimento das tentações da vida. No caso dos casinos, deverão ser eles próprios a ter maiores responsabilidades em passar a informação”, acrescenta.
O “boom”
A funcionar em Macau desde 2004, a Confraternidade Evangelístico Industrial já seguiu um total de 134 casos, sendo que 43 deram entrada apenas este ano. O que não significa, necessariamente, que se tratem de casos recentes, já que muitos destes “só quando batem no fundo do poço é que procuram ajuda”. Esse “fundo do poço” pode passar por “pedir consecutivamente dinheiro emprestado a familiares, vender a própria casa, problemas de negócios”. Leung Ming Yan recorda-se, por exemplo, de um caso em que foi a mulher do jogador que veio pedir ajuda. “Ele já tinha perdido mais de quatro milhões de dólares de Hong Kong e ainda continuava a pedir dinheiro emprestado”, conta. Outros há que não ficam sem muito dinheiro, mas as suas perdas são de outra índole, como “um divórcio”.
E, alerta, há sinais a que amigos e familiares devem estar atentos para perceber que estão perante um caso de um jogador compulsivo. “Se continuam a pedir dinheiro emprestado sem devolver. Alguns, inclusivamente, tentam suicidar-se”, diz, explicando que, muitas vezes, ligam para a linha de emergência a avisar que estão a pensar em matar-se. Ao interlocutor resta-lhe impedir o pior e tentar convencê-lo a dirigir-se ao centro para um acompanhamento mais personalizado.
Além da Confraternidade Evangelístico Industrial, o Centro Yat On, o Gabinete Coordenador dos Serviços Sociais Sheng Kung Hui e a Associação Geral dos Operários de Macau são exemplos de outras ONG encarregues do trabalho de prevenção e reabilitação de jogadores compulsivos.
L.L.