Milhões à espera
A SJM diz que já pagou à Fundação Escola Portuguesa de Macau quase 200 milhões de patacas, em três anos seguidos. Mas estas verbas não estão contabilizadas nos relatórios de gestão da FEPM
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
A Sociedade de Jogos de Macau Holdings (SJM) garante que até este momento já pagou 196,5 milhões de HK dólares à Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM), mas esse ou qualquer outro valor, com origem em Stanley Ho, não consta dos relatórios de gestão da Fundação consultados pelo PONTO FINAL e relativos a 2005 e 2006.
Em cada um desses dois anos a FEPM recebeu, segundo a SJM, 65,5 milhões de dólares de HK, a que se somou verba igual no ano seguinte, totalizando os tais 196,5 milhões.
Estas informações fazem parte dos relatórios que a SJM passou a divulgar regularmente ao mercado, a partir da entrada em bolsa (daí os valores estarem em dólares de HK).
O PONTO FINAL contactou quer a SJM quer a FEPM para aclarar estas e outras questões (sobretudo relativas à primeira), mas a holding de Stanley Ho entendeu não responder.
Já relativamente à FEPM perguntámos, na sequência de artigo anterior neste jornal, por que é que o acordo e os respectivos valores já depositados não aparecem em nenhum dos relatórios de gestão consultados pelo PONTO FINAL. Sales Marques respondeu que «como é do conhecimento público, o processo de transferência/construção de uma nova escola sofreu diversos avanços e recuos, por razões totalmente alheias à vontade do CA da FEPM e à dos seus instituidores. Essas indefinições dificultaram o tratamento do mesmo a nível de relatórios de gestão e, na realidade, as consultas ultrapassam a esfera da própria FEPM. Só quando houver algo de "sólido" e definitivo é que se poderá fazer referência fundamentada ao assunto nos relatórios de gestão».
Pagamentos sem explicação
Mesmo sem as informações da SJM, é possível juntar mais algumas informações que tentam elucidar a opinião pública local.
Por exemplo: de acordo com o «memorando de entendimento» assinado a 22 de Dezembro de 2004 entre a SJM e a FEPM, qualquer pagamento por parte de Stanley Ho estaria condicionado a passos reais na edificação da nova escola.
Assim, e para a construção da nova escola, a SJM previa uma verba até 100 milhões de patacas. Como se sabe, não há nova escola. Ainda assim, o memorando especificava que «para facilitar o pagamento das despesas a efectuar pela FEPM [a contratação do arquitecto] (...), a SJM disponibilizará uma dotação inicial de 20 milhões de patacas para uma conta a designar pela FEPM. Quando o saldo desta conta se situar abaixo dos 5 milhões de patacas, a SJM (...) deverá reforçar esse saldo», até que se gastem os tais 100 milhões. Ora se não há obra porque continua a pagar a SJM?
Mais complicado é ainda entender os pagamentos que resultarão daquilo que o memorando designa por donativo da SJM à FEPM: 190 milhões de patacas (20 milhões dos quais para a APIM), que seriam pagos da seguinte forma: 47,5 milhões na assinatura do memorando, verba igual «no momento da assinatura do contrato de concessão do uso do terreno e do edifício actualmente ocupados pela SJM pelo Governo da RAEM» e 95 milhões «no momento em que o terreno e o edifício da actual EPM forem libertos a favor da SJM».
Memorando não justifica
Por outras palavras, percebe-se que a SJM tivesse pago 67,5 milhões de patacas (20 mais 47,5), mas a holding de Stanley Ho garante ao mercado que, em cada mês de Dezembro de 2005, 2006 e 2007, pagou 65,5 milhões de HK dólares.
Por muito que se tentem conjugar os dois valores para se perceber uma lógica comum, não há forma de baterem certo. Um exemplo: a soma dessas três prestações dá 196,5 milhões de HK, ou seja, toda a doação mais uma parte da construção. Falta saber se juntarão mais uma (a última?) prestação em Dezembro deste ano.
E no entanto o tal acordo assinado pelas partes deixa claro que «os termos e condições deste memorando estão condicionados à assinatura da concessão permitindo à SJM o terreno e o edifício (...). Se tal não ocorrer no prazo de 6 meses a contar da data da assinatura deste memorando todos os compromissos assumidos pelas partes tornar-se-ão nulos e os pagamentos recebidos deverão reverter a favor da SJM, com excepção das quantias pagas pela FEPM para o projecto inicial» (os tais 20 milhões para o projecto da nova escola».
Como é evidente, se o primeiro pagamento foi feito em Dezembro de 2005, passou um ano desde a assinatura do acordo e não os seis meses de que fala o memorando. Já este ano o presidente da Associação de Pais da Escola lembrou aos jornalistas que «o acordo deixou automaticamente de estar em vigor seis meses depois». Nessa mesma ocasião (Julho), Oliveira Paulo adiantava que o entendimento verbal conseguido em 2004 continua de pé, até porque a SJM já fez pagamentos não reembolsáveis à EPM.
A «árvore das patacas»...
A SJM tem feito saber, nas informações que agora presta trimestralmente à bolsa de HK, que por cada pagamento de 65,5 milhões de HK dólares deverá haver um reembolso de 46,1 milhões, se o objecto do acordo não for cumprido («deposits of HK$65.5 million were paid of wihich HK$46,1 million was refundable pursuant to the relevant agreement»). Ou seja, do dinheiro que já depositou na conta da FEPM a SJM quer que lhe devolvam, se não houver negócio, 139,3 milhões, ficando 57,2 milhões para a FEPM! Mesmo que a Escola continue onde está.
Esta foi uma das várias questões que o PONTO FINAL tentou esclarecer junto da holding de Stanley Ho, mas o e-mail enviado há mais de uma semana não obteve qualquer resposta. Seria interessante, por exemplo, saber porque continuaram a pagar, se o vão continuar a fazer e como é que justificam as percentagens de reembolso.
Face ao total de 281,6 milhões de patacas, somando as várias parcelas do acordo (valor para construção da Escola e donativo), que a SJM deveria pagar à FEPM, ainda faltam cerca de 85 milhões de patacas. Não havendo disponibilidade da SJM para explicar as suas opções – pelo menos ao PONTO FINAL – será preciso esperar pelo primeiro relatório de 2009 para se perceber se houve mais uma transferência em Dezembro de 2008, seguindo a lógica dos pagamentos anteriores.
A «amnésia» de Ambrose So?
Acresce a tudo isto que as eventuais novas instalações serão mais caras (valores superiores a 200 milhões de patacas), ainda que Stanley Ho já tenha dito que dinheiro não será problema.
Não está em causa, do nosso ponto de vista, se este é um negócio muito ou pouco transparente, mas os leitores concordarão que, pelo menos, complexo é. O que deveria reforçar a necessidade de transparência – a começar pela cotada SJM.
Para adensar as curiosidades à volta deste negócio falta recordar declarações de Ambrose So, administrador da SJM, que no ano passado negou qualquer pagamento feito pela empresa de Stanley Ho à FEPM respeitante à transferência da instituição. Isto quando já tinham sido feitas duas transferências, de acordo com a mesma administração da SJM.
A SJM diz que já pagou à Fundação Escola Portuguesa de Macau quase 200 milhões de patacas, em três anos seguidos. Mas estas verbas não estão contabilizadas nos relatórios de gestão da FEPM
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
A Sociedade de Jogos de Macau Holdings (SJM) garante que até este momento já pagou 196,5 milhões de HK dólares à Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM), mas esse ou qualquer outro valor, com origem em Stanley Ho, não consta dos relatórios de gestão da Fundação consultados pelo PONTO FINAL e relativos a 2005 e 2006.
Em cada um desses dois anos a FEPM recebeu, segundo a SJM, 65,5 milhões de dólares de HK, a que se somou verba igual no ano seguinte, totalizando os tais 196,5 milhões.
Estas informações fazem parte dos relatórios que a SJM passou a divulgar regularmente ao mercado, a partir da entrada em bolsa (daí os valores estarem em dólares de HK).
O PONTO FINAL contactou quer a SJM quer a FEPM para aclarar estas e outras questões (sobretudo relativas à primeira), mas a holding de Stanley Ho entendeu não responder.
Já relativamente à FEPM perguntámos, na sequência de artigo anterior neste jornal, por que é que o acordo e os respectivos valores já depositados não aparecem em nenhum dos relatórios de gestão consultados pelo PONTO FINAL. Sales Marques respondeu que «como é do conhecimento público, o processo de transferência/construção de uma nova escola sofreu diversos avanços e recuos, por razões totalmente alheias à vontade do CA da FEPM e à dos seus instituidores. Essas indefinições dificultaram o tratamento do mesmo a nível de relatórios de gestão e, na realidade, as consultas ultrapassam a esfera da própria FEPM. Só quando houver algo de "sólido" e definitivo é que se poderá fazer referência fundamentada ao assunto nos relatórios de gestão».
Pagamentos sem explicação
Mesmo sem as informações da SJM, é possível juntar mais algumas informações que tentam elucidar a opinião pública local.
Por exemplo: de acordo com o «memorando de entendimento» assinado a 22 de Dezembro de 2004 entre a SJM e a FEPM, qualquer pagamento por parte de Stanley Ho estaria condicionado a passos reais na edificação da nova escola.
Assim, e para a construção da nova escola, a SJM previa uma verba até 100 milhões de patacas. Como se sabe, não há nova escola. Ainda assim, o memorando especificava que «para facilitar o pagamento das despesas a efectuar pela FEPM [a contratação do arquitecto] (...), a SJM disponibilizará uma dotação inicial de 20 milhões de patacas para uma conta a designar pela FEPM. Quando o saldo desta conta se situar abaixo dos 5 milhões de patacas, a SJM (...) deverá reforçar esse saldo», até que se gastem os tais 100 milhões. Ora se não há obra porque continua a pagar a SJM?
Mais complicado é ainda entender os pagamentos que resultarão daquilo que o memorando designa por donativo da SJM à FEPM: 190 milhões de patacas (20 milhões dos quais para a APIM), que seriam pagos da seguinte forma: 47,5 milhões na assinatura do memorando, verba igual «no momento da assinatura do contrato de concessão do uso do terreno e do edifício actualmente ocupados pela SJM pelo Governo da RAEM» e 95 milhões «no momento em que o terreno e o edifício da actual EPM forem libertos a favor da SJM».
Memorando não justifica
Por outras palavras, percebe-se que a SJM tivesse pago 67,5 milhões de patacas (20 mais 47,5), mas a holding de Stanley Ho garante ao mercado que, em cada mês de Dezembro de 2005, 2006 e 2007, pagou 65,5 milhões de HK dólares.
Por muito que se tentem conjugar os dois valores para se perceber uma lógica comum, não há forma de baterem certo. Um exemplo: a soma dessas três prestações dá 196,5 milhões de HK, ou seja, toda a doação mais uma parte da construção. Falta saber se juntarão mais uma (a última?) prestação em Dezembro deste ano.
E no entanto o tal acordo assinado pelas partes deixa claro que «os termos e condições deste memorando estão condicionados à assinatura da concessão permitindo à SJM o terreno e o edifício (...). Se tal não ocorrer no prazo de 6 meses a contar da data da assinatura deste memorando todos os compromissos assumidos pelas partes tornar-se-ão nulos e os pagamentos recebidos deverão reverter a favor da SJM, com excepção das quantias pagas pela FEPM para o projecto inicial» (os tais 20 milhões para o projecto da nova escola».
Como é evidente, se o primeiro pagamento foi feito em Dezembro de 2005, passou um ano desde a assinatura do acordo e não os seis meses de que fala o memorando. Já este ano o presidente da Associação de Pais da Escola lembrou aos jornalistas que «o acordo deixou automaticamente de estar em vigor seis meses depois». Nessa mesma ocasião (Julho), Oliveira Paulo adiantava que o entendimento verbal conseguido em 2004 continua de pé, até porque a SJM já fez pagamentos não reembolsáveis à EPM.
A «árvore das patacas»...
A SJM tem feito saber, nas informações que agora presta trimestralmente à bolsa de HK, que por cada pagamento de 65,5 milhões de HK dólares deverá haver um reembolso de 46,1 milhões, se o objecto do acordo não for cumprido («deposits of HK$65.5 million were paid of wihich HK$46,1 million was refundable pursuant to the relevant agreement»). Ou seja, do dinheiro que já depositou na conta da FEPM a SJM quer que lhe devolvam, se não houver negócio, 139,3 milhões, ficando 57,2 milhões para a FEPM! Mesmo que a Escola continue onde está.
Esta foi uma das várias questões que o PONTO FINAL tentou esclarecer junto da holding de Stanley Ho, mas o e-mail enviado há mais de uma semana não obteve qualquer resposta. Seria interessante, por exemplo, saber porque continuaram a pagar, se o vão continuar a fazer e como é que justificam as percentagens de reembolso.
Face ao total de 281,6 milhões de patacas, somando as várias parcelas do acordo (valor para construção da Escola e donativo), que a SJM deveria pagar à FEPM, ainda faltam cerca de 85 milhões de patacas. Não havendo disponibilidade da SJM para explicar as suas opções – pelo menos ao PONTO FINAL – será preciso esperar pelo primeiro relatório de 2009 para se perceber se houve mais uma transferência em Dezembro de 2008, seguindo a lógica dos pagamentos anteriores.
A «amnésia» de Ambrose So?
Acresce a tudo isto que as eventuais novas instalações serão mais caras (valores superiores a 200 milhões de patacas), ainda que Stanley Ho já tenha dito que dinheiro não será problema.
Não está em causa, do nosso ponto de vista, se este é um negócio muito ou pouco transparente, mas os leitores concordarão que, pelo menos, complexo é. O que deveria reforçar a necessidade de transparência – a começar pela cotada SJM.
Para adensar as curiosidades à volta deste negócio falta recordar declarações de Ambrose So, administrador da SJM, que no ano passado negou qualquer pagamento feito pela empresa de Stanley Ho à FEPM respeitante à transferência da instituição. Isto quando já tinham sido feitas duas transferências, de acordo com a mesma administração da SJM.