11.17.2008

Residentes russos em Macau

A comunidade que não chega a existir

Existe uma comunidade russa em Macau? Numa altura em que se fala na criação de um Centro de Estudos Russos, no Instituto Inter-Universitário de Macau, o PONTO FINAL quis saber quem são os cidadãos naturais deste país e que histórias contam.

Luciana Leitão

“Claro que não há uma comunidade”, dizia um cidadão russo. “Procure em Hong Kong, porque no território não vai encontrar”, foi outra das respostas dadas. “Não quero falar com os jornais”, ouviu-se ainda. Portas que se foram fechando, enquanto o PONTO FINAL procedia à tarefa quase impossível de traçar um retrato da comunidade russa que reside em Macau. O retrato, esse, fica por definir, mas descobriram-se algumas histórias de vida que valem a pena ser partilhadas.
Radicado no território desde 1991, Leo Stepanov é uma das figuras mais conhecidas da comunidade russa do território, principalmente pela sua actividade como intérprete e tradutor de várias línguas. Depois de ter concluído o curso de mandarim, em Pequim, em 1989, encontrou em Macau um “pequeno resort”, onde as restrições que existiam no Continente não se faziam sentir. “A [ex] União Soviética era vista como o Império do Mal na China. Por isso, cheguei a conhecer pessoal da divisão de Informações”, recorda, não querendo aprofundar.
Aos 21 anos, optou por permanecer no território. No início, fez um pouco de tudo para sobreviver, nunca imaginando que até hoje se encontraria a residir em Macau. Falava na altura mandarim e inglês. Mais tarde, veio a aprender português.
Pouco a pouco, começou a ser requisitado para alguns serviços como intérprete. “Cheguei a servir em Taiwan de intérprete do Nino Vieira. E depois fui com uma delegação de Taiwan para a Guiné-Bissau”, conta. Já esteve em serviço duas vezes em Angola – uma em Luanda e outra em Cabinda -, além de ter participado em dois projectos em Moçambique. “Partimos com uma delegação de chineses para lhes ensinar a cultivar arroz”, recorda.
Tradutor e intérprete de várias línguas, Leo Stepanov está registado no Tribunal de Última Instância como conhecedor de russo, português, mandarim e cantonense. Na realidade, fala também italiano, francês, japonês, além de perceber alemão.
E, nesta sua longa permanência no território, chegou, inclusivamente, a frequentar o curso de direito da Universidade de Macau, que ficou por concluir. “Apesar de tudo, ajuda imenso, porque estou a fazer traduções jurídicas”, realça.
Depois de ter trabalhado como intérprete, nalgumas ocasiões, no Tribunal de Haia, Stepanov acabou por se juntar a um grupo de tradutores que vivem em diferentes países do mundo, criando uma empresa. “Quando há um evento num país de um dos parceiros, essa pessoa é responsável” pela organização da equipa, explica. À custa disso, Stepanov, em 2007, chegou a efectuar 27 viagens. “Por exemplo, fui a Berlim, para auxiliar no Festival de Cinema e a Bali, para uma conferência contra a corrupção”, descreve. Em Macau, Stepanov coordena um grupo de tradutores freelancer.
Contudo, do seu extenso currículo, realça o convite do Cirque du Soleil para auxiliar na tradução dos artistas, considerando esta “uma das experiências mais interessantes da sua carreira”.

O mágico sonhador

Natural da Rússia, o mágico Alexey Ekimov está a viver permanentemente em Macau há um ano. Teve contacto com o território pela primeira vez através de um casino, onde trabalhou durante seis meses. Viu na RAEM potencial para desenvolver o aspecto cultural, e acabou por se fixar, criando a sua própria empresa de entretenimento e, mais recentemente, assumindo a liderança da Associação Cultural da Casa da Rússia.
“Quero mostrar outra imagem do meu país de origem”, que não a que já é sobejamente conhecida dos residentes de Macau. “Queria que conhecessem um pouco da sua cultura”, diz, explicando que o objectivo que norteia a actividade desta jovem associação é “trazer aos residentes a comida, literatura e movimentos artísticos russos”, proporcionando, ao mesmo tempo, um intercâmbio. E até já sabe quem quer recrutar da Rússia para integrar a sua equipa. Só falta uma sede e o aval – financeiro, leia-se - do Governo de Macau.
Um dos seus projectos mais ambiciosos passa por criar uma Escola de Cultura Russa, onde seja possível frequentar aulas de russo, de pintura e, até mesmo, de ballet. “Talvez possamos abrir em Fevereiro ou Março de 2009”, declara. Para já, está, contudo, a debater-se com a falta de espaço. “Estamos à espera de uma sede, que ainda não temos”, afirma.
Ciente de que a fama da comunidade que integra em Macau está longe de ser a desejável, Alexey Ekimov espera proporcionar uma maior troca de conhecimentos entre culturas.
Recordando que no ano passado organizou uma grande festa no Largo do Senado e no Clube Militar para celebrar o Dia da Cultura Russa, Alexey Ekimov acredita que há cada vez mais pessoas interessadas em conhecer todos os aspectos do seu país de origem.

O violoncelista entre música chinesa

De acordo com o Consulado Geral da Rússia em Hong Kong, há, pelo menos, 100 russos a residir em Macau, mas o músico Yuliy Ashtakov duvida de tal número. “Tendo em conta que muitos russos permanecem apenas dois ou três anos no território, se calhar não cancelaram o seu registo”, especula. Números à parte, o que é certo é que para Yuliy Ashtakov “não existe uma comunidade russa” em Macau. Pelo menos, não no sentido de “pessoas que se encontram e que têm vários interesses em comum”.
Yuliy Ashtakov reside em Macau há já dez anos, tendo trabalhado a maior parte do tempo na Orquestra Chinesa de Macau. Veio parar ao território, quase por acaso. “Estava a viajar bastante pelo mundo fora. Acabei por calhar em Macau”, conta.
Sendo um músico, qualquer ponto do mapa lhe serve. Sentiu “qualquer coisa de especial na cultura de Macau” e aqui ficou, até porque, na altura, estava sob a administração portuguesa e, portanto, era uma cidade bastante “europeia”. Por ter vivido uma infância rodeado por outras culturas, adaptou-se rapidamente.
Aliás, na sua opinião, sempre sentiu que o povo chinês e russo tinham temperamentos semelhantes. A história é diferente, a cultura e o percurso também, mas “existe uma mentalidade em comum”. Algo que não consegue explicar. Aliás, quando conversa com empresários russos, percebe que se dão muito bem com os empresários chineses. “Compreendem-se mutuamente”, remata.
Iniciou o seu percurso no território na Academia de Música S. Pio X, onde conheceu o Padre Lancelote Rodrigues, um dos “grandes responsáveis por ter permanecido” em Macau. Alguns meses depois viria a dar o salto para a Orquestra Chinesa de Macau, uma experiência que durou dez anos, e que considera um momento “muito bom” da sua carreira, por ter tocado juntamente com músicos chineses. “Tivemos concertos em Pequim, Portugal, Cantão”, além de vários outras cidades. “Além de tocar, ensinei e organizei eventos”, conta.
A experiência na Orquestra Chinesa de Macau foi particularmente satisfatória, por ter tido a oportunidade de “ocidentalizar” a música chinesa. Algo que só poderia ocorrer num local multicultural como Macau, com tantas “potencialidades” por explorar.

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