Macau bebe cada vez mais vinho
Nos primeiros 9 meses do ano, o território consumiu cerca de 50 milhões de dólares em vinho, quase tanto como nos 12 meses de 2007 e muito mais do que os 18 milhões de 2005. Os vinhos portugueses vendem-se bem, mas o néctar dos deuses vindo de França continua a ser o preferido das gentes de Macau.
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
Se tomarmos o vinho – sim, o vinho! – como exemplo, podemos dizer que as ligações históricas entre Portugal e Macau podem estar ameaçadas!
Na verdade, as últimas estatísticas sobre importação de vinho em Macau mostram que Portugal mantém o segundo lugar, atrás da França, mas os valores de quota de mercado já não atingem os dois dígitos.
A queda nas importações de vinhos portugueses tem vindo a acentuar-se nos últimos anos e atingiu o valor mais baixo no ano passado: passou de 19 por cento de quota de mercado em 2005 para menos de sete por cento em 2007.
Curiosamente, nesse mesmo ano até se registou um ligeiro aumento da quantidade de vinho importado de Portugal (de três milhões e meio em dólares para pouco mais de 4,1 milhões), o que significa que globalmente o mercado cresceu bastante, mas não à conta do vinho português – que manteve, no essencial, as mesmas bocas.
Na verdade, se em 2005 o mercado de Macau valia globalmente 18 milhões de dólares, no ano passado já valia 60 milhões!
Um crescimento que se fez beneficiando o primeiro e consolidado mercado exportador, a França, que tem agora 81 por cento e cresceu 70 por cento.
Em 2007 Portugal ainda se manteve como segundo mercado exportador de vinho para a RAEM, seguido de mais perto pela Austrália (menos de quatro por cento).
A influência dos casinos
Os números de 2008, relativos aos primeiros nove meses, mostram uma ligeira recuperação das importações de Portugal (estarão agora nos oito por cento) e uma queda nos números gigantescos da França (passou de 81 para 72 por cento).
Também a Austrália cresceu, aproximando-se dos valores globais de Portugal e os vinhos dos Estados Unidos, que em 2006 valiam um por cento do mercado global, já têm dois e meio.
O aumento no consumo de vinhos dos novos mercados face ao velho continente justifica-se com o maior número de expatriados desses países envolvidos, directa ou indirectamente, nos novos casinos. Como explicava recentemente o responsável por uma das principais empresas portuguesas com mercado em Macau, os gestores das novas unidades tendem a "puxar" pelos vinhos que conhecem... os seus!
Aliás, a explosão do vinho em Macau a que se assiste desde 2007 encontra na nova dinâmica do jogo a sua explicação: se nos 12 meses do ano passado se beberam 60 milhões de dólares, nos primeiros nove meses já estão bebidos quase 50 milhões, o que faz indiciar uma estabilização desses números.
Num recente relatório da AICEP, que acompanhava estes números, podia ler-se que "o consumo per capita é extremamente elevado, sugestivo de saturação, tendo em conta os 550.000 habitantes".
Portugal não perdeu, portanto, volume, e até é provável que os exportadores estejam a ganhar mais dinheiro, porque os segmentos mais altos são os que mais vendem, mas perdeu importância no contexto global. Nesse mesmo texto da AICEP, lia-se que "os vinhos portugueses de topo têm conseguido elevar a sua penetração no mercado, mas o mesmo não se passa com os segmentos médio e baixo da pirâmide".
A ganhar em Hong Kong
Onde Portugal tem conseguido vender mais vinho é em Hong Kong, um "mercado de 7 milhões de habitantes, com uma classe média representativa, mas que só agora começa a tomar contacto com o produto/vinho". De acordo com a AICEP, Hong Kong é o maior mercado regional da China, "sendo mesmo superior à República Popular da China e actua como plataforma regional para a China". Mas apenas se tivermos em conta os vinhos importados.
Em 2005 Portugal ocupava um ridículo 16º lugar como exportador de vinhos para Hong Kong, que nessa altura valia, globalmente, perto de 90 milhões de dólares. Portugal exportava 350 mil dólares de vinho (o que significa 0,4 por cento do total).
Em 2007 o valor aproximou-se do milhão de dólares, mas não à custa da quota de mercado, que se manteve exactamente igual. O que aconteceu em Hong Kong, tal como em Macau, foi que os habitantes locais começaram a beber muito mais vinho: dos 90 milhões de dólares em 2005, dois anos depois o mercado valia mais de 200 milhões.
A França é o principal exportador mas com valores que nem de perto nem de longe se comparam com os que tem em Macau: apenas uma quota de 40 por cento, sendo seguida pelos vinhos da Grã-Bretanha (!), Austrália e Estados Unidos.
O mercado de Hong Kong é, aliás, bastante curioso: mercados sem qualquer valor vínico, como a Holanda, a Suiça ou a Alemanha estão à frente de mercados como Espanha ou Portugal.
Para a AICEP, "o crescimento invulgarmente alto das exportações portuguesas deve ser sustentado e deve-se em larga medida à operação da Sogrape, que escolheu há dois anos o território para se instalar logística e comercialmente. Este facto pode ser indicativo das oportunidades que existem para os produtores portugueses que optem por presença local".
Nono exportador para a China
Mas a China é o grande mercado, e já num futuro próximo.
É certo que os seus 200-400 milhões de habitantes da classe média começam agora a descobrir o vinho, mas parece haver, no vinho como noutros produtos, uma clara preferência pelos vinhos de mercados consagrados (e caros). Não admira que a França lidere, com metade do mercado, seguido da Austrália e da Itália.
Os vinhos portugueses são desconhecidos, têm falta de promoção e não são feitos com as castas mais conhecidas internacionalmente, Cabernet ou Chardonnay. Mas têm uma relação qualidade-preço muito elogiada, se os chineses se abrirem a novas experiências.
Portugal é já o nono exportador de vinhos para a China (valores de 2007), quando, no ano anterior, era 12º, um crescimento de 12 por cento à custa de países como a Nova Zelândia ou a África do Sul.
Todos os operadores, chineses e internacionais, concordam que o mercado chinês tem gigantescas oportunidades, mas também alertam para o facto de não ser instantâneo nem fácil.
No documento da AICEP, que já citámos, avisa-se por exemplo que "a generalidade dos produtores portugueses procura ainda agentes, sendo que afunilam por Macau ou por Xangai, onde há enorme saturação da oferta. A estratégia que poderá dar melhores frutos será a de segmentar o mercado por regiões e apontar para aquelas onde há menos pressão na oferta". Os técnicos da AICEP sugerem Pequim ou Cantão, "sem negligenciar presença regular nos pontos já habituais".
As marcas domésticas dominam 95 por cento de um mercado que já valerá mais de 600 milhões de litros, e a subir todos os anos.
Borba e Arcos dos Reis na China
A Adega Cooperativa de Borba instalou-se em 2005 nos arredores de Xangai. A partir de um acordo com um importador e distribuidor, começou a exportar vários contentores de vinho para aquela zona da China.
Mais tarde alargou a sua zona de influência à província de Zhejiang, abrindo aí uma loja para comercialização exclusiva, sendo a zona onde melhor está implantada – a ponto de já se equacionar a geminação entre Borba e o município de Taizhou.
Neste momento a Cooperativa de Borba tem uma empresa sedeada na zona de Pudong (Xangai) com o nome de Borba Wine Industrial Group.
A Cooperativa de Borba assinou um dos acordos que marcaram a visita de José Sócrates à China no início deste ano.
A Cooperativa de Borba é também um dos principais operadores do mercado de Macau, onde vende uma média de 150 mil garrafas por ano, apostando agora nos vinhos da gama mais alta.
Diferente é a experiência das Caves Arcos dos Reis, sedeada na Anadia (zona Centro). Também foi uma das empresas que assinou acordos com parceiros chineses durante a visita de José Sócrates, mas a sua aposta tem pouco a ver com a de Borba: querem produzir vinho na China, a partir da província de Shandong (município de Dongying).
Têm um parceiro local, mas dominam a joint venture (com 51 por cento). Possuem uma fábrica para engarrafar 100 milhões de garrafas por ano.
Outra diferença: estão a importar vinho chinês para a Europa (Europa de Leste, essencialmente).
João Paulo Meneses
Nos primeiros 9 meses do ano, o território consumiu cerca de 50 milhões de dólares em vinho, quase tanto como nos 12 meses de 2007 e muito mais do que os 18 milhões de 2005. Os vinhos portugueses vendem-se bem, mas o néctar dos deuses vindo de França continua a ser o preferido das gentes de Macau.
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
Se tomarmos o vinho – sim, o vinho! – como exemplo, podemos dizer que as ligações históricas entre Portugal e Macau podem estar ameaçadas!
Na verdade, as últimas estatísticas sobre importação de vinho em Macau mostram que Portugal mantém o segundo lugar, atrás da França, mas os valores de quota de mercado já não atingem os dois dígitos.
A queda nas importações de vinhos portugueses tem vindo a acentuar-se nos últimos anos e atingiu o valor mais baixo no ano passado: passou de 19 por cento de quota de mercado em 2005 para menos de sete por cento em 2007.
Curiosamente, nesse mesmo ano até se registou um ligeiro aumento da quantidade de vinho importado de Portugal (de três milhões e meio em dólares para pouco mais de 4,1 milhões), o que significa que globalmente o mercado cresceu bastante, mas não à conta do vinho português – que manteve, no essencial, as mesmas bocas.
Na verdade, se em 2005 o mercado de Macau valia globalmente 18 milhões de dólares, no ano passado já valia 60 milhões!
Um crescimento que se fez beneficiando o primeiro e consolidado mercado exportador, a França, que tem agora 81 por cento e cresceu 70 por cento.
Em 2007 Portugal ainda se manteve como segundo mercado exportador de vinho para a RAEM, seguido de mais perto pela Austrália (menos de quatro por cento).
A influência dos casinos
Os números de 2008, relativos aos primeiros nove meses, mostram uma ligeira recuperação das importações de Portugal (estarão agora nos oito por cento) e uma queda nos números gigantescos da França (passou de 81 para 72 por cento).
Também a Austrália cresceu, aproximando-se dos valores globais de Portugal e os vinhos dos Estados Unidos, que em 2006 valiam um por cento do mercado global, já têm dois e meio.
O aumento no consumo de vinhos dos novos mercados face ao velho continente justifica-se com o maior número de expatriados desses países envolvidos, directa ou indirectamente, nos novos casinos. Como explicava recentemente o responsável por uma das principais empresas portuguesas com mercado em Macau, os gestores das novas unidades tendem a "puxar" pelos vinhos que conhecem... os seus!
Aliás, a explosão do vinho em Macau a que se assiste desde 2007 encontra na nova dinâmica do jogo a sua explicação: se nos 12 meses do ano passado se beberam 60 milhões de dólares, nos primeiros nove meses já estão bebidos quase 50 milhões, o que faz indiciar uma estabilização desses números.
Num recente relatório da AICEP, que acompanhava estes números, podia ler-se que "o consumo per capita é extremamente elevado, sugestivo de saturação, tendo em conta os 550.000 habitantes".
Portugal não perdeu, portanto, volume, e até é provável que os exportadores estejam a ganhar mais dinheiro, porque os segmentos mais altos são os que mais vendem, mas perdeu importância no contexto global. Nesse mesmo texto da AICEP, lia-se que "os vinhos portugueses de topo têm conseguido elevar a sua penetração no mercado, mas o mesmo não se passa com os segmentos médio e baixo da pirâmide".
A ganhar em Hong Kong
Onde Portugal tem conseguido vender mais vinho é em Hong Kong, um "mercado de 7 milhões de habitantes, com uma classe média representativa, mas que só agora começa a tomar contacto com o produto/vinho". De acordo com a AICEP, Hong Kong é o maior mercado regional da China, "sendo mesmo superior à República Popular da China e actua como plataforma regional para a China". Mas apenas se tivermos em conta os vinhos importados.
Em 2005 Portugal ocupava um ridículo 16º lugar como exportador de vinhos para Hong Kong, que nessa altura valia, globalmente, perto de 90 milhões de dólares. Portugal exportava 350 mil dólares de vinho (o que significa 0,4 por cento do total).
Em 2007 o valor aproximou-se do milhão de dólares, mas não à custa da quota de mercado, que se manteve exactamente igual. O que aconteceu em Hong Kong, tal como em Macau, foi que os habitantes locais começaram a beber muito mais vinho: dos 90 milhões de dólares em 2005, dois anos depois o mercado valia mais de 200 milhões.
A França é o principal exportador mas com valores que nem de perto nem de longe se comparam com os que tem em Macau: apenas uma quota de 40 por cento, sendo seguida pelos vinhos da Grã-Bretanha (!), Austrália e Estados Unidos.
O mercado de Hong Kong é, aliás, bastante curioso: mercados sem qualquer valor vínico, como a Holanda, a Suiça ou a Alemanha estão à frente de mercados como Espanha ou Portugal.
Para a AICEP, "o crescimento invulgarmente alto das exportações portuguesas deve ser sustentado e deve-se em larga medida à operação da Sogrape, que escolheu há dois anos o território para se instalar logística e comercialmente. Este facto pode ser indicativo das oportunidades que existem para os produtores portugueses que optem por presença local".
Nono exportador para a China
Mas a China é o grande mercado, e já num futuro próximo.
É certo que os seus 200-400 milhões de habitantes da classe média começam agora a descobrir o vinho, mas parece haver, no vinho como noutros produtos, uma clara preferência pelos vinhos de mercados consagrados (e caros). Não admira que a França lidere, com metade do mercado, seguido da Austrália e da Itália.
Os vinhos portugueses são desconhecidos, têm falta de promoção e não são feitos com as castas mais conhecidas internacionalmente, Cabernet ou Chardonnay. Mas têm uma relação qualidade-preço muito elogiada, se os chineses se abrirem a novas experiências.
Portugal é já o nono exportador de vinhos para a China (valores de 2007), quando, no ano anterior, era 12º, um crescimento de 12 por cento à custa de países como a Nova Zelândia ou a África do Sul.
Todos os operadores, chineses e internacionais, concordam que o mercado chinês tem gigantescas oportunidades, mas também alertam para o facto de não ser instantâneo nem fácil.
No documento da AICEP, que já citámos, avisa-se por exemplo que "a generalidade dos produtores portugueses procura ainda agentes, sendo que afunilam por Macau ou por Xangai, onde há enorme saturação da oferta. A estratégia que poderá dar melhores frutos será a de segmentar o mercado por regiões e apontar para aquelas onde há menos pressão na oferta". Os técnicos da AICEP sugerem Pequim ou Cantão, "sem negligenciar presença regular nos pontos já habituais".
As marcas domésticas dominam 95 por cento de um mercado que já valerá mais de 600 milhões de litros, e a subir todos os anos.
Borba e Arcos dos Reis na China
A Adega Cooperativa de Borba instalou-se em 2005 nos arredores de Xangai. A partir de um acordo com um importador e distribuidor, começou a exportar vários contentores de vinho para aquela zona da China.
Mais tarde alargou a sua zona de influência à província de Zhejiang, abrindo aí uma loja para comercialização exclusiva, sendo a zona onde melhor está implantada – a ponto de já se equacionar a geminação entre Borba e o município de Taizhou.
Neste momento a Cooperativa de Borba tem uma empresa sedeada na zona de Pudong (Xangai) com o nome de Borba Wine Industrial Group.
A Cooperativa de Borba assinou um dos acordos que marcaram a visita de José Sócrates à China no início deste ano.
A Cooperativa de Borba é também um dos principais operadores do mercado de Macau, onde vende uma média de 150 mil garrafas por ano, apostando agora nos vinhos da gama mais alta.
Diferente é a experiência das Caves Arcos dos Reis, sedeada na Anadia (zona Centro). Também foi uma das empresas que assinou acordos com parceiros chineses durante a visita de José Sócrates, mas a sua aposta tem pouco a ver com a de Borba: querem produzir vinho na China, a partir da província de Shandong (município de Dongying).
Têm um parceiro local, mas dominam a joint venture (com 51 por cento). Possuem uma fábrica para engarrafar 100 milhões de garrafas por ano.
Outra diferença: estão a importar vinho chinês para a Europa (Europa de Leste, essencialmente).
João Paulo Meneses