Tempo para acabar com os nacionalismos
E ao nono ano, os deputados acordaram: o sistema judiciário tem falta de juízes e é lento na tomada de decisões. Para alguns, o problema deve-se à língua portuguesa, obstáculo à formação de magistrados. Outros pensam de forma diferente e propõem que se vá buscar juízes a Portugal. Florinda Chan sacudiu a água do capote, disse que não era nada com ela, mas lá acabou por prometer estudar o assunto. Coube a Leonel Alves pôr ordem na casa.
Isabel Castro
É um recado que pode ser para muitos destinatários, incluindo deputados, membros do Governo e até alguns responsáveis pela magistratura. Leonel Alves não identificou directamente os receptores – dirigia-se ao plenário em geral - mas não usou metáforas para fazer passar a mensagem: “Os nacionalismos percebiam-se em 1999, em 2000 e em 2001. Mas estamos a caminho de 2009.”
O deputado falava ontem na Assembleia Legislativa (AL), durante a segunda sessão do debate sectorial das áreas da Administração e Justiça das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2009. A ideia foi deixada depois de vários membros do hemiciclo terem usado da palavra para perguntarem a Florinda Chan o que pretende fazer para remediar as carências do sistema judiciário, que sofre da falta de juízes e se pauta pela morosidade processual.
O assunto tinha sido já abordado na tarde da passada segunda-feira, mas as respostas dadas pela secretária foram tão vagas que, ontem, vários deputados voltaram à carga. Não obstante terem diferentes perspectivas sobre as origens do dilema, foram consensuais na defesa da necessidade de adopção de medidas, por parte do Governo, para agilizar o funcionamento dos tribunais.
Leonel Alves começou por se congratular com o facto de tantos colegas seus levarem à AL os problemas do sistema judiciário. “Desde 2000 que tem havido referências ao sistema judiciário, mas sempre de uma forma pontual.” O conteúdo dos debates dos últimos dois dias levam-no a concluir que “houve um salto qualitativo na abordagem desta questão”. E, assim sendo, estão reunidas as condições para se fazer um outro tipo de abordagem. “O bilinguismo e o Direito deve suscitar debate entre todos nós”, defendeu.
“O bilinguismo é ou não uma aposta a prosseguir? Todos nós sabemos que a Lei Básica diz que a língua portuguesa pode continuar a ser usada. [...] Porque é que o legislador consagrou esta solução?”, lançou o também advogado. “Creio que foi por causa do Direito e do estudo do Direito, porque temos que formar pessoas e esperar que os formandos sejam bons aplicadores.” Recordando que, na década de 1990, houve uma aposta na formação de quadros bilingues, Alves defendeu que não se deve parar com esta tarefa, tendo também sugerido a elaboração de um plano para a tradução de obras jurídicas de autores de língua portuguesa, para que os aplicadores com menor domínio do português possam perceber a origem do Direito de Macau. O deputado e advogado Sam Chan Io tinha-se queixado, minutos antes, da fraca literatura jurídica disponível no território.
Leonel Alves recomendou que “não devem ser feitas opções à porta fechada”. “Se não fizermos opções claras”, prosseguiu, “daqui a uns anos vamos ter problemas não só com o funcionamento do sistema judiciário, como com a própria aplicação da lei”, por não terem sido transmitidos os conhecimentos suficientes a quem a aplica.
O deputado, que é também membro do Conselho Executivo, acrescentou que não consegue imaginar um aluno de Direito ou um juiz em Hong Kong que não saiba inglês – “até porque a Common Law exige conhecer precedentes jurisprudenciais” – e deixou uma questão: “Pergunto aos colegas [deputados] porque é que os aplicadores da lei de Macau não deverão conhecer um pouco de português. Temos que assumir isto com seriedade.” Posto isto, disse não perceber as razões para a existência do “prurido do nacionalismo”, nove anos volvidos da transferência de Administração. “O futuro de Macau não depende só da economia, depende também da eficiência dos sistemas jurídico e judiciário”, rematou.
Nos comentários que fez às declarações de Alves, a secretária para a Administração e Justiça disse concordar com o deputado. “Não se deve insistir se é em chinês ou em português. Todas as leis que foram aprovadas depois da transferência são bilingues. A língua é importante, mas a qualidade do conteúdo das leis é-o ainda mais.”
O advogado português, esse obstáculo
Leitura bem diferente do assunto parecem ter Chan Chak Mo e Cheung Lup Kwan, que olham para a língua portuguesa como um obstáculo ao sistema. Recorde-se que, de acordo com os dados oficiais do Governo e dos tribunais, o uso do chinês no sistema judiciário tem aumentado, o que não equivaleu, contudo, a uma maior celeridade processual. Mas os deputados não chamaram estes dados à colação.
Chan Chak Mo citou um caso (dele próprio) que está em tribunal desde 1998, falou da lentidão da Justiça e da falta de juízes, dizendo que a obrigatoriedade de dominar a língua portuguesa faz com que haja poucos magistrados formados localmente. Explicou que “há muitas leis que estão em português”, defendendo a sua tradução o mais rapidamente possível. E, com alguma indignação, traçou um estranho paralelismo: “Para os advogados de língua portuguesa não se exige o chinês. Por isso é que os cargos de magistrados são dominados por portugueses.” Chan parece ignorar o facto de que, além de serem em muito menor número, os juízes portugueses não são, por exemplo, presidentes de colectivos.
O deputado considerou que é por causa dos causídicos portugueses que os processos ficam entupidos nos tribunais, já que “exigem tradução”, e fez críticas à Associação dos Advogados de Macau (AAM), a propósito do acesso à profissão pelos licenciados em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (UCTM). “As provas podem ser feitas em chinês mas têm que ser traduzidas e são avaliadas por um português. Ouvi dizer que só alguns que estão em certos escritórios é que conseguem passar no exame de admissão”, atirou, pedindo à AAM e também a Florinda Chan que encontrem “uma solução”.
Ung Choi Kun, deputado da dupla de Fujien, criticou “as leis com características colonialistas” que continuam em vigor na RAEM, para defender a necessidade de se formarem mais juristas locais. Já Cheung Lup Kwan insinuou que, para a AAM, “os professores da UCTM não servem, só os da Universidade de Macau”. E defendeu que passe a ser o Governo a dizer quem é que deve (ou não) trabalhar como advogado no território. Na resposta, a secretária para a Administração e Justiça explicou que “a sociedade tem levantado a questão”, mas disse também que para alterar as regras de acesso à advocacia é necessário negociar com a AAM. “É possível alterar a lei, mas é preciso ouvir a Associação”, disse, referindo igualmente que a Administração não coloca entraves à contratação de juristas formados pela UCTM, mas não pode interferir nos critérios da AAM.
O PONTO FINAL tentou chegar à fala com o presidente da Associação para obter um comentário sobre estas declarações, mas tal não foi possível até à hora de fecho desta edição. Recorde-se que, na abertura do ano novo judiciário, Jorge Neto Valente fez questão em esclarecer as críticas “totalmente infundadas” feitas à AAM em relação aos licenciados em Direito pela UCTM, vincando que o curso tem por base, e por objectivo, o conhecimento do Direito da China, incluindo apenas algumas matérias do Direito de Macau, dadas com pouco desenvolvimento. “Não é preciso ser jurista para perceber as razões por que uns reprovam e outros não”, sublinhou, reiterando que, para a AAM, o que interessa é a qualidade e não a etnia.
As promessas de Florinda
No debate da passada segunda-feira, a secretária para a Administração e Justiça escudou-se na independência dos tribunais para dizer nada poder fazer em relação ao estado do sistema judiciário. Ontem, perante a insistência de vários deputados, a resposta foi mais elaborada, mas nem por isso mais conclusiva. “Temos mantido o diálogo com os tribunais e participamos na formação de magistrados. Antes de 1999, os procedimentos administrativos estavam a cargo da Administração, mas essa situação foi alterada”, começou por explicar, lembrando que o presidente do Tribunal de Última Instância e o Procurador da RAEM têm os seus próprios gabinetes. “Já não é da responsabilidade do Governo da RAEM, mas sim dos gabinetes. Se a situação tem que ser revista, vamos ouvir a vossa opinião. Vou tomar nota e fazer os respectivos estudos.”
Florinda Chan frisou que a única responsabilidade do Executivo é a formação de magistrados – nesse âmbito, mais seis deverão concluir o curso no próximo ano. Já estão abertas as inscrições para o curso que se segue: “Esperamos admitir vinte candidatos”. As vagas são propostas por sugestão dos órgãos judiciais e o curso é criado por despacho do Chefe do Executivo, disse também. E assim sacudiu a água do capote, reconhecendo, contudo, que “temos margem para melhoria”.
Nada se ficou a saber, no entanto, sobre a possibilidade de serem recrutados juízes a Portugal (sugestão feita por vários deputados, incluindo a presidente da AL), por tal também não ser da competência da sua tutela. Susana Chou sugeriu ainda a revisão da Lei de Bases da Organização Judiciária, mas não se percebeu o entendimento do Governo em relação a esta pretensão.
Lei da Droga e grandes Códigos
Sam Chan Io foi um dos vários membros da AL que focou os problemas do sistema judiciário, recordando que, além da questão da quantidade, “há quem fale também no problema da qualidade”. O deputado nomeado pelo Chefe do Executivo pronunciou-se ainda sobre outra matéria que faz parte da suas preocupações: a proposta de lei sobre o consumo e tráfico de estupefacientes, diploma que está a ser analisado em sede de comissão pela Assembleia. O deputado pretendia saber qual é a política criminal do Executivo para os jovens. “Será que o Governo quer que o jovem infractor se reintegre na sociedade? É que de acordo com a proposta, mal infringe a lei vai logo parar à cadeia”, notou.
A avaliar pela resposta de Florinda Chan, o professor de Direito da Universidade de Macau não está a fazer a leitura correcta da proposta de lei. “A nossa política não é para penalizar severamente, visamos reabilitar esses infractores”, declarou a secretária, prometendo dar maior atenção à prevenção e dizendo que, embora não haja um sistema obrigatório de substituição da pena por reabilitação, os juízes têm sempre a hipótese de optar por recomendar a desintoxicação. “Não temos condições para aplicar as medidas coercivas que Hong Kong tem.”
A proposta em estudo na AL duplica a pena de prisão para os consumidores. Embora dilate a moldura penal para o crime de tráfico (dilatação, aliás, considerada excessiva por alguns juristas e deputados por oferecer balizas amplas aos juízes), acaba com o tipo legal do tráfico de quantidades diminutas (o tráfico que é feito apenas para consumo). Em termos práticos, se o diploma for aprovado, os traficantes passam a estar todos sujeitos à mesma moldura penal (de três a 15 anos). Na lei actual, o tráfico de quantidades diminutas é condenado com penas de prisão que vão de um a dois anos. O restante tráfico com penas que vão dos oito aos 12 anos de privação de liberdade.
À semelhança do que aconteceu na sessão de segunda-feira, o ritmo da reforma jurídica voltou a ser uma questão abordada. Lao Pun Lap perguntou se o Governo tem ponderado “as necessidades da sociedade para tratar com maior urgência as questões que a preocupam”, defendendo um maior diálogo com a Assembleia. “O Governo tem que saber elencar as prioridades.”
Leong Heng Teng alertou para a necessidade de se pensar nas revisões aos grandes Códigos. Florinda Chan admitiu a importância da matéria.
Numa intervenção algo intempestiva, David Chow pediu a revisão da lei do jogo, dizendo que a actual não serve e que os problemas já se estão a fazer sentir. A secretária remeteu explicações sobre a matéria para o responsável pelas pastas da Economia e Finanças, Francis Tam.
Governo esforçado
Num debate que ficou novamente marcado por muitas criticas à forma como têm sido conduzidas as políticas das áreas da Administração e Justiça, foram vários os deputados que lamentaram a falta de comunicação do Governo com a população em geral e também com a própria Assembleia. Iong Weng Ian explicou que, até Agosto deste ano, a taxa de resposta do Executivo às interpelações escritas dos deputados era de apenas trinta por cento. Sugeriu a implementação da carta de qualidade em relação às interpelações.
Susana Chou aproveitou a deixa e argumentou que a AL tem regras internas para as interpelações escritas. “Esperamos que o Governo possa dar respostas em trinta dias porque, se não der uma resposta atempada, o nosso sistema não funciona”, afirmou, deixando a possibilidade de se aumentar este prazo, desde que “o Governo nos dê o devido respeito”. Kou Hoi In contou que esteve mais de um ano à espera de resposta a uma interpelação.
Os deputados não pouparam Florinda Chan no que toca à relação com a população. Voltaram a insistir de que nada adianta fazer consultas públicas se não se tiverem em consideração os dados recolhidos e houve quem tivesse dito não perceber onde está “o espírito de melhor servir a população”, caso de Chan Meng Kam. A governante manteve a sua linha de defesa: assegurou que o Governo está atento a todas as questões levantadas – das condições de trabalho dos funcionários públicos aos mecanismos de resolução dos problemas dos cidadãos em assuntos cívicos e municipais – e que está a “enviar esforços” para que tudo corra melhor.
E ao nono ano, os deputados acordaram: o sistema judiciário tem falta de juízes e é lento na tomada de decisões. Para alguns, o problema deve-se à língua portuguesa, obstáculo à formação de magistrados. Outros pensam de forma diferente e propõem que se vá buscar juízes a Portugal. Florinda Chan sacudiu a água do capote, disse que não era nada com ela, mas lá acabou por prometer estudar o assunto. Coube a Leonel Alves pôr ordem na casa.
Isabel Castro
É um recado que pode ser para muitos destinatários, incluindo deputados, membros do Governo e até alguns responsáveis pela magistratura. Leonel Alves não identificou directamente os receptores – dirigia-se ao plenário em geral - mas não usou metáforas para fazer passar a mensagem: “Os nacionalismos percebiam-se em 1999, em 2000 e em 2001. Mas estamos a caminho de 2009.”
O deputado falava ontem na Assembleia Legislativa (AL), durante a segunda sessão do debate sectorial das áreas da Administração e Justiça das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2009. A ideia foi deixada depois de vários membros do hemiciclo terem usado da palavra para perguntarem a Florinda Chan o que pretende fazer para remediar as carências do sistema judiciário, que sofre da falta de juízes e se pauta pela morosidade processual.
O assunto tinha sido já abordado na tarde da passada segunda-feira, mas as respostas dadas pela secretária foram tão vagas que, ontem, vários deputados voltaram à carga. Não obstante terem diferentes perspectivas sobre as origens do dilema, foram consensuais na defesa da necessidade de adopção de medidas, por parte do Governo, para agilizar o funcionamento dos tribunais.
Leonel Alves começou por se congratular com o facto de tantos colegas seus levarem à AL os problemas do sistema judiciário. “Desde 2000 que tem havido referências ao sistema judiciário, mas sempre de uma forma pontual.” O conteúdo dos debates dos últimos dois dias levam-no a concluir que “houve um salto qualitativo na abordagem desta questão”. E, assim sendo, estão reunidas as condições para se fazer um outro tipo de abordagem. “O bilinguismo e o Direito deve suscitar debate entre todos nós”, defendeu.
“O bilinguismo é ou não uma aposta a prosseguir? Todos nós sabemos que a Lei Básica diz que a língua portuguesa pode continuar a ser usada. [...] Porque é que o legislador consagrou esta solução?”, lançou o também advogado. “Creio que foi por causa do Direito e do estudo do Direito, porque temos que formar pessoas e esperar que os formandos sejam bons aplicadores.” Recordando que, na década de 1990, houve uma aposta na formação de quadros bilingues, Alves defendeu que não se deve parar com esta tarefa, tendo também sugerido a elaboração de um plano para a tradução de obras jurídicas de autores de língua portuguesa, para que os aplicadores com menor domínio do português possam perceber a origem do Direito de Macau. O deputado e advogado Sam Chan Io tinha-se queixado, minutos antes, da fraca literatura jurídica disponível no território.
Leonel Alves recomendou que “não devem ser feitas opções à porta fechada”. “Se não fizermos opções claras”, prosseguiu, “daqui a uns anos vamos ter problemas não só com o funcionamento do sistema judiciário, como com a própria aplicação da lei”, por não terem sido transmitidos os conhecimentos suficientes a quem a aplica.
O deputado, que é também membro do Conselho Executivo, acrescentou que não consegue imaginar um aluno de Direito ou um juiz em Hong Kong que não saiba inglês – “até porque a Common Law exige conhecer precedentes jurisprudenciais” – e deixou uma questão: “Pergunto aos colegas [deputados] porque é que os aplicadores da lei de Macau não deverão conhecer um pouco de português. Temos que assumir isto com seriedade.” Posto isto, disse não perceber as razões para a existência do “prurido do nacionalismo”, nove anos volvidos da transferência de Administração. “O futuro de Macau não depende só da economia, depende também da eficiência dos sistemas jurídico e judiciário”, rematou.
Nos comentários que fez às declarações de Alves, a secretária para a Administração e Justiça disse concordar com o deputado. “Não se deve insistir se é em chinês ou em português. Todas as leis que foram aprovadas depois da transferência são bilingues. A língua é importante, mas a qualidade do conteúdo das leis é-o ainda mais.”
O advogado português, esse obstáculo
Leitura bem diferente do assunto parecem ter Chan Chak Mo e Cheung Lup Kwan, que olham para a língua portuguesa como um obstáculo ao sistema. Recorde-se que, de acordo com os dados oficiais do Governo e dos tribunais, o uso do chinês no sistema judiciário tem aumentado, o que não equivaleu, contudo, a uma maior celeridade processual. Mas os deputados não chamaram estes dados à colação.
Chan Chak Mo citou um caso (dele próprio) que está em tribunal desde 1998, falou da lentidão da Justiça e da falta de juízes, dizendo que a obrigatoriedade de dominar a língua portuguesa faz com que haja poucos magistrados formados localmente. Explicou que “há muitas leis que estão em português”, defendendo a sua tradução o mais rapidamente possível. E, com alguma indignação, traçou um estranho paralelismo: “Para os advogados de língua portuguesa não se exige o chinês. Por isso é que os cargos de magistrados são dominados por portugueses.” Chan parece ignorar o facto de que, além de serem em muito menor número, os juízes portugueses não são, por exemplo, presidentes de colectivos.
O deputado considerou que é por causa dos causídicos portugueses que os processos ficam entupidos nos tribunais, já que “exigem tradução”, e fez críticas à Associação dos Advogados de Macau (AAM), a propósito do acesso à profissão pelos licenciados em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (UCTM). “As provas podem ser feitas em chinês mas têm que ser traduzidas e são avaliadas por um português. Ouvi dizer que só alguns que estão em certos escritórios é que conseguem passar no exame de admissão”, atirou, pedindo à AAM e também a Florinda Chan que encontrem “uma solução”.
Ung Choi Kun, deputado da dupla de Fujien, criticou “as leis com características colonialistas” que continuam em vigor na RAEM, para defender a necessidade de se formarem mais juristas locais. Já Cheung Lup Kwan insinuou que, para a AAM, “os professores da UCTM não servem, só os da Universidade de Macau”. E defendeu que passe a ser o Governo a dizer quem é que deve (ou não) trabalhar como advogado no território. Na resposta, a secretária para a Administração e Justiça explicou que “a sociedade tem levantado a questão”, mas disse também que para alterar as regras de acesso à advocacia é necessário negociar com a AAM. “É possível alterar a lei, mas é preciso ouvir a Associação”, disse, referindo igualmente que a Administração não coloca entraves à contratação de juristas formados pela UCTM, mas não pode interferir nos critérios da AAM.
O PONTO FINAL tentou chegar à fala com o presidente da Associação para obter um comentário sobre estas declarações, mas tal não foi possível até à hora de fecho desta edição. Recorde-se que, na abertura do ano novo judiciário, Jorge Neto Valente fez questão em esclarecer as críticas “totalmente infundadas” feitas à AAM em relação aos licenciados em Direito pela UCTM, vincando que o curso tem por base, e por objectivo, o conhecimento do Direito da China, incluindo apenas algumas matérias do Direito de Macau, dadas com pouco desenvolvimento. “Não é preciso ser jurista para perceber as razões por que uns reprovam e outros não”, sublinhou, reiterando que, para a AAM, o que interessa é a qualidade e não a etnia.
As promessas de Florinda
No debate da passada segunda-feira, a secretária para a Administração e Justiça escudou-se na independência dos tribunais para dizer nada poder fazer em relação ao estado do sistema judiciário. Ontem, perante a insistência de vários deputados, a resposta foi mais elaborada, mas nem por isso mais conclusiva. “Temos mantido o diálogo com os tribunais e participamos na formação de magistrados. Antes de 1999, os procedimentos administrativos estavam a cargo da Administração, mas essa situação foi alterada”, começou por explicar, lembrando que o presidente do Tribunal de Última Instância e o Procurador da RAEM têm os seus próprios gabinetes. “Já não é da responsabilidade do Governo da RAEM, mas sim dos gabinetes. Se a situação tem que ser revista, vamos ouvir a vossa opinião. Vou tomar nota e fazer os respectivos estudos.”
Florinda Chan frisou que a única responsabilidade do Executivo é a formação de magistrados – nesse âmbito, mais seis deverão concluir o curso no próximo ano. Já estão abertas as inscrições para o curso que se segue: “Esperamos admitir vinte candidatos”. As vagas são propostas por sugestão dos órgãos judiciais e o curso é criado por despacho do Chefe do Executivo, disse também. E assim sacudiu a água do capote, reconhecendo, contudo, que “temos margem para melhoria”.
Nada se ficou a saber, no entanto, sobre a possibilidade de serem recrutados juízes a Portugal (sugestão feita por vários deputados, incluindo a presidente da AL), por tal também não ser da competência da sua tutela. Susana Chou sugeriu ainda a revisão da Lei de Bases da Organização Judiciária, mas não se percebeu o entendimento do Governo em relação a esta pretensão.
Lei da Droga e grandes Códigos
Sam Chan Io foi um dos vários membros da AL que focou os problemas do sistema judiciário, recordando que, além da questão da quantidade, “há quem fale também no problema da qualidade”. O deputado nomeado pelo Chefe do Executivo pronunciou-se ainda sobre outra matéria que faz parte da suas preocupações: a proposta de lei sobre o consumo e tráfico de estupefacientes, diploma que está a ser analisado em sede de comissão pela Assembleia. O deputado pretendia saber qual é a política criminal do Executivo para os jovens. “Será que o Governo quer que o jovem infractor se reintegre na sociedade? É que de acordo com a proposta, mal infringe a lei vai logo parar à cadeia”, notou.
A avaliar pela resposta de Florinda Chan, o professor de Direito da Universidade de Macau não está a fazer a leitura correcta da proposta de lei. “A nossa política não é para penalizar severamente, visamos reabilitar esses infractores”, declarou a secretária, prometendo dar maior atenção à prevenção e dizendo que, embora não haja um sistema obrigatório de substituição da pena por reabilitação, os juízes têm sempre a hipótese de optar por recomendar a desintoxicação. “Não temos condições para aplicar as medidas coercivas que Hong Kong tem.”
A proposta em estudo na AL duplica a pena de prisão para os consumidores. Embora dilate a moldura penal para o crime de tráfico (dilatação, aliás, considerada excessiva por alguns juristas e deputados por oferecer balizas amplas aos juízes), acaba com o tipo legal do tráfico de quantidades diminutas (o tráfico que é feito apenas para consumo). Em termos práticos, se o diploma for aprovado, os traficantes passam a estar todos sujeitos à mesma moldura penal (de três a 15 anos). Na lei actual, o tráfico de quantidades diminutas é condenado com penas de prisão que vão de um a dois anos. O restante tráfico com penas que vão dos oito aos 12 anos de privação de liberdade.
À semelhança do que aconteceu na sessão de segunda-feira, o ritmo da reforma jurídica voltou a ser uma questão abordada. Lao Pun Lap perguntou se o Governo tem ponderado “as necessidades da sociedade para tratar com maior urgência as questões que a preocupam”, defendendo um maior diálogo com a Assembleia. “O Governo tem que saber elencar as prioridades.”
Leong Heng Teng alertou para a necessidade de se pensar nas revisões aos grandes Códigos. Florinda Chan admitiu a importância da matéria.
Numa intervenção algo intempestiva, David Chow pediu a revisão da lei do jogo, dizendo que a actual não serve e que os problemas já se estão a fazer sentir. A secretária remeteu explicações sobre a matéria para o responsável pelas pastas da Economia e Finanças, Francis Tam.
Governo esforçado
Num debate que ficou novamente marcado por muitas criticas à forma como têm sido conduzidas as políticas das áreas da Administração e Justiça, foram vários os deputados que lamentaram a falta de comunicação do Governo com a população em geral e também com a própria Assembleia. Iong Weng Ian explicou que, até Agosto deste ano, a taxa de resposta do Executivo às interpelações escritas dos deputados era de apenas trinta por cento. Sugeriu a implementação da carta de qualidade em relação às interpelações.
Susana Chou aproveitou a deixa e argumentou que a AL tem regras internas para as interpelações escritas. “Esperamos que o Governo possa dar respostas em trinta dias porque, se não der uma resposta atempada, o nosso sistema não funciona”, afirmou, deixando a possibilidade de se aumentar este prazo, desde que “o Governo nos dê o devido respeito”. Kou Hoi In contou que esteve mais de um ano à espera de resposta a uma interpelação.
Os deputados não pouparam Florinda Chan no que toca à relação com a população. Voltaram a insistir de que nada adianta fazer consultas públicas se não se tiverem em consideração os dados recolhidos e houve quem tivesse dito não perceber onde está “o espírito de melhor servir a população”, caso de Chan Meng Kam. A governante manteve a sua linha de defesa: assegurou que o Governo está atento a todas as questões levantadas – das condições de trabalho dos funcionários públicos aos mecanismos de resolução dos problemas dos cidadãos em assuntos cívicos e municipais – e que está a “enviar esforços” para que tudo corra melhor.