Respostas políticas para questões jurídicas
O Governo da RAEM tem estado, sobretudo, a manifestar intenções políticas e não a fornecer explicações com base na lei, aponta a comentadora política Agnes Lam. A presidente da Associação Energia Cívica de Macau está preocupada com o conceito de segredo de Estado previsto na legislação de regulamentação do Artigo 23º. E pede ao Executivo que contemple a noção de interesse público no articulado.
Isabel Castro
Não basta que o Governo demonstre boas intenções – é necessário que esteja tudo na lei, para que não se dê azo a surpresas desagradáveis. Agnes Lam, docente de Comunicação da Universidade de Macau, está apreensiva, sobretudo, com o artigo 6º da proposta relativa à defesa da segurança do Estado, a norma que visa a subtracção do segredo de Estado. E também não se mostra satisfeita com a forma como o Governo tem reagido a muitas das dúvidas colocadas pela população.
“Julgo que os responsáveis estão a tentar responder a todas as perguntas, mas há um problema: estão a tentar assegurar que os casos colocados pelas pessoas - situações estas que servem para ilustrar as dúvidas -, não farão parte do âmbito de aplicação desta lei”, apontou Lam ao PONTO FINAL. “A questão é que nós não estamos só a pedir protecção – o que precisamos é de explicações claras e inequívocas na própria lei”, alerta.
Para a também presidente da Associação de Energia Cívica de Macau (AECM), “se há tantas perguntas colocadas pelas pessoas e o Governo não consegue encontrar as respostas no articulado, isto significa que deveria haver algo mais na proposta”. Agnes Lam dá um exemplo do que entende serem esclarecimentos baseados no julgamento dos responsáveis governamentais e não na lei propriamente dita: “Quando perguntei se escrever uma notícia sobre quem será o próximo Chefe do Executivo era subtracção de um segredo de Estado, disseram-me que não, mas não conseguiram apontar para a lei e assegurar que outras pessoas farão a mesma interpretação jurídica.”
Deste modo, a professora de Comunicação defende que o Governo deve rever a forma como tem vindo a responder a quem se preocupa com o conteúdo da legislação. E, embora diga que “o articulado não tem grandes problemas”, propõe algumas modificações, para que não haja margem para dúvidas quando chegar a altura da sua aplicação.
Ontem, em declarações à Rádio Macau, a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, assegurou que o Executivo vai continuar a ouvir as opiniões da sociedade e a esclarecer os aspectos mais polémicos. “Com as opiniões que recebemos, através da Direcção dos Serviços dos Assuntos de Justiça, temos feito melhor a divulgação e a explicação”, disse, prometendo que esse trabalho continuará a ser levado a cabo, nomeadamente nos conceitos que mais dúvidas têm causado, como os “actos preparatórios e o conceito da criminalização das pessoas colectivas”. “Vamos explicar melhor, dando alguns exemplos com as leis que já existem. É uma boa oportunidade também para as pessoas conhecerem as leis locais”, defendeu a secretária.
Segredos? Que segredos?
Não obstante a boa vontade governamental, há questões para as quais Agnes Lam não encontra resposta. A noção de segredo de Estado é aquilo que mais a preocupa. “A proposta contempla vários aspectos no que toca ao segredo de Estado, sendo que há um deles que não consigo perceber, e que tem a ver com a relação entre a RAEM e o Governo Central.” Para a comentadora política, é necessário precisar que “tipo de segredos de Estado visa o diploma e o que será perigoso para o Estado, porque a lei não é suficientemente explícita”.
A presidente da AECM colocou esta questão numa das sessões de consulta pública mas os esclarecimentos foram pouco ou nada elucidativos. “Disseram-me que é muito difícil precisar, ponto por ponto, a lista do que deverá ser entendido como segredo de Estado”, recorda, deixando uma sugestão: a inclusão do conceito de interesse público no articulado, de modo a que haja, pelo menos, uma referência para quem possa “tropeçar” numa matéria de grande sigilo.
“Não é possível perceber qual será a interpretação de segredos de Estado”, reitera. “E é difícil imaginar quais serão os segredos que colocam em risco a segurança do país”, remata. O artigo 6º da proposta em consulta pública até ao final deste mês prevê que os órgãos judiciais obtenham do Chefe do Executivo uma certidão sobre os documentos, informações ou objectos específicos respeitantes a segredo de Estado, sempre que se levantem questões em processo penal. Antes de emitir essa certidão, prossegue o diploma, o Chefe do Executivo deve obter documento certificativo do Governo Popular Central.
Para o jurista Nuno Lima Bastos, que este fim-de-semana participou no debate da Rádio Macau sobre a regulamentação do Artigo 23º, a questão do segredo de Estado é, precisamente, uma das suas maiores preocupações. “O problema está no que é considerado segredo de Estado”, disse, recordando que pode haver, “em pleno processo penal, uma certidão da República Popular da China a dizer que a matéria em causa era, efectivamente, segredo de Estado”. Se o arguido alegar desconhecimento, também de pouco adiantará, sublinhou, uma vez que o articulado prevê a figura do dolo eventual.
Ainda de acordo com as declarações de Florinda Chan à estação de rádio em língua portuguesa, a proposta de lei deve estar concluída antes do fim do corrente ano, para então ser entregue à Assembleia Legislativa, órgão com competência exclusiva para legislar sobre a matéria. Contudo, disse a secretária, “tudo depende desta fase de consulta” e do maior ou menor número de alterações que o Governo tiver que fazer à proposta em auscultação.
“Temos recebido muitas propostas de alteração mas gostava que as pessoas, mesmo não tendo propostas concretas, lessem e percebessem o articulado. Se não perceberem, peçam-nos para podermos explicar e divulgar melhor”, disse a governante. “É também uma boa oportunidade para podermos divulgar o amor à pátria e o que é a legislação que protege a nossa pátria.”
O Governo da RAEM tem estado, sobretudo, a manifestar intenções políticas e não a fornecer explicações com base na lei, aponta a comentadora política Agnes Lam. A presidente da Associação Energia Cívica de Macau está preocupada com o conceito de segredo de Estado previsto na legislação de regulamentação do Artigo 23º. E pede ao Executivo que contemple a noção de interesse público no articulado.
Isabel Castro
Não basta que o Governo demonstre boas intenções – é necessário que esteja tudo na lei, para que não se dê azo a surpresas desagradáveis. Agnes Lam, docente de Comunicação da Universidade de Macau, está apreensiva, sobretudo, com o artigo 6º da proposta relativa à defesa da segurança do Estado, a norma que visa a subtracção do segredo de Estado. E também não se mostra satisfeita com a forma como o Governo tem reagido a muitas das dúvidas colocadas pela população.
“Julgo que os responsáveis estão a tentar responder a todas as perguntas, mas há um problema: estão a tentar assegurar que os casos colocados pelas pessoas - situações estas que servem para ilustrar as dúvidas -, não farão parte do âmbito de aplicação desta lei”, apontou Lam ao PONTO FINAL. “A questão é que nós não estamos só a pedir protecção – o que precisamos é de explicações claras e inequívocas na própria lei”, alerta.
Para a também presidente da Associação de Energia Cívica de Macau (AECM), “se há tantas perguntas colocadas pelas pessoas e o Governo não consegue encontrar as respostas no articulado, isto significa que deveria haver algo mais na proposta”. Agnes Lam dá um exemplo do que entende serem esclarecimentos baseados no julgamento dos responsáveis governamentais e não na lei propriamente dita: “Quando perguntei se escrever uma notícia sobre quem será o próximo Chefe do Executivo era subtracção de um segredo de Estado, disseram-me que não, mas não conseguiram apontar para a lei e assegurar que outras pessoas farão a mesma interpretação jurídica.”
Deste modo, a professora de Comunicação defende que o Governo deve rever a forma como tem vindo a responder a quem se preocupa com o conteúdo da legislação. E, embora diga que “o articulado não tem grandes problemas”, propõe algumas modificações, para que não haja margem para dúvidas quando chegar a altura da sua aplicação.
Ontem, em declarações à Rádio Macau, a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, assegurou que o Executivo vai continuar a ouvir as opiniões da sociedade e a esclarecer os aspectos mais polémicos. “Com as opiniões que recebemos, através da Direcção dos Serviços dos Assuntos de Justiça, temos feito melhor a divulgação e a explicação”, disse, prometendo que esse trabalho continuará a ser levado a cabo, nomeadamente nos conceitos que mais dúvidas têm causado, como os “actos preparatórios e o conceito da criminalização das pessoas colectivas”. “Vamos explicar melhor, dando alguns exemplos com as leis que já existem. É uma boa oportunidade também para as pessoas conhecerem as leis locais”, defendeu a secretária.
Segredos? Que segredos?
Não obstante a boa vontade governamental, há questões para as quais Agnes Lam não encontra resposta. A noção de segredo de Estado é aquilo que mais a preocupa. “A proposta contempla vários aspectos no que toca ao segredo de Estado, sendo que há um deles que não consigo perceber, e que tem a ver com a relação entre a RAEM e o Governo Central.” Para a comentadora política, é necessário precisar que “tipo de segredos de Estado visa o diploma e o que será perigoso para o Estado, porque a lei não é suficientemente explícita”.
A presidente da AECM colocou esta questão numa das sessões de consulta pública mas os esclarecimentos foram pouco ou nada elucidativos. “Disseram-me que é muito difícil precisar, ponto por ponto, a lista do que deverá ser entendido como segredo de Estado”, recorda, deixando uma sugestão: a inclusão do conceito de interesse público no articulado, de modo a que haja, pelo menos, uma referência para quem possa “tropeçar” numa matéria de grande sigilo.
“Não é possível perceber qual será a interpretação de segredos de Estado”, reitera. “E é difícil imaginar quais serão os segredos que colocam em risco a segurança do país”, remata. O artigo 6º da proposta em consulta pública até ao final deste mês prevê que os órgãos judiciais obtenham do Chefe do Executivo uma certidão sobre os documentos, informações ou objectos específicos respeitantes a segredo de Estado, sempre que se levantem questões em processo penal. Antes de emitir essa certidão, prossegue o diploma, o Chefe do Executivo deve obter documento certificativo do Governo Popular Central.
Para o jurista Nuno Lima Bastos, que este fim-de-semana participou no debate da Rádio Macau sobre a regulamentação do Artigo 23º, a questão do segredo de Estado é, precisamente, uma das suas maiores preocupações. “O problema está no que é considerado segredo de Estado”, disse, recordando que pode haver, “em pleno processo penal, uma certidão da República Popular da China a dizer que a matéria em causa era, efectivamente, segredo de Estado”. Se o arguido alegar desconhecimento, também de pouco adiantará, sublinhou, uma vez que o articulado prevê a figura do dolo eventual.
Ainda de acordo com as declarações de Florinda Chan à estação de rádio em língua portuguesa, a proposta de lei deve estar concluída antes do fim do corrente ano, para então ser entregue à Assembleia Legislativa, órgão com competência exclusiva para legislar sobre a matéria. Contudo, disse a secretária, “tudo depende desta fase de consulta” e do maior ou menor número de alterações que o Governo tiver que fazer à proposta em auscultação.
“Temos recebido muitas propostas de alteração mas gostava que as pessoas, mesmo não tendo propostas concretas, lessem e percebessem o articulado. Se não perceberem, peçam-nos para podermos explicar e divulgar melhor”, disse a governante. “É também uma boa oportunidade para podermos divulgar o amor à pátria e o que é a legislação que protege a nossa pátria.”