Fogo de todos os lados para Florinda
Não houve dó nem piedade. A secretária para a Administração e Justiça foi ontem à Assembleia Legislativa defender os seus planos para o próximo ano. Não anunciou novidades de maior e foi muito criticada, sobretudo por deixar arrastar problemas sem os resolver. A governante promete acelerar os trabalhos e continuar a estudar. Deixou muitas perguntas por responder mas levou uma “prenda” para casa.
Isabel Castro
Não foi a primeira vez que a presidente da Assembleia Legislativa (AL) “puxou as orelhas” à secretária para a Administração e Justiça, mas desta feita fê-lo com particular força. Susana Chou aproveitou o debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) relativas ao último ano de mandato do Governo para resumir nove anos de queixas quanto à forma como a Administração se tem comportado com o órgão legislativo.
“Não é a primeira vez que faço esta queixa. Nunca sabemos quando é que o Executivo vai apresentar propostas de lei”, lamentou a presidente da AL, explicando que a inexistência de comunicação por parte do Governo em nada ajuda a Assembleia a cumprir com as suas responsabilidades. “Estou a falar de diálogo, já nem sequer falo de respeito. Espero que o próximo Executivo pense nessa questão”, acrescentou, dizendo esperar que a AL possa saber quantas propostas vai receber até ao final da legislatura. “O Governo deve dizer claramente o que vai fazer.”
O recado foi deixado poucos minutos após o início da sessão. Florinda Chan reagiu (aceitou as críticas e aproveitou para pedir desculpa aos deputados pelo tempo que o Executivo demora a responder às interpelações escritas, prometendo introduzir melhorias nesta matéria), mas nem por isso seguiu o apelo deixado por Susana Chou – muitas questões receberam respostas vagas, com promessas de estudos aprofundados e sem datas concretas para a implementação de medidas que os deputados entendem ser importantes. E de nada adiantou os deputados insistirem: a secretária refugiou-se no facto de já ter respondido para não fornecer mais detalhes.
Exemplos do “debate” pouco conclusivo: os problemas no sistema judiciário, a proposta de lei sobre o regime de responsabilização do Chefe do Executivo e dos principais titulares de cargos políticos, a melhoria do tratamento dos dados recolhidos em processos de auscultação da população. Houve deputados que apontaram o dedo à lentidão nas reformas administrativa e jurídica, sendo que ouviram promessas de trabalhos acelerados.
Falta de juízes e a “atitude irresponsável”
A falta de juízes e a lentidão do sistema judiciário da RAEM foram abordados por vários deputados e deram origem a críticas nada meigas de Susana Chou. Tina Ho foi a primeira a puxar o assunto: “Os magistrados não conseguem dar conta dos processos. A formação não se faz de um dia para o outro e a Administração não conseguiu encontrar uma solução.” Chan limitou-se a explicar que os dez formandos do primeiro curso já estão a trabalhar, dizendo que as inscrições para o terceiro curso estão abertas. E aproveitou a oportunidade para falar do curso destinado a oficiais de Justiça que o Governo vai disponibilizar.
Lee Chong Cheng propôs a criação de um juízo de trabalho como forma de dar resposta ao número crescente de processos nesta área específica. “Vamos falar com os órgãos judiciais para ver se estão ou não criadas as condições”, prometeu a governante, recordando que o juízo não foi criado aquando da revisão da Lei de Bases da Organização Judiciária porque “o número de juízes é limitado”.
Au Kam San recuperou o tema para explicar à secretária que “o sistema judiciário nunca inculcou confiança à população”. E nove anos volvidos do estabelecimento da RAEM, “já não se pode culpar a Administração anterior”. Para o democrata, as três linhas de discurso que Florinda Chan dispensou à Justiça fazem com que haja legitimidade para perguntar qual a finalidade da tutela. E de nada lhe vale alegar que os tribunais são independentes, recomendou. “Isso é incompetência.”
Mas a independência do sistema foi precisamente o argumento utilizado pela governante, numa resposta lacónica - tom que marcou, aliás, a sua intervenção no plenário de ontem. “Não nos podemos intrometer no funcionamento dos tribunais”, declarou, sem mais.
O contra-ataque foi feito pela presidente da AL que, admitiu, ao contrário do que é hábito, concorda com Au Kam San. “A independência dos tribunais tem a ver com a não interferência nas decisões judiciais”, esclareceu Susana Chou, defendendo que compete ao Governo dar condições de trabalho ao sector. “Os juízes que temos não chegam, porque não se altera a lei?”, lançou. “A independência [dos tribunais] não é pretexto [...] É uma atitude irresponsável. Em nove anos, o número de juízes não foi aumentado.”
A presidente vincou que os cidadãos passam anos à espera de decisões dos tribunais e apresentou a solução, em forma de questão: “Porque é que não podemos ir recrutar juízes a Portugal? O Tribunal Superior de Justiça de Hong Kong foi buscar recentemente três magistrados ingleses. Macau não pode fazer o mesmo?” Florinda Chan não respondeu.
E depois do adeus?
Sem resposta concreta ficaram também as várias perguntas colocadas em torno da criação de um regime de responsabilização dos titulares dos principais cargos do Governo da RAEM, um diploma semelhante ao que já foi entregue à AL sobre as chefias da Administração. Fong Chi Keong quis saber se vai ou não haver este regime, Kwan Tsui Hang repetiu a questão, Ng Kuok Cheong foi mais longe na sua pretensão.
“Ao longo de nove anos nunca foi necessária qualquer responsabilização dos governantes, parece que será só para os próximos”, afirmou, fazendo alusão ao caso Ao Man Long e “às declarações em tribunal relacionadas com competências de autorização, do Chefe do Executivo aos vários níveis de dirigentes e chefias”. O deputado pretendia saber como é que vai ser feito o regime de responsabilização, ou seja, quais as obrigações e interdições a que estarão sujeitos os titulares dos principais cargos políticos após o fim das suas funções.
“Em tempo oportuno, vamos apresentar o regime sobre os dirigentes. Ainda não temos nenhum texto elaborado”, disse a responsável pelas tutelas da Administração e Justiça, sem dar qualquer pista sobre a opção político-legislativa.
Florinda Chan prometeu ontem que, com a criação e a entrada em funcionamento dos centros de prestação de serviços ao público, centro de informações ao público e conselhos consultivos de serviços comunitários (ver texto nestas páginas), “o Governo vai reforçar o diálogo com a população e ouvir com atenção as sugestões dos cidadãos”. Vários deputados louvaram a acção do Executivo no que diz respeito à recolha de opiniões. Porém, lamentaram o tratamento que é feito ao material recolhido nestas auscultações, não obstante os vários grupos de trabalho e comissões que se multiplicam para ouvir a população.
“As opiniões não são consideradas adequadamente. Não há qualquer mecanismo para o seu tratamento”, disse Kwan Tsui Hang. Angela Leong afinou pelo mesmo diapasão e Chui Sai Peng, deputado nomeado pelo Chefe do Executivo, sugeriu a criação de uma “unidade para a consulta pública”, já que “o Governo parece estar a expandir a Administração e não a torná-la mais simples”.
A pretensão de Chui não será realizada, pelo menos por enquanto. “Não podemos criar um super-serviço para auscultar tudo, mas há coordenação entre as cinco tutelas”, referiu Chan, que adiantou que vão ser elaborados relatórios após as consultas públicas para que “as pessoas possam saber quais as opiniões que foram acolhidas”.
Das metas anunciadas nas LAG do próximo ano, faz parte o “reforço” da divulgação junto da população das políticas e leis em vigor, com especial destaque para o Artigo 23º - que serve também “para promover o patriotismo”, defende a secretária -, bem como da Lei Básica. A presidente da AL deixou um recado a Florinda Chan, avisando desde logo não precisar de uma resposta da governante. “O Governo gasta muito dinheiro na divulgação da Lei Básica, divulgando-a até na China Continental. Não sei se tem ponderado a necessidade de os seus dirigentes também estudarem a Lei Básica”, atirou. Sem “imputar responsabilidades a ninguém”, Chou explicou que há dirigentes que fazem “interpretações arbitrárias” do conteúdo do diploma fundamental da RAEM. “Este é já o nono ano desde o estabelecimento da RAEM. É ridículo que não conheçam a Lei Básica”.
A “prenda” e o Artigo 23º
Florinda Chan saiu ontem da Assembleia com uma “prenda”. O gesto “generoso” foi da responsabilidade de José Pereira Coutinho, que entregou à secretária um quadro com recortes de jornais e imagens de protestos contra as suas políticas. O deputado mostrou a “prenda” – expressão utilizada pelo próprio - a todo o hemiciclo e fez a moldura chegar às mãos da governante. Seguiu-se uma intervenção com um vasto rol de queixas, já bem conhecidas: os aumentos para os funcionários públicos que as LAG para 2009 não contemplam, o regime de subsídios desactualizado (“Com mil patacas nem uma casa de banho se consegue arrendar”, explicou), o dinheiro que os trabalhadores da Administração perderam devido ao sistema de gestão de riscos do regime de previdência. Mais: o presidente da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau entende que se o Governo alega a responsabilidade constitucional para regulamentar o Artigo 23º, deve fazer o mesmo em relação ao Artigo 27º, onde se encaixa a lei sindical.
O Artigo 23º foi assunto levado ao plenário também por Au Kam San, que não entende a urgência em se legislar sobre a defesa da segurança do Estado, “uma lei prospectiva”, quando “há muitos outros diplomas, e mais urgentes, que deviam ser feitos ou revistos”. O ritmo da reforma jurídica foi matéria abordada por vários deputados. Chan diz que o plano traçado está a ser seguido.
A secretária explicou que o regime de subsídios dos funcionários públicos está em revisão, esperando poder apresentar “em breve” um esboço de proposta. Quanto ao regime de previdência, disse que estão a ser feitos estudos sobre a necessidade de uma eventual alteração. Quanto ao estatuto dos trabalhadores do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (Coutinho diz serem “trabalhadores de segunda” pela forma como são tratados), é assunto que também está a ser estudado. O gabinete de Chan está ainda a estudar a possibilidade de se alterar a situação dos contratados além quadro para outra que dê maior estabilidade de vida aos trabalhadores e vai “aclarar” a possibilidade de os funcionários públicos poderem pedir a reforma antecipada aos 60 anos (à semelhança do que acontece no sector privado com o Fundo de Segurança Social) aquando da revisão do regime de previdência social.
Alguns deputados falaram da necessidade de uma maior coordenação entre os diversos serviços públicos e da melhoria do serviço one-stop. “Desde o estabelecimento da RAEM que a nossa linha de actuação é muito clara: os serviços públicos têm que prestar o melhor serviço aos cidadãos. O serviço one-stop vai ser aperfeiçoado com o tempo”, afirmou a governante, destacando a importância dos centros de prestação de serviços ao público.
Chan salientou também, durante a sua intervenção, a relevância do “aperfeiçoamento do mecanismo para gestão de ocorrências imprevistas”, o desenvolvimento das funções do Grupo de Coordenação para a Segurança Alimentar (GCSA) e a criação de um centro de serviços na zona Norte da cidade - “onde se concentra 40 por cento da população de Macau” -, medidas que constam do seu relatório. Muitos foram os deputados que quiseram saber mais sobre o GCSA, mas a resposta será dada por escrito.
Do debate de ontem, referência ainda para os recados deixados por Fong Chi Keong. O deputado entende que os responsáveis pelos serviços públicos estão em pouco contacto com a população. “A secretária não deve trabalhar tanto, deve concentrar-se na definição de políticas”, indicou. Recomendou também ao Governo que “não delegue tudo nas associações”. E condenou o facto de o Comissariado contra a Corrupção, que responde directamente ao Chefe do Executivo, fazer críticas públicas a serviços da tutela da secretária.
Fong Chi Keong terá sido o deputado que menos críticas directas fez a Florinda Chan. É que ontem até três deputados nomeados pelo Chefe do Executivo quiseram falar para confrontar a secretária com os resultados da sua governação. Hoje, Chan volta à AL para mais uma maratona de cinco horas. Porque a sessão de ontem pouco ou nada teve de debate, Susana Chou apelou aos deputados para “pensarem melhor” nas questões a colocar, de modo a facilitar a troca de ideias.
Não houve dó nem piedade. A secretária para a Administração e Justiça foi ontem à Assembleia Legislativa defender os seus planos para o próximo ano. Não anunciou novidades de maior e foi muito criticada, sobretudo por deixar arrastar problemas sem os resolver. A governante promete acelerar os trabalhos e continuar a estudar. Deixou muitas perguntas por responder mas levou uma “prenda” para casa.
Isabel Castro
Não foi a primeira vez que a presidente da Assembleia Legislativa (AL) “puxou as orelhas” à secretária para a Administração e Justiça, mas desta feita fê-lo com particular força. Susana Chou aproveitou o debate sobre as Linhas de Acção Governativa (LAG) relativas ao último ano de mandato do Governo para resumir nove anos de queixas quanto à forma como a Administração se tem comportado com o órgão legislativo.
“Não é a primeira vez que faço esta queixa. Nunca sabemos quando é que o Executivo vai apresentar propostas de lei”, lamentou a presidente da AL, explicando que a inexistência de comunicação por parte do Governo em nada ajuda a Assembleia a cumprir com as suas responsabilidades. “Estou a falar de diálogo, já nem sequer falo de respeito. Espero que o próximo Executivo pense nessa questão”, acrescentou, dizendo esperar que a AL possa saber quantas propostas vai receber até ao final da legislatura. “O Governo deve dizer claramente o que vai fazer.”
O recado foi deixado poucos minutos após o início da sessão. Florinda Chan reagiu (aceitou as críticas e aproveitou para pedir desculpa aos deputados pelo tempo que o Executivo demora a responder às interpelações escritas, prometendo introduzir melhorias nesta matéria), mas nem por isso seguiu o apelo deixado por Susana Chou – muitas questões receberam respostas vagas, com promessas de estudos aprofundados e sem datas concretas para a implementação de medidas que os deputados entendem ser importantes. E de nada adiantou os deputados insistirem: a secretária refugiou-se no facto de já ter respondido para não fornecer mais detalhes.
Exemplos do “debate” pouco conclusivo: os problemas no sistema judiciário, a proposta de lei sobre o regime de responsabilização do Chefe do Executivo e dos principais titulares de cargos políticos, a melhoria do tratamento dos dados recolhidos em processos de auscultação da população. Houve deputados que apontaram o dedo à lentidão nas reformas administrativa e jurídica, sendo que ouviram promessas de trabalhos acelerados.
Falta de juízes e a “atitude irresponsável”
A falta de juízes e a lentidão do sistema judiciário da RAEM foram abordados por vários deputados e deram origem a críticas nada meigas de Susana Chou. Tina Ho foi a primeira a puxar o assunto: “Os magistrados não conseguem dar conta dos processos. A formação não se faz de um dia para o outro e a Administração não conseguiu encontrar uma solução.” Chan limitou-se a explicar que os dez formandos do primeiro curso já estão a trabalhar, dizendo que as inscrições para o terceiro curso estão abertas. E aproveitou a oportunidade para falar do curso destinado a oficiais de Justiça que o Governo vai disponibilizar.
Lee Chong Cheng propôs a criação de um juízo de trabalho como forma de dar resposta ao número crescente de processos nesta área específica. “Vamos falar com os órgãos judiciais para ver se estão ou não criadas as condições”, prometeu a governante, recordando que o juízo não foi criado aquando da revisão da Lei de Bases da Organização Judiciária porque “o número de juízes é limitado”.
Au Kam San recuperou o tema para explicar à secretária que “o sistema judiciário nunca inculcou confiança à população”. E nove anos volvidos do estabelecimento da RAEM, “já não se pode culpar a Administração anterior”. Para o democrata, as três linhas de discurso que Florinda Chan dispensou à Justiça fazem com que haja legitimidade para perguntar qual a finalidade da tutela. E de nada lhe vale alegar que os tribunais são independentes, recomendou. “Isso é incompetência.”
Mas a independência do sistema foi precisamente o argumento utilizado pela governante, numa resposta lacónica - tom que marcou, aliás, a sua intervenção no plenário de ontem. “Não nos podemos intrometer no funcionamento dos tribunais”, declarou, sem mais.
O contra-ataque foi feito pela presidente da AL que, admitiu, ao contrário do que é hábito, concorda com Au Kam San. “A independência dos tribunais tem a ver com a não interferência nas decisões judiciais”, esclareceu Susana Chou, defendendo que compete ao Governo dar condições de trabalho ao sector. “Os juízes que temos não chegam, porque não se altera a lei?”, lançou. “A independência [dos tribunais] não é pretexto [...] É uma atitude irresponsável. Em nove anos, o número de juízes não foi aumentado.”
A presidente vincou que os cidadãos passam anos à espera de decisões dos tribunais e apresentou a solução, em forma de questão: “Porque é que não podemos ir recrutar juízes a Portugal? O Tribunal Superior de Justiça de Hong Kong foi buscar recentemente três magistrados ingleses. Macau não pode fazer o mesmo?” Florinda Chan não respondeu.
E depois do adeus?
Sem resposta concreta ficaram também as várias perguntas colocadas em torno da criação de um regime de responsabilização dos titulares dos principais cargos do Governo da RAEM, um diploma semelhante ao que já foi entregue à AL sobre as chefias da Administração. Fong Chi Keong quis saber se vai ou não haver este regime, Kwan Tsui Hang repetiu a questão, Ng Kuok Cheong foi mais longe na sua pretensão.
“Ao longo de nove anos nunca foi necessária qualquer responsabilização dos governantes, parece que será só para os próximos”, afirmou, fazendo alusão ao caso Ao Man Long e “às declarações em tribunal relacionadas com competências de autorização, do Chefe do Executivo aos vários níveis de dirigentes e chefias”. O deputado pretendia saber como é que vai ser feito o regime de responsabilização, ou seja, quais as obrigações e interdições a que estarão sujeitos os titulares dos principais cargos políticos após o fim das suas funções.
“Em tempo oportuno, vamos apresentar o regime sobre os dirigentes. Ainda não temos nenhum texto elaborado”, disse a responsável pelas tutelas da Administração e Justiça, sem dar qualquer pista sobre a opção político-legislativa.
Florinda Chan prometeu ontem que, com a criação e a entrada em funcionamento dos centros de prestação de serviços ao público, centro de informações ao público e conselhos consultivos de serviços comunitários (ver texto nestas páginas), “o Governo vai reforçar o diálogo com a população e ouvir com atenção as sugestões dos cidadãos”. Vários deputados louvaram a acção do Executivo no que diz respeito à recolha de opiniões. Porém, lamentaram o tratamento que é feito ao material recolhido nestas auscultações, não obstante os vários grupos de trabalho e comissões que se multiplicam para ouvir a população.
“As opiniões não são consideradas adequadamente. Não há qualquer mecanismo para o seu tratamento”, disse Kwan Tsui Hang. Angela Leong afinou pelo mesmo diapasão e Chui Sai Peng, deputado nomeado pelo Chefe do Executivo, sugeriu a criação de uma “unidade para a consulta pública”, já que “o Governo parece estar a expandir a Administração e não a torná-la mais simples”.
A pretensão de Chui não será realizada, pelo menos por enquanto. “Não podemos criar um super-serviço para auscultar tudo, mas há coordenação entre as cinco tutelas”, referiu Chan, que adiantou que vão ser elaborados relatórios após as consultas públicas para que “as pessoas possam saber quais as opiniões que foram acolhidas”.
Das metas anunciadas nas LAG do próximo ano, faz parte o “reforço” da divulgação junto da população das políticas e leis em vigor, com especial destaque para o Artigo 23º - que serve também “para promover o patriotismo”, defende a secretária -, bem como da Lei Básica. A presidente da AL deixou um recado a Florinda Chan, avisando desde logo não precisar de uma resposta da governante. “O Governo gasta muito dinheiro na divulgação da Lei Básica, divulgando-a até na China Continental. Não sei se tem ponderado a necessidade de os seus dirigentes também estudarem a Lei Básica”, atirou. Sem “imputar responsabilidades a ninguém”, Chou explicou que há dirigentes que fazem “interpretações arbitrárias” do conteúdo do diploma fundamental da RAEM. “Este é já o nono ano desde o estabelecimento da RAEM. É ridículo que não conheçam a Lei Básica”.
A “prenda” e o Artigo 23º
Florinda Chan saiu ontem da Assembleia com uma “prenda”. O gesto “generoso” foi da responsabilidade de José Pereira Coutinho, que entregou à secretária um quadro com recortes de jornais e imagens de protestos contra as suas políticas. O deputado mostrou a “prenda” – expressão utilizada pelo próprio - a todo o hemiciclo e fez a moldura chegar às mãos da governante. Seguiu-se uma intervenção com um vasto rol de queixas, já bem conhecidas: os aumentos para os funcionários públicos que as LAG para 2009 não contemplam, o regime de subsídios desactualizado (“Com mil patacas nem uma casa de banho se consegue arrendar”, explicou), o dinheiro que os trabalhadores da Administração perderam devido ao sistema de gestão de riscos do regime de previdência. Mais: o presidente da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau entende que se o Governo alega a responsabilidade constitucional para regulamentar o Artigo 23º, deve fazer o mesmo em relação ao Artigo 27º, onde se encaixa a lei sindical.
O Artigo 23º foi assunto levado ao plenário também por Au Kam San, que não entende a urgência em se legislar sobre a defesa da segurança do Estado, “uma lei prospectiva”, quando “há muitos outros diplomas, e mais urgentes, que deviam ser feitos ou revistos”. O ritmo da reforma jurídica foi matéria abordada por vários deputados. Chan diz que o plano traçado está a ser seguido.
A secretária explicou que o regime de subsídios dos funcionários públicos está em revisão, esperando poder apresentar “em breve” um esboço de proposta. Quanto ao regime de previdência, disse que estão a ser feitos estudos sobre a necessidade de uma eventual alteração. Quanto ao estatuto dos trabalhadores do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (Coutinho diz serem “trabalhadores de segunda” pela forma como são tratados), é assunto que também está a ser estudado. O gabinete de Chan está ainda a estudar a possibilidade de se alterar a situação dos contratados além quadro para outra que dê maior estabilidade de vida aos trabalhadores e vai “aclarar” a possibilidade de os funcionários públicos poderem pedir a reforma antecipada aos 60 anos (à semelhança do que acontece no sector privado com o Fundo de Segurança Social) aquando da revisão do regime de previdência social.
Alguns deputados falaram da necessidade de uma maior coordenação entre os diversos serviços públicos e da melhoria do serviço one-stop. “Desde o estabelecimento da RAEM que a nossa linha de actuação é muito clara: os serviços públicos têm que prestar o melhor serviço aos cidadãos. O serviço one-stop vai ser aperfeiçoado com o tempo”, afirmou a governante, destacando a importância dos centros de prestação de serviços ao público.
Chan salientou também, durante a sua intervenção, a relevância do “aperfeiçoamento do mecanismo para gestão de ocorrências imprevistas”, o desenvolvimento das funções do Grupo de Coordenação para a Segurança Alimentar (GCSA) e a criação de um centro de serviços na zona Norte da cidade - “onde se concentra 40 por cento da população de Macau” -, medidas que constam do seu relatório. Muitos foram os deputados que quiseram saber mais sobre o GCSA, mas a resposta será dada por escrito.
Do debate de ontem, referência ainda para os recados deixados por Fong Chi Keong. O deputado entende que os responsáveis pelos serviços públicos estão em pouco contacto com a população. “A secretária não deve trabalhar tanto, deve concentrar-se na definição de políticas”, indicou. Recomendou também ao Governo que “não delegue tudo nas associações”. E condenou o facto de o Comissariado contra a Corrupção, que responde directamente ao Chefe do Executivo, fazer críticas públicas a serviços da tutela da secretária.
Fong Chi Keong terá sido o deputado que menos críticas directas fez a Florinda Chan. É que ontem até três deputados nomeados pelo Chefe do Executivo quiseram falar para confrontar a secretária com os resultados da sua governação. Hoje, Chan volta à AL para mais uma maratona de cinco horas. Porque a sessão de ontem pouco ou nada teve de debate, Susana Chou apelou aos deputados para “pensarem melhor” nas questões a colocar, de modo a facilitar a troca de ideias.