A maratona de Florinda Chan
São dois dias para debater áreas particularmente sensíveis da governação de Edmund Ho. A secretária para a Administração e Justiça vai hoje à Assembleia Legislativa explicar o que pretende fazer durante o último ano de mandato do Governo. Não se esperam grandes novidades – o reforço e o aprofundamento do que tem sido feito parecem ser as palavras de ordem de Florinda Chan.
Isabel Castro
São áreas complicadas e que mais complexas se têm tornado à medida que o tempo vai passando. Há já vários anos que a população ouve falar das reformas da Administração e da Justiça, tarefas que parecem não ter um prazo para serem dadas por concluídas. Florinda Chan poderá ser hoje “bombardeada” com questões de resposta política difícil, tanto em matéria de ideias para o edifício administrativo como no que toca ao estado da Justiça da RAEM, que tem dado que falar nos últimos tempos.
Prevê-se que um dos protagonistas da sessão seja José Pereira Coutinho, o presidente da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau. Do relatório sobre Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2009 apresentado na passada semana pelo Chefe do Executivo não constam aumentos para os trabalhadores da Administração, não obstante conter um grande número de benesses sociais. O discurso de Edmund Ho também não incluiu grandes novidades em relação à Função Pública. O mesmo aconteceu no que toca à Justiça.
A implementação de “forma rigorosa” das disposições do Artigo 23º da Lei Básica surge no topo das prioridades governamentais em relação à Justiça de 2009, embora o primeiro esboço tenha sido já apresentado e esteja em consulta pública. O Governo já disse que quer fazer chegar a proposta à AL tão cedo quanto possível. Edmund Ho manifestou o desejo de que o órgão legislativo aprove a lei sobre a defesa da segurança do Estado antes do final do seu mandato.
Mas o Artigo 23º, aparentemente bem acolhido pela população em geral, tem sido alvo de críticas e promete fazer correr alguma tinta. A proposta feita enquadra-se, para o jurista António Katchi, numa tendência de “mão pesada” que o Governo da RAEM tem em relação a tudo o que é legislação de índole penal. O jurista compara o crime de subversão contra o Estado com o tipo legal idêntico contra as autoridades do Governo na RAEM, para concluir que “há uma preocupação das autoridades no sentido de agravar as penas, de cada vez que se preparam propostas ou alterações a leis de conteúdo penal”.
A revisão à lei que dispõe sobre o consumo e tráfico de estupefacientes, actualmente em sede de comissão na AL, é mais uma prova desta lógica de “mão pesada” do Executivo que, lembra António Katchi, vai buscar as referências e faz os exercícios de Direito comparado com regiões e países onde o sistema é mais punitivo, como a China Continental e Hong Kong. Atendendo que, durante o próximo ano, a revisão do Código de Processo Penal deverá conhecer novos desenvolvimentos, não espantará que o direito instrumental acompanhe esta tendência.
Justiça na mesma?
A “mão pesada” não é exclusiva do Governo – os casos mediáticos que têm passado pelos tribunais da RAEM provam isso mesmo. Katchi recorda o processo que tem como arguidos os familiares de Ao Man Long e dois empresários. Em sede de recurso, o Tribunal de Segunda Instância reduziu significativamente a duração das penas aplicadas pelo Tribunal Judicial de Base. “Mesmo quando tudo indica que não há lugar a recurso, o Ministério Público recorreu desta decisão menos pesada”, salienta.
Em matéria de legislação, António Katchi não detecta carências de maior, mas já no que diz respeito ao sistema judiciário, o discurso é outro. “O problema da falta de juízes tem que ser resolvido.” Para o jurista, a solução está no recrutamento de magistrados judiciais a Portugal. “Mais vale recrutarem juízes competentes do que facilitarem o acesso local à magistratura”, diz. Katchi teme que se facilite a entrada na profissão e recorda palavras da secretária para a Administração e Justiça. “Depois de terem sido divulgados os resultados das últimas provas para a magistratura, Florinda Chan falou na possibilidade de ser criado um mecanismo mais viável.” Esta viabilidade não pode corresponder à diminuição do grau de exigência, alerta o jurista, que propõe o reforço da formação, com a introdução de cursos complementares à licenciatura de Direito da Universidade de Macau.
Em declarações ao PONTO FINAL, António Katchi defende também uma alteração à Lei de Bases da Organização Judiciária, de modo a que se possam colmatar as lacunas detectadas nos últimos tempos, como a inexistência de recurso para quem é julgado, em primeira instância, pelo Tribunal de Última Instância. E também alargar o número de juízos – o jurista propõe a criação da segunda instância no Tribunal Administrativo como forma de dar andamento aos processos que se vão acumulando.
Resta saber que novidades irá hoje anunciar Florinda Chan nesta matéria. Sabe-se apenas que o Governo quer “intensificar as acções de formação do pessoal da área do Direito e proceder à constituição de um corpo desses trabalhadores”, sendo que promete esforçar-se para que haja “uma maior articulação com as acções desenvolvidas pelo órgão legislativo e pelos órgãos judiciais”.
CCAC em toda a parte
Ainda no que diz respeito à Justiça, há uma alteração significativa que deverá ser levada a cabo em 2009: o Governo quer entregar à AL o diploma sobre o alargamento das competências do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) no primeiro trimestre do próximo ano. A ideia não reúne o apoio do meio jurídico. António Katchi não está surpreendido por, ainda assim, o Executivo insistir na sua pretensão. “O Governo não tem tido grande consideração pelas opiniões de advogados e juristas”, afirma, manifestando a “grande preocupação” que esta proposta lhe suscita. “Não vejo qualquer vantagem no alargamento das competências. O CCAC responde directamente ao Chefe do Executivo. No meio jurídico, é visto como um órgão bastante politizado, como sendo um braço do Governo dentro do sistema judiciário.” É a ténue linha da separação de poderes. Para Katchi, os órgãos de investigação criminal com capacidade para intervir no sector privado bastam – não existem justificações plausíveis para que o CCAC tenha acção neste campo.
Aprofundar, reforçar e harmonia
Para o ano, e segundo o relatório das LAG, o Executivo tem intenção de “aprofundar as acções de promoção educativa e divulgação da Lei Básica, bem como da legislação local e dos diplomas recém-publicados”. Outro aprofundamento previsto diz respeito à “interacção entre a reforma jurídica e a reforma administrativa”.
Florinda Chan pretende ainda “reforçar a coordenação dos projectos de reforma jurídica” e alargar a participação dos “diversos sectores da sociedade na acção legislativa, assim como criar gradualmente um mecanismo de legislação tridimensional e interactivo”.
Quanto à área da Administração, o Governo pretende instalar na zona Norte da cidade um edifício de prestação de serviços públicos gerais, implementar as acções de consulta comunitária, accionar o funcionamento do centro de formação dos trabalhadores da Função Pública, entre outras medidas que vêm na linha do que tem sido feito nos últimos anos.
Da tutela de Florinda Chan faz também parte a área dos Assuntos Cívicos e Municipais. Neste parâmetro, as informações divulgadas por enquanto são vagas. O Executivo tem como grande objectivo “melhorar as acções relacionadas com a qualidade de vida dos cidadãos e construir uma sociedade comunitária harmoniosa”. Para que esta meta seja atingida, irá aumentar “a capacidade de resposta na ocorrência de incidentes imprevistos” e “promover a educação cívica”.
São dois dias para debater áreas particularmente sensíveis da governação de Edmund Ho. A secretária para a Administração e Justiça vai hoje à Assembleia Legislativa explicar o que pretende fazer durante o último ano de mandato do Governo. Não se esperam grandes novidades – o reforço e o aprofundamento do que tem sido feito parecem ser as palavras de ordem de Florinda Chan.
Isabel Castro
São áreas complicadas e que mais complexas se têm tornado à medida que o tempo vai passando. Há já vários anos que a população ouve falar das reformas da Administração e da Justiça, tarefas que parecem não ter um prazo para serem dadas por concluídas. Florinda Chan poderá ser hoje “bombardeada” com questões de resposta política difícil, tanto em matéria de ideias para o edifício administrativo como no que toca ao estado da Justiça da RAEM, que tem dado que falar nos últimos tempos.
Prevê-se que um dos protagonistas da sessão seja José Pereira Coutinho, o presidente da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau. Do relatório sobre Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2009 apresentado na passada semana pelo Chefe do Executivo não constam aumentos para os trabalhadores da Administração, não obstante conter um grande número de benesses sociais. O discurso de Edmund Ho também não incluiu grandes novidades em relação à Função Pública. O mesmo aconteceu no que toca à Justiça.
A implementação de “forma rigorosa” das disposições do Artigo 23º da Lei Básica surge no topo das prioridades governamentais em relação à Justiça de 2009, embora o primeiro esboço tenha sido já apresentado e esteja em consulta pública. O Governo já disse que quer fazer chegar a proposta à AL tão cedo quanto possível. Edmund Ho manifestou o desejo de que o órgão legislativo aprove a lei sobre a defesa da segurança do Estado antes do final do seu mandato.
Mas o Artigo 23º, aparentemente bem acolhido pela população em geral, tem sido alvo de críticas e promete fazer correr alguma tinta. A proposta feita enquadra-se, para o jurista António Katchi, numa tendência de “mão pesada” que o Governo da RAEM tem em relação a tudo o que é legislação de índole penal. O jurista compara o crime de subversão contra o Estado com o tipo legal idêntico contra as autoridades do Governo na RAEM, para concluir que “há uma preocupação das autoridades no sentido de agravar as penas, de cada vez que se preparam propostas ou alterações a leis de conteúdo penal”.
A revisão à lei que dispõe sobre o consumo e tráfico de estupefacientes, actualmente em sede de comissão na AL, é mais uma prova desta lógica de “mão pesada” do Executivo que, lembra António Katchi, vai buscar as referências e faz os exercícios de Direito comparado com regiões e países onde o sistema é mais punitivo, como a China Continental e Hong Kong. Atendendo que, durante o próximo ano, a revisão do Código de Processo Penal deverá conhecer novos desenvolvimentos, não espantará que o direito instrumental acompanhe esta tendência.
Justiça na mesma?
A “mão pesada” não é exclusiva do Governo – os casos mediáticos que têm passado pelos tribunais da RAEM provam isso mesmo. Katchi recorda o processo que tem como arguidos os familiares de Ao Man Long e dois empresários. Em sede de recurso, o Tribunal de Segunda Instância reduziu significativamente a duração das penas aplicadas pelo Tribunal Judicial de Base. “Mesmo quando tudo indica que não há lugar a recurso, o Ministério Público recorreu desta decisão menos pesada”, salienta.
Em matéria de legislação, António Katchi não detecta carências de maior, mas já no que diz respeito ao sistema judiciário, o discurso é outro. “O problema da falta de juízes tem que ser resolvido.” Para o jurista, a solução está no recrutamento de magistrados judiciais a Portugal. “Mais vale recrutarem juízes competentes do que facilitarem o acesso local à magistratura”, diz. Katchi teme que se facilite a entrada na profissão e recorda palavras da secretária para a Administração e Justiça. “Depois de terem sido divulgados os resultados das últimas provas para a magistratura, Florinda Chan falou na possibilidade de ser criado um mecanismo mais viável.” Esta viabilidade não pode corresponder à diminuição do grau de exigência, alerta o jurista, que propõe o reforço da formação, com a introdução de cursos complementares à licenciatura de Direito da Universidade de Macau.
Em declarações ao PONTO FINAL, António Katchi defende também uma alteração à Lei de Bases da Organização Judiciária, de modo a que se possam colmatar as lacunas detectadas nos últimos tempos, como a inexistência de recurso para quem é julgado, em primeira instância, pelo Tribunal de Última Instância. E também alargar o número de juízos – o jurista propõe a criação da segunda instância no Tribunal Administrativo como forma de dar andamento aos processos que se vão acumulando.
Resta saber que novidades irá hoje anunciar Florinda Chan nesta matéria. Sabe-se apenas que o Governo quer “intensificar as acções de formação do pessoal da área do Direito e proceder à constituição de um corpo desses trabalhadores”, sendo que promete esforçar-se para que haja “uma maior articulação com as acções desenvolvidas pelo órgão legislativo e pelos órgãos judiciais”.
CCAC em toda a parte
Ainda no que diz respeito à Justiça, há uma alteração significativa que deverá ser levada a cabo em 2009: o Governo quer entregar à AL o diploma sobre o alargamento das competências do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) no primeiro trimestre do próximo ano. A ideia não reúne o apoio do meio jurídico. António Katchi não está surpreendido por, ainda assim, o Executivo insistir na sua pretensão. “O Governo não tem tido grande consideração pelas opiniões de advogados e juristas”, afirma, manifestando a “grande preocupação” que esta proposta lhe suscita. “Não vejo qualquer vantagem no alargamento das competências. O CCAC responde directamente ao Chefe do Executivo. No meio jurídico, é visto como um órgão bastante politizado, como sendo um braço do Governo dentro do sistema judiciário.” É a ténue linha da separação de poderes. Para Katchi, os órgãos de investigação criminal com capacidade para intervir no sector privado bastam – não existem justificações plausíveis para que o CCAC tenha acção neste campo.
Aprofundar, reforçar e harmonia
Para o ano, e segundo o relatório das LAG, o Executivo tem intenção de “aprofundar as acções de promoção educativa e divulgação da Lei Básica, bem como da legislação local e dos diplomas recém-publicados”. Outro aprofundamento previsto diz respeito à “interacção entre a reforma jurídica e a reforma administrativa”.
Florinda Chan pretende ainda “reforçar a coordenação dos projectos de reforma jurídica” e alargar a participação dos “diversos sectores da sociedade na acção legislativa, assim como criar gradualmente um mecanismo de legislação tridimensional e interactivo”.
Quanto à área da Administração, o Governo pretende instalar na zona Norte da cidade um edifício de prestação de serviços públicos gerais, implementar as acções de consulta comunitária, accionar o funcionamento do centro de formação dos trabalhadores da Função Pública, entre outras medidas que vêm na linha do que tem sido feito nos últimos anos.
Da tutela de Florinda Chan faz também parte a área dos Assuntos Cívicos e Municipais. Neste parâmetro, as informações divulgadas por enquanto são vagas. O Executivo tem como grande objectivo “melhorar as acções relacionadas com a qualidade de vida dos cidadãos e construir uma sociedade comunitária harmoniosa”. Para que esta meta seja atingida, irá aumentar “a capacidade de resposta na ocorrência de incidentes imprevistos” e “promover a educação cívica”.