Símbolos portugueses vão ser erradicados de Macau
É o que defende, numa tese de mestrado, o jornalista e investigador Mário Mesquita Borges. E nem será preciso esperar 50 anos; oportunidade, também, para evocar o seu pai e ex-deputado Manuel Mesquita Borges
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
As autoridades chinesas estão apostadas em erradicar por completo os símbolos restantes da presença portuguesa em Macau, afirma, sem "quaisquer dúvidas", Mário Mesquita Borges, nascido em Macau e que recentemente defendeu uma tese de mestrado intitulada "Traços de Memória - Construção e Desvanecimento da Memória Cultural Portuguesa em Macau depois de 1999".
Em declarações ao PONTO FINAL, este jornalista (actualmente a trabalhar no Grupo Media Capital) considera que "essa erradicação poderá até ocorrer ainda antes do período de 50 anos determinado pela Lei Básica do território", dando como exemplo "o "exercício arquitectónico" que está prestes a concretizar-se, com a conversão do antigo edifício do Tribunal [símbolo do poder judicial português] na nova biblioteca central do território". E já depois de concluída a conversa com este jornal, Mário Mesquita Borges chamava a atenção para a demolição do bairro militar de Mong Ha. É por isso que diz que "hoje, e a cada dia que passa, o projecto das autoridades chinesas passa por erradicar por completo os símbolos restantes da presença portuguesa no território. Sobre isso não tenho quaisquer dúvidas".
O investigador centrou a sua atenção no período pós -1999, até Dezembro de 2007, data da entrega formal da dissertação na Universidade Católica, em Lisboa. "Contudo, é óbvio que, tendo em vista um entendimento de facto da temática, houve uma necessidade constante de promover um entendimento mais estendido no tempo (os 400 anos de presença portuguesa em Macau)".
Para Mário Mesquita Borges, "o problema da memória, e da sua permanência e desvanecimento, coloca-se a toda a cultura portuguesa. O exemplo de Macau é somente o mais recente e, desde logo, o mais fácil de identificar e sistematizar, em particular devido às circunstâncias muito especiais do território e do seu estatuto ao longo da história".
Os símbolos que não vão resistir
Nascido em Macau, e com vários regressos mais ou menos prolongados (viveu aqui entre 1987 e 1991, por exemplo), o investigador – que vai avançar para um doutoramento nesta área, já no próximo ano – justifica este interesse com a sua proximidade ao Território: "para todos os efeitos sinto-o como a minha terra natal, mas igualmente devido a uma necessidade premente de tentar contribuir para um melhor entendimento da muito particular circunstância da construção da memória cultural portuguesa aqui e além-mar".
Na tese, Mário Mesquita Borges desenvolve alguns casos, quatro em concreto: o derrube da estátua do Coronel Mesquita (no 1,2,3, de 1966), a retirada da estátua de Ferreira do Amaral, em 1992, a estátua de Jorge Álvares e o busto de Vasco da Gama – estes dois monumentos ainda resistem, mas o investigador lembra que "quanto ao busto de Vasco de Gama a sua permanência poder-se-á dizer é quase inócua, isto devido ao carácter mais lúdico do que mnemónico/simbólico de uma entidade como Vasco da Gama".
Quanto a outros símbolos que ainda existem, "penso que não resistirão muito mais. Os símbolos de postal (como as ruínas de S. Paulo ou o Leal Senado) penso que sim, que por enquanto justificam a ocupação do espaço pelo seu retorno fotográfico e lúdico; quanto aos outros objectos patrimoniais, mais específicos, penso, infelizmente, que não vão resistir. E esse desaparecimento vai ocorrer não através de uma incisão, de apagamento imposto e directo, mas com a justificação de necessidades urbanas, de ocupação de espaço (justificação executiva que já surgiu aquando da polémica sobre os edifícios que superaram a cota permitida no sopé da colina da Guia, e mais recentemente com o bairro militar)".
Das "Portas do Entendimento" a Ferreira do Amaral
Mário Mesquita Borges também é crítico relativamente ao período anterior a 1999. "Devido a circunstâncias várias (sobre as quais não importa agora discorrer) acho que a história de Macau dos últimos vinte anos antes de 1999 é uma sucessão de equívocos. As "Portas do Entendimento" [de que fala na tese] são apenas mais um símbolo material de uma infeliz necessidade de mostrar que algo havia sido feito. E esse "algo" que era necessário fazer era impedir, por exemplo, a retirada da estátua de Ferreira do Amaral em 1992". Com o seu trabalho, Borges gostaria que de contribuir para esclarecer ou dissipar "mitos, histórias, incorrecções, e episódios infelizes" em torno da estátua de Ferreira do Amaral. E já que se fala, no PONTO FINAL (e mais uma vez) de Ferreira do Amaral, Mário Mesquita Borges aproveita para pedir, "em jeito de informação, para que se faça saber que até na placa identificativa da estátua, no local onde está actualmente [no Jardim da Encarnação, em Lisboa], há incorrecções. O nome do escultor está mal escrito (o escultor responsável foi Maximiano Alves e na descrição surge Maximiliano Alves, e na data da retirada de Macau surge o ano de 1991 quando na verdade foi em 1992) - algo muito pouco digno para a obra e, principalmente, para a figura histórica ali representada".
Evocar Manuel Mesquita Borges
Mário Mesquita Borges nasceu em Macau em 1973 e aqui fez o ensino secundário. É filho do antigo deputado Manuel Mesquita Borges, falecido em 2006, "herói e modelo", lembra Mário.
Manuel Mesquita Borges nasceu em Vila Real, em 1942 e formou-se em engenharia. Rapidamente integrou o Exército. Foi nessa qualidade que chegou a Macau em 1951. Esteve na extinta Companhia de Engenharia, na Flora, e, como engenheiro civil, assinou alguns projectos, sendo que o mais conhecido será, provavelmente, a ampliação do Seminário de S. José.
Em 1957 Manuel Mesquita Borges regressa a Portugal, mas em 1963 já está em Timor, como chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente. Em 1966 está de novo em Macau, como chefe de gabinete do governador Nobre de Carvalho, tendo sido o responsável pelas negociações com as autoridades da província de Cantão, durante a crise do "1,2,3" (missão que dura até Janeiro de 1967).
Manuel Mesquita Borges, logo após terminar a função de chefe de Gabinete de Nobre de Carvalho, ainda desempenha as funções de Comandante Militar de Macau entre Janeiro de 1973 e Junho de 1974. Nessa altura, já coronel, passa à reserva e inicia a actividade como engenheiro civil, que durará, localmente, até 1991. Entre 1984 e 1988 foi eleito, por sufrágio directo, deputado à Assembleia Legislativa de Macau, na lista da ADIM, Associação para a Defesa dos Interesses de Macau (fundada por Henrique Senna Fernandes e que conseguiu a proeza histórica de, em 1975, eleger um deputado para o parlamento português).
Em Macau continua outro filho do antigo deputado, Aníbal Mesquita Borges, ligado ao Instituto Politécnico.
É o que defende, numa tese de mestrado, o jornalista e investigador Mário Mesquita Borges. E nem será preciso esperar 50 anos; oportunidade, também, para evocar o seu pai e ex-deputado Manuel Mesquita Borges
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
As autoridades chinesas estão apostadas em erradicar por completo os símbolos restantes da presença portuguesa em Macau, afirma, sem "quaisquer dúvidas", Mário Mesquita Borges, nascido em Macau e que recentemente defendeu uma tese de mestrado intitulada "Traços de Memória - Construção e Desvanecimento da Memória Cultural Portuguesa em Macau depois de 1999".
Em declarações ao PONTO FINAL, este jornalista (actualmente a trabalhar no Grupo Media Capital) considera que "essa erradicação poderá até ocorrer ainda antes do período de 50 anos determinado pela Lei Básica do território", dando como exemplo "o "exercício arquitectónico" que está prestes a concretizar-se, com a conversão do antigo edifício do Tribunal [símbolo do poder judicial português] na nova biblioteca central do território". E já depois de concluída a conversa com este jornal, Mário Mesquita Borges chamava a atenção para a demolição do bairro militar de Mong Ha. É por isso que diz que "hoje, e a cada dia que passa, o projecto das autoridades chinesas passa por erradicar por completo os símbolos restantes da presença portuguesa no território. Sobre isso não tenho quaisquer dúvidas".
O investigador centrou a sua atenção no período pós -1999, até Dezembro de 2007, data da entrega formal da dissertação na Universidade Católica, em Lisboa. "Contudo, é óbvio que, tendo em vista um entendimento de facto da temática, houve uma necessidade constante de promover um entendimento mais estendido no tempo (os 400 anos de presença portuguesa em Macau)".
Para Mário Mesquita Borges, "o problema da memória, e da sua permanência e desvanecimento, coloca-se a toda a cultura portuguesa. O exemplo de Macau é somente o mais recente e, desde logo, o mais fácil de identificar e sistematizar, em particular devido às circunstâncias muito especiais do território e do seu estatuto ao longo da história".
Os símbolos que não vão resistir
Nascido em Macau, e com vários regressos mais ou menos prolongados (viveu aqui entre 1987 e 1991, por exemplo), o investigador – que vai avançar para um doutoramento nesta área, já no próximo ano – justifica este interesse com a sua proximidade ao Território: "para todos os efeitos sinto-o como a minha terra natal, mas igualmente devido a uma necessidade premente de tentar contribuir para um melhor entendimento da muito particular circunstância da construção da memória cultural portuguesa aqui e além-mar".
Na tese, Mário Mesquita Borges desenvolve alguns casos, quatro em concreto: o derrube da estátua do Coronel Mesquita (no 1,2,3, de 1966), a retirada da estátua de Ferreira do Amaral, em 1992, a estátua de Jorge Álvares e o busto de Vasco da Gama – estes dois monumentos ainda resistem, mas o investigador lembra que "quanto ao busto de Vasco de Gama a sua permanência poder-se-á dizer é quase inócua, isto devido ao carácter mais lúdico do que mnemónico/simbólico de uma entidade como Vasco da Gama".
Quanto a outros símbolos que ainda existem, "penso que não resistirão muito mais. Os símbolos de postal (como as ruínas de S. Paulo ou o Leal Senado) penso que sim, que por enquanto justificam a ocupação do espaço pelo seu retorno fotográfico e lúdico; quanto aos outros objectos patrimoniais, mais específicos, penso, infelizmente, que não vão resistir. E esse desaparecimento vai ocorrer não através de uma incisão, de apagamento imposto e directo, mas com a justificação de necessidades urbanas, de ocupação de espaço (justificação executiva que já surgiu aquando da polémica sobre os edifícios que superaram a cota permitida no sopé da colina da Guia, e mais recentemente com o bairro militar)".
Das "Portas do Entendimento" a Ferreira do Amaral
Mário Mesquita Borges também é crítico relativamente ao período anterior a 1999. "Devido a circunstâncias várias (sobre as quais não importa agora discorrer) acho que a história de Macau dos últimos vinte anos antes de 1999 é uma sucessão de equívocos. As "Portas do Entendimento" [de que fala na tese] são apenas mais um símbolo material de uma infeliz necessidade de mostrar que algo havia sido feito. E esse "algo" que era necessário fazer era impedir, por exemplo, a retirada da estátua de Ferreira do Amaral em 1992". Com o seu trabalho, Borges gostaria que de contribuir para esclarecer ou dissipar "mitos, histórias, incorrecções, e episódios infelizes" em torno da estátua de Ferreira do Amaral. E já que se fala, no PONTO FINAL (e mais uma vez) de Ferreira do Amaral, Mário Mesquita Borges aproveita para pedir, "em jeito de informação, para que se faça saber que até na placa identificativa da estátua, no local onde está actualmente [no Jardim da Encarnação, em Lisboa], há incorrecções. O nome do escultor está mal escrito (o escultor responsável foi Maximiano Alves e na descrição surge Maximiliano Alves, e na data da retirada de Macau surge o ano de 1991 quando na verdade foi em 1992) - algo muito pouco digno para a obra e, principalmente, para a figura histórica ali representada".
Evocar Manuel Mesquita Borges
Mário Mesquita Borges nasceu em Macau em 1973 e aqui fez o ensino secundário. É filho do antigo deputado Manuel Mesquita Borges, falecido em 2006, "herói e modelo", lembra Mário.
Manuel Mesquita Borges nasceu em Vila Real, em 1942 e formou-se em engenharia. Rapidamente integrou o Exército. Foi nessa qualidade que chegou a Macau em 1951. Esteve na extinta Companhia de Engenharia, na Flora, e, como engenheiro civil, assinou alguns projectos, sendo que o mais conhecido será, provavelmente, a ampliação do Seminário de S. José.
Em 1957 Manuel Mesquita Borges regressa a Portugal, mas em 1963 já está em Timor, como chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente. Em 1966 está de novo em Macau, como chefe de gabinete do governador Nobre de Carvalho, tendo sido o responsável pelas negociações com as autoridades da província de Cantão, durante a crise do "1,2,3" (missão que dura até Janeiro de 1967).
Manuel Mesquita Borges, logo após terminar a função de chefe de Gabinete de Nobre de Carvalho, ainda desempenha as funções de Comandante Militar de Macau entre Janeiro de 1973 e Junho de 1974. Nessa altura, já coronel, passa à reserva e inicia a actividade como engenheiro civil, que durará, localmente, até 1991. Entre 1984 e 1988 foi eleito, por sufrágio directo, deputado à Assembleia Legislativa de Macau, na lista da ADIM, Associação para a Defesa dos Interesses de Macau (fundada por Henrique Senna Fernandes e que conseguiu a proeza histórica de, em 1975, eleger um deputado para o parlamento português).
Em Macau continua outro filho do antigo deputado, Aníbal Mesquita Borges, ligado ao Instituto Politécnico.